RAQUEL
DO CARMO SANTOS
Pelo menos 40 pesquisadores da Faculdade
de Ciências Médicas da Unicamp
(FCM) estão envolvidos em um grande esforço
de pesquisa acerca da hipertensão arterial.
Trata-se de um problema de saúde cuja
importância pode ser dimensionada por
sua alta prevalência – aproximadamente
25% da população brasileira –
e pela gravidade de suas complicações
mais recorrentes, entre as quais a insuficiência
renal, a insuficiência cardíaca
e o derrame cerebral. Os estudos vão
desde a busca de marcadores genéticos,
passam por investigações sobre
modelos comportamentais e de hábitos,
e chegam até o desenvolvimento de drogas
capazes de atenuar os efeitos da doença.
As atividades, coordenadas pelo professor Kleber
Franchini, estão se desenvolvendo de
maneira integrada em diversas unidades da instituição,
entre as quais o Ambulatório de Hipertensão
Arterial do Hospital das Clínicas (HC),
e laboratórios de pesquisa dos departamentos
de Clínica Médica, Enfermagem
e Patologia Clínica da FCM. Integram
também o grupo os professores Wilson
Nadruz Júnior, Maria Cecília Gallani,
Roberta Colombo e Célia Garlip, todos
da FCM.
“A hipertensão arterial é
uma doença multifatorial que aparece
em conseqüência do agrupamento, no
portador, de fatores herdados e comportamentais,
como o estresse, sedentarismo, dieta com excesso
de sal, alcoolismo, entre outras. É ‘democrática’.
Não respeita classe social, gênero
ou raça, além de ter pouco ou
nenhum sintoma”, diz Franchini, que coordena
o Laboratório de Fisiopatologia Cardiovascular.
Doença
atinge 25% da população brasileira
Segundo
o especialista, por estar sujeito a complicações
graves e por necessitar de tratamento medicamentoso
permanente em conjunto com modificação
do comportamento e de hábitos de vida,
o paciente hipertenso precisa de atendimento
de equipe multi-profissional. “A atuação
conjunta de profissionais de diferentes áreas
favorece o ensino e a pesquisa em suas diversas
modalidades”, enfatiza o docente.
“Os três pilares das atividades
profissionais da universidade pública
– o ensino, a assistência e a pesquisa
– são exercidos no trabalho desenvolvido
pelo grupo”, destaca Franchini. Segundo
ele, este é um dos aspectos que pautam
a qualidade do grupo. No ensino, as atividades
abrangem a formação de alunos
de graduação, residentes, pós-graduandos
e estagiários, além de orientação
e treinamento de profissionais da rede pública
de saúde.
No campo da pesquisa, o especialista atesta
o reconhecimento da comunidade científica
nacional e internacional na contribuição
do grupo para o entendimento de mecanismos fundamentais
envolvidos nas alterações das
células cardíacas durante o desenvolvimento
da insuficiência cardíaca causada
pela hipertensão arterial. Franchini
observa que o grupo descreveu, em uma série
de trabalhos, publicados entre os anos de 2000
e 2006, a dinâmica da enzima quinase de
adesão focal no coração,
cuja atividade acelera o quadro de hipertrofia
e também pode contribuir para a evolução
da insuficiência cardíaca.
O
especialista explica que, na hipertensão
arterial, as células do coração
são sobrecarregadas pelo aumento da pressão
e, em resposta, transformam-se, aumentando de
tamanho, em processo conhecido como hipertrofia.
“A hipertrofia é a semente para
a insuficiência cardíaca. Verificamos
que a enzima quinase de adesão focal
é um dos principais mediadores do processo
de hipertrofia decorrente do excesso de carga
mecânica, bem como os mecanismos intermediários
pelos quais a hiperatividade desta enzima regula
a expressão de genes nas células
cardíacas”, explica.
De acordo com Franchini, a compreensão
dos mecanismos moleculares acionados pelo excesso
de carga mecânica nas células cardíacas
pode resultar no desenvolvimento de novos medicamentos
direcionados para o tratamento de indivíduos
com hipertensão arterial e insuficiência
cardíaca.
Não por acaso, no Laboratório
de Fisiopatologia Cardiovascular, são
conduzidos atualmente estudos de desenvolvimento
de fármacos. Eles são destinados,
entre outros fins, ao tratamento da insuficiência
cardíaca, uma das principais complicações
da hipertensão arterial. Os fármacos
em questão, cujos testes iniciais demonstraram
potencial para uso terapêutico, foram
planejados e sintetizados pela pesquisadora
Silvana Rocco, associada ao grupo. O pedido
de patente já foi registrado.
Os
cientistas estão trabalhando, no momento,
em estudos de toxicologia para avaliar a possibilidade
de utilização em seres humanos.
Todo o processo conta com o financiamento de
uma indústria farmacêutica com
a qual foi firmado convênio de desenvolvimento.
Assistência –
Transpor os resultados da pesquisa para o atendimento
ao paciente hipertenso é um dos objetivos
da equipe. Nesse contexto, observa Franchini,
as pesquisas de cunho mais básico têm
um processo de maturação mais
longo. Outras, como aquelas relacionadas ao
estudo de fatores que influenciam no comportamento
e nos hábitos de vida da população,
que é o foco da atividade de pesquisa
coordenada pela professora Maria Cecília
Gallani, ou às relacionadas aos fatores
hereditários, como é o caso dos
estudos conduzidos pelo professor Wilson Nadruz
Júnior, têm o potencial de serem
aplicadas mais prontamente.
Ainda neste contexto, observa Franchini, a aplicação
do conhecimento gerado pelo grupo tem o potencial
de melhorar os resultados do tratamento dos
pacientes hipertensos. A identificação
nos estudos coordenados pela professora Maria
Cecília Gallani, por exemplo, de que
os temperos industrializados são os principais
determinantes do excesso de sal na dieta dos
pacientes, determinou modificação
na orientação da dieta preconizada.
“Estamos avaliando os efeitos desta nova
orientação”.
Em busca dos
marcadores genéticos
As
pesquisas realizadas no Laboratório de
Biologia Cardiovascular e no Ambulatório
de Hipertensão perseguem um único
objetivo: identificar marcadores genéticos
que predispõem o indivíduo a desenvolver
lesões em órgãos do corpo,
uma das principais causas de morte nos pacientes
hipertensos.
“Ninguém morre de pressão
arterial alta. A mortalidade é decorrente
das lesões conseqüentes do aumento
crônico de pressão sobre as artérias,
os rins e o coração. Elas levam
às insuficiências cardíaca
e renal, ao infarto do miocárdio e ao
acidente vascular cerebral (AVC). Se conseguirmos
identificar as variantes ou polimorfismos gênicos
associados ao maior desenvolvimento destas complicações,
aumentam sensivelmente as chances de atuar no
sentido preventivo dessas lesões e frear
as complicações”, destaca
o médico Wilson Nadruz Júnior,
docente da FCM e coordenador do Laboratório
de Biologia Cardiovascular. Números mostram
que a hipertensão arterial é a
causa de até 50% das mortes por infarto
do miocárdio, acidente vascular cerebral
e insuficiência cardíaca.
O organismo humano possui milhões de
genes, sendo que em cada um deles podem ocorrer
centenas de variações. Por isso,
o trabalho desenvolvido pela equipe não
é tarefa das mais fáceis. Todo
o conhecimento científico gerado ao longo
de nove anos, com os experimentos em animais,
permite que as pesquisas avancem para os estudos
em humanos. “Os dados da pesquisa experimental
foram essenciais, pois no estudo com pacientes
partimos de informações obtidas
por meio de estudos com ratos, camundongos e
cultura de célula”, explica o médico.
A primeira pesquisa sobre marcadores genéticos
envolvendo pacientes do Ambulatório de
Hipertensão foi desenvolvida pela médica
Maria Lílian Sales, orientada pelo próprio
Nadruz, com 200 pacientes hipertensos e 70 normotensos
do HC. O artigo será publicado em uma
revista científica na área de
hipertensão, o Journal of Human Hipertension.
Maria Lílian investigou um polimorfismo
do gene que codifica a proteína P22-PHOX,
a qual nas observações em animais
revelou relação direta com o aumento
da produção de radicais livres
de oxigênio e também com um quadro
de hipertrofia cardíaca. Este polimorfismo,
conhecido como -930A/G, está associado
à maior expressão de P22-PHOX
e à maior produção de radicais
livres em hipertensos. Com isso, a questão
que os pesquisadores queriam responder era se
a presença desta variante gênica
também estaria relacionada com maior
prevalência de lesões em órgão-alvo.
Como em ciência nem tudo é trivial
ou se mostra lógico, os resultados da
pesquisa foram negativos. As suspeitas de se
conseguir identificar uma das variações
dos genes ou polimorfismo propícios para
o desenvolvimento de lesões não
se consolidaram. Mesmo assim, o estudo trouxe
outras perspectivas, pois se consegue eliminar
uma das possibilidades e oferece informações
novas. “Este fator é fundamental,
pois se estamos perseguindo uma pista, eliminar
as suposições é um avanço
significativo. Na questão terapêutica,
por exemplo, permite propor tratamentos mais
ou menos agressivos e influencia a necessidade
de exames mais específicos”, explica
Maria Lílian.
O estudo inédito realizado com a P22
trouxe o ganho da padronização
e metodologias específicas para se trabalhar
com experimentos em humanos. Os exames realizados
nos pacientes para análise são
exatamente aqueles de rotina. Por isso, não
há necessidade de expor o indivíduo
a avaliações mais complexas. Um
equipamento, adquirido por meio de financiamento
da Fapesp, o ecocardiógrafo, possibilitou
analisar a estrutura e funções
do coração de forma mais específica.
O próximo passo será ampliar o
espectro de pacientes estudados e o número
de variantes dos genes. Maria Lílian
prossegue analisando as variantes genéticas
que codificam uma proteína denominada
quinase de adesão focal.
Segundo Wilson Nadruz, as pesquisas em humanos
de variantes genéticas da quinase de
adesão focal estão totalmente
em aberto. Vem daí a expectativa da equipe.
Segundo o médico, a análise exigirá
uma população mínima de
mais de 500 pacientes hipertensos.
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