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OPINIÃO

Editar ou perecer?

PETER A. SCHULZ

"Decifra-me ou devoro-te” refere-se ao famoso “enigma da esfinge”. Famoso? Riddle of the sphinx levou a 312.000 resultados pelo Google. Hoje, Publicar ou perecer é mais importante: publish or perish forneceu 556.000 resultados alguns minutos depois. Em compensação, edit or perish1 cravou apenas 6 citações na mesma pesquisa. Assim, editar ou perecer parece um problema irrelevante, mas vamos aos fatos.

Publicar (a primeira acepção da palavra, lembremo-nos, é: tornar público) constitui a missão do docente de uma universidade de pesquisa, isso não está em discussão. Quanto a definir qual a melhor maneira de tornar público o trabalho de descoberta ou criação (ou seja, publicar), há controvérsias. Como físico, acostumei-me a publicar em revistas especializadas internacionais, com revisão por pares, de preferência de alto impacto, indexadas pelo Web of Science2 (WoS).

Na área de física (e várias outras), essas revistas de maior impacto são publicadas por associações independentes das instituições que empregam os pesquisadores que querem publicar seus trabalhos. Acaba sendo uma garantia razoável de lisura do processo editorial. As controvérsias começam a surgir quando se consideram áreas do conhecimento que contam com poucas revistas indexadas no WoS, cujos desempenhos (das revistas) são avaliados no Journal Citation Reports (JCR): não existem, por exemplo, revistas indexadas no JCR (social science edition) sob a palavra chave philosophy3!

Como e onde então devem os filósofos publicar? Bem, no WoS Arts & Humanities aparecem revistas de filosofia, mas o impacto delas não é ainda avaliado pelo JCR! Os físicos de matéria condensada (como eu) têm a seu dispor 60 periódicos indexados no JCR (science edition), ou seja, com o impacto avaliado, fora os periódicos de física aplicada e física multidisciplinar.

A questão do título coloca-se, portanto, de maneira singela, posto que, para se publicar, alguém tem que editar. Acredito ser bastante razoável supor que, tanto quanto publicar, editar talvez seja também uma missão de uma universidade de pesquisa. E, de fato, esse esforço editorial ocorre na Unicamp. Somente os Centros e Núcleos de Pesquisa Interdisciplinar são responsáveis pela edição de 23 periódicos ou coleções de livros impressos e/ou em formato eletrônico.

Boa parte dos periódicos tem classificação Qualis da Capes (variando de nacional C à internacional A) e alguns são também indexados no Scielo, uma base de dados para pesquisa, criado para aumentar a visibilidade das publicações nacionais. A atividade editorial dos Centros e Núcleos é, colocado em termos talvez pouco acadêmicos, motivo de orgulho. No entanto, em termos acadêmicos, seria desejável ter uma política editorial clara para a Unicamp.

Devemos ou não incentivar a edição de veículos de disseminação da atividade de pesquisa e criação? Não se pretende aqui responder a essa pergunta, mas algumas constatações precisam ser compartilhadas em um contexto em que o tema passa a ser discutido mais intensamente, como no recente evento do Fórum Permanente Conhecimento e Tecnologia de Informação: “Credenciamento e indexação de periódicos”.
Um primeiro ponto a ser considerado é a saudável diversidade no mundo acadêmico com o conseqüente convívio de visões diferentes. Aqui vale recomendar a leitura do relatório – Estratégias de publicação em transformação? – sobre os hábitos de publicação e aquisição de informação, feito entre pesquisadores alemães pelo Deutsche Forschungsgemeinschaft (o CNPq deles), com uma versão em inglês disponível on-line4. Nesse relatório, as disciplinas científicas são divididas em quatro áreas – humanidades e ciências sociais, ciências da vida, ciências naturais e engenharias.

Um dos aspectos pesquisados é o envolvimento dos cientistas na edição de periódicos científicos. Enquanto que 50% dos pesquisadores em humanidades declaram não ter envolvimento nessas atividades, essa proporção chega a 64% na área de ciências naturais. Além disso, a porcentagem de publicação em alemão entre cientistas sociais chega a 60%, comparado com meros 8% em ciências naturais. Os números para a língua inglesa apresentam uma inversão significativa: 36% e 92%, respectivamente. Parece haver uma correlação entre o uso da língua e o esforço editorial de uma determinada comunidade – e que tal percepção não é uma exclusividade brasileira5.

Se a questão de editar ou não periódicos científicos deve ser contextualizada por área, precisamos nos perguntar quais instituições podem ou devem se envolver nessa atividade. Em particular: as universidades devem promover a edição de periódicos? Novamente no meu caso, as principais revistas são publicadas pela APS e a AIP (American Physical Society e American Institute of Physics), entidades independentes de universidades, institutos de pesquisa e órgãos do governo. Contra exemplo? Advogados (não se aplica à Unicamp, que não tem um curso de Direito) são prolíficos, existem 101 periódicos listados no JCR (social science edition, sob a palavra chave “law”).

A curiosidade reside no fato de que os 15 periódicos de maior parâmetro de impacto são editados por universidades. E não pára nisso: o maior parâmetro de impacto é da Harvard Law Review, obviamente da Universidade de Harvard, mas editada pelos estudantes de pós-graduação de lá! Vale a pena entrar na página web de Harvard, clicar em news (barra inferior) e logo clicar em university publications (menu no lado esquerdo), para acessar o portal de publicações dessa universidade.

Lá, encontramos também outras publicações editadas por estudantes, como o Harvard Educational Review, também indexado no Web of Science. Mas não só os estudantes em Harvard editam revistas indexadas, as diferentes Schools e departamentos da Faculty of Arts and Sciences também, totalizando 17 publicações indexadas. Que se somam às 10 de Yale, 5 de Stanford, 9 de Michigan, 18 de Oxford...Talvez fosse o caso de não apenas apoiar as publicações da Unicamp, mas tentar, por que não?, indexá-las. Certamente aumentar a visibilidade delas, com um portal próprio, não prejudicaria ninguém.

Resta uma pergunta. Onde os filósofos devem publicar? Em revistas indexadas no Phylosopher´s index, como a Manuscrito: revista Internacional de Filosofia do Centro de Lógica e Epistemologia da Unicamp. Infelizmente, o Philosopher´s index não realiza estatísticas de citações, para quantificar o impacto dos periódicos, como o faz o JCR. Como podemos então inferir esse impacto? Pelas citações de artigos da Manuscrito em artigos publicados em revistas indexadas no WoS. Artigos publicados na Manuscrito foram citados 63 vezes6. Citações aos Cadernos Pagu, Opinião Pública, Ambiente e Sociedade e Multiciência, também aparecem desse modo.

Esses dados são bons? Esses números são suficientes? A própria indexação e sua análise são problemas em aberto, temas de pesquisa, e ferramentas em contínua evolução. Uma percepção disso pode ser feita apreciando os tópicos que deverão ser abordados na 11ª conferência da International Society for Scientometrics and Informetrics agora em junho7. A única conclusão preliminar possível é que estamos diante de um enigma: editar ou perecer? Seria bom decifrá-lo.

Peter A. Schulz é professor do Instituto de Física “Gleb Wataghin” (IFGW) e assessor da Coordenadoria de Centros e Núcleos Interdisciplinares de Pesquisa (Cocen)

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1 Editar ou perecer? É o nome de um encontro realizado na XV Escola de verão de saúde pública em setembro de 2004 Espanha.
2 O ISI Web of Knowledge é acessível de qualquer computador ligado em rede da Unicamp.
3 Existem alguns títulos que englobam algumas sub-áreas como “History and Philosophy of Science”
4 www.dfg.de/en/dfg_profile/facts_and_figures/
5 Is there science beyond english?,Meneghini e Abel L. Packer, EMBO reports, vol. 8, 112 (2007).
6 Uma vez no WoS optar por Cited Reference Search e entrar com a palavra Manuscrito no campo Cited Work.
b http://issi2007.cindoc.csic.es/

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