CLAYTON
LEVY
Estabelecer
uma política de estado capaz de transformar
a crescente produção científica
numa fonte geradora de riqueza. Esse é
o principal desafio do Brasil para consolidar
uma cultura voltada à inovação
tecnológica. A estratégia implica
em integrar três atores que até
agora andaram desarticulados: pesquisadores,
empresários e governo. A receita não
é nova. Desde o século 19, países
desenvolvidos como Estados Unidos e Alemanha
a usam com sucesso. Entre os países em
desenvolvimento, Coréia do Sul e China
também começaram a deslanchar
depois de adotarem o mesmo modelo. Em todos
eles, prevalece a mesma premissa: para haver
crescimento, o investimento em pesquisa deve
ocorrer dentro da indústria.
No Brasil, esta é uma concepção
ainda incipiente. Basta olhar para o fato de
70% dos cientistas em atividade no país
estarem concentrados em instituições
acadêmicas. Nos países desenvolvidos,
o mais freqüente é 50% ou mais dos
cientistas atuarem em laboratórios industriais.
Outro sintoma incômodo é o descompasso
entre produção científica
e patentes registradas. Nos últimos vinte
anos, o número de artigos publicados
por pesquisadores brasileiros saltou de dois
mil para 15 mil por ano, o que coloca o país
na 17ª posição do ranking
mundial, segundo o Instituto for Scientific
Information (ISI). Ainda assim, em 2005 o Brasil
depositou apenas 77 patentes nos Estados Unidos,
contra 4,3 mil da Coréia, que tem uma
produção científica equivalente
à brasileira.
“O
meio científico faz muito bem em ser
vigilante”
O físico Sergio
Rezende conhece muito bem essa realidade. Como
um dos cientistas mais respeitados do Brasil
e ex-presidente da Financiadora de Estudos e
Projetos (Finep), ele sempre acompanhou de perto
as iniciativas para transformar ciência
em riqueza. Desde julho de 2006, passou a ter
um motivo a mais para atuar nessa direção.
Ao assumir o posto de ministro da Ciência
e Tecnologia do governo Lula, ele reacendeu
a expectativa de cientistas e empresários
em relação a uma política
científica voltada para o desenvolvimento
econômico e social. Na entrevista que
segue, concedida ao Jornal da Unicamp no dia
16 de maio, quando empossou o professor Jacobus
Swart na direção do Centro de
Pesquisa Renato Archer (Cenpra) (leia na página
10), Rezende faz um breve balanço do
que o Brasil tem feito nessa área. E
garante que, apesar dos tropeços, o País
ainda não perdeu o bonde da inovação
tecnológica.
Jornal da Unicamp
– O Brasil já conta com instrumentos
para incentivar a inovação no
setor industrial, como Lei de Inovação
e Fundos Setoriais, mas o empresariado ainda
não deslanchou. O que está faltando?
Sergio Rezende – Não
concordo que o empresário esteja reticente.
A Finep (Financiadora de Estudos e Projetos)
acabou de lançar um edital no valor de
R$ 300 milhões destinado à subvenção
de projetos elaborados por empresas. Foram enviados
1,1 mil propostas, totalizando R$ 1,9 bilhão.
Isso mostra que o empresariado interessado em
inovação estava esperando instrumentos
de apoio por parte do governo. Esses instrumentos
estão sendo criados e colocados em prática.
JU – Pela primeira
vez, o País conta com uma política
industrial que inclui o aspecto tecnológico
como estratégico para o desenvolvimento
sócio-econômico. O MCT pretende
induzir pesquisas em setores estratégicos
por meio de editais?
Sergio Rezende – Estamos
fazendo isso de duas maneiras diferentes. Primeiro,
a subvenção econômica para
a empresa, que é um recurso não
reembolsável, uma doação
que o governo faz, por meio de um contrato para
desenvolvimento produtos relacionados aos temas
definidos pela política industrial. O
outro, são editais para cooperação
entre universidades e empresas. Há três
anos que estamos fazendo esse tipo de edital,
que também induz a cooperação
universidade-empresa em linhas da política
industrial. As principais áreas estratégicas
contempladas pela política industrial
são software, microeletrônica,
bens de capital, fármacos, biomassa,
nanotecnologia e biotecnologia.
JU – Embora a
política industrial contemple o setor
de microeletrônica como estratégica,
alguns observadores do meio científico
acham que o Brasil perdeu o bonde no que diz
respeito à produção de
semicondutores. A produção científica
nessa área é expressiva, mas o
País praticamente não possui fábricas
nesse segmento. O MCT pretende induzir projetos
especificamente nessa área?
Sergio Rezende – O MCT
está fazendo isso. Algumas das empresas
selecionadas para receber subvenção
estão com projetos nessa área.
Temos o programa CI Brasil, que integra o Programa
Nacional de Microeletrônica, já
com 700 participantes em todo o Brasil, fazendo
projetos de circuito integrado, alguns deles
sob encomenda de empresas que desejam desenvolver
seus produtos. É verdade, porém,
que perdemos um tempo muito grande nessa área.
Mas ainda não perdemos o bonde. Como
o bonde anda devagar, estamos correndo e vamos
pegar o bonde andando.
“Precisamos
divulgar mais os mecanismos existentes”
JU – Qual o tratamento
que o MCT pretende dar aos Fundos Setoriais,
principalmente no que diz respeito ao contingenciamento
de recursos?
Sergio Rezende – O meio
científico faz muito bem em ser vigilante
a esse respeito. Essa vigilância está
trazendo resultados. A cada ano há um
compromisso do governo em ampliar o orçamento
em relação à receita. Em
2005 o orçamento dos Fundos Setoriais
correspondeu a 50% da receita, em 2006 subiu
para 60%, este ano é de 70%, em 2008
será de 80%, em 2009, 90% e em 2010 será
100% da receita.
JU – O Banco
Mundial acaba de divulgar que o mercado global
de carbono triplicou de tamanho nos últimos
dois anos, passando de US$ 10 bilhões
em 2005 para US$ 30 bilhões em 2006.
Pelo segundo ano consecutivo, a China dominou
o setor, com 61% dos volumes negociados em 2006,
seguida pela Índia, com 12%. O Brasil
ficou com uma modesta fatia de 4%, atrás
de outros países asiáticos que,
juntos, somaram 7%. O país também
vem perdendo terreno em relação
ao número de projetos de Mecanismo de
Desenvolvimento Limpo (MDL). Depois de liderar
o setor em 2005, perdeu o posto para China e
Índia, e está prestes a ser ultrapassado
também pelo México. Para muitos
observadores, o fraco desempenho do país
nesse segmento se deve à falta de um
marco regulatório. Ele vai sair?
Sergio Rezende – O programa
de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo foi implantado
há vários anos e o Brasil, durante
algum tempo, apareceu em primeiro lugar no número
de projetos MDL. Hoje, o Brasil está
atrás da China e da Índia, mas
a China e a Índia têm mais de um
bilhão de habitantes. Temos de considerar
também a dimensão dos países.
O Brasil, na verdade, está numa situação
confortável. O que precisamos fazer é
divulgar mais os mecanismos existentes e fazer
com que o acesso seja mais simples.
JU – Mas a crítica
que se faz é que a falta de um marco
regulatório inibe tanto empresários
internos quanto investidores externos, porque
estaria impedindo a definição
de mecanismos importantes, como por exemplo
o sistema de tributação destas
atividades.
Sergio Rezende – Nisso
eles têm razão. Nós estaremos
nas próximas semanas, os ministérios
do Meio Ambiente e da Ciência e Tecnologia,
lançando um plano nacional de combate
às mudanças climáticas
globais, na qual o MCT entrará com uma
rede de pesquisa nessa área. Nesse momento,
muitas das questões que estão
sendo colocadas serão resolvidas.