O
sítio eletrônico do Ministério
da Previdência Social alardeia: a reforma
previdenciária do setor público,
implementada em 2003, representou “um
grande passo para o Brasil de todos”.
Superada essa etapa, o governo federal empenha-se
agora em promover uma nova mudança, desta
vez no Regime Geral de Previdência Social
(RGPS), onde estão enquadrados os trabalhadores
do segmento privado. O principal objetivo da
iniciativa, conforme a Pasta, é equilibrar
as contas da Previdência. Dentro dessa
lógica, uma proposta que vem ganhando
corpo nas discussões em curso é
a fixação da idade mínima
para a aposentadoria: 65 anos para homens e
60 para mulheres. Embora o mecanismo seja usual
em diversos países, ele pode se tornar
perverso no Brasil, especialmente para os trabalhadores
não-qualificados e de baixa renda, que
ingressam muito mais cedo no mercado de trabalho
e freqüentemente executam atividades desgastantes
ou insalubres. “De fato, esse risco está
presente. Se a reforma não contemplar
uma proteção para essas pessoas,
ela poderá se constituir em uma medida
socialmente injusta”, alerta o professor
Claudio Salvadori Dedecca, do Instituto de Economia
(IE) da Unicamp.
Propostas de mudança vêm sendo discutidas
Os debates em torno do que pode ser considerada a segunda fase da reforma previdenciária estão se dando no Fórum Nacional de Previdência Social, instituído a partir de um compromisso de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por ocasião da sua reeleição. Nessa instância, diversas propostas estão sendo consideradas antes da formulação do projeto que será enviado à apreciação do Congresso Nacional. Algumas defendem a redução de direitos dos trabalhadores. Outras caminham na direção da preservação desses mesmos direitos, mas com a criação de condições para que a Previdência torne-se sustentável. Entre uma e outra discussão, a sugestão que vem ganhando corpo no âmbito do governo e no de alguns setores é o estabelecimento da idade mínima para a aposentadoria. Esta seria de 65 anos para o homem e 60 para a mulher, desde que ambos tenham contribuído por pelo menos 35 anos. Em tese, conforme Dedecca, a medida é válida.
O docente do IE lembra que muitos países adotam o mecanismo, como forma de evitar aposentadorias precoces, que trazem impactos importantes para o caixa de seus sistemas previdenciários. “Não considero sensato uma pessoa se aposentar aos 55 anos, por exemplo. Nessa idade, o trabalhador normalmente ainda é muito produtivo. Entretanto, também não me parece justo tratar igualmente os desiguais”, afirma. A avaliação de Dedecca está baseada na realidade enfrentada por uma parcela significativa dos trabalhadores brasileiros. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2005, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os filhos das famílias com renda mais alta normalmente ingressam no mercado de trabalho tardiamente, entre os 19 e os 24 anos.
Impacto – Já os jovens pertencentes às famílias de baixa renda começam a trabalhar quando estão na faixa etária dos 10 aos 16 anos. Ainda segundo os dados da PNAD, dois de cada dez crianças e adolescentes com idade entre 10 e 15 anos pertencentes a famílias de baixa renda trabalham. Entre os rapazes e moças egressos das famílias de alta renda, somente dois em cada grupo de 50 estão no mercado de trabalho. Ou seja, caso a proposta da idade mínima seja aprovada sem qualquer mecanismo de proteção aos mais pobres, a medida vai impactar de maneira mais intensa justamente esse segmento da população. Assim, num exercício hipotético, o homem que ingressar no mercado de trabalho aos 16 anos e se aposentar aos 65 terá contribuído com a Previdência por um período de 49 anos. Já o que começar a trabalhar com 24 poderá se aposentar com a mesma idade, mas com 41 anos de contribuição.
Tal assimetria poderia ser considerada, por si só, como injusta. Ocorre, porém, que as diferenças entre os trabalhadores de baixa e alta renda é ainda maior, como destaca o docente do IE. Dedecca lembra que os primeiros, não raro, executam tarefas mais desgastantes ou insalubres do que os segundos. Em outras palavras, o impacto das atividades profissionais na saúde de uns e outros também é desigual. “A tendência é que um engenheiro alcance a aposentadoria em melhores condições físicas do que um pedreiro. Afinal, enquanto o primeiro executa um trabalho intelectual, o outro desempenha tarefas predominantemente braçais. Além disso, a probabilidade de o desemprego atingir este último é muito maior, notadamente após os 40 anos de idade”, compara Dedecca. A discrepância, prossegue ele, não existe somente entre trabalhadores não-qualificados e qualificados. Até mesmo entre profissionais de áreas assemelhadas é possível identificar disparidades. Tome-se como exemplo os professores.
Políticas públicas – Os que trabalham numa boa universidade pública tendem a ser mais bem remunerados e a gozar de melhores condições de trabalho ao longo da carreira do que aqueles que lecionam no ensino fundamental das redes estaduais e municipais. Estes últimos, com uma freqüência além da admissível, enfrentam dificuldades de variadas ordens, inclusive as relativas à violência urbana, que se expressa de forma pronunciada, sobretudo, na periferia das grandes e médias cidades. Mas como fazer, então, para garantir que o mecanismo da idade mínima, caso venha a ser aprovado, não se constitua em medida de injustiça social ao tratar igualmente os desiguais? Conforme Dedecca, alguns países desenvolvidos solucionaram bem esse problema.
Nações que integram a Comunidade Européia adotam o sistema da idade mínima. Entretanto, elas desenvolvem políticas públicas que asseguram aos jovens a permanência na escola pelo menos até os 18 anos. “Na Europa, homens e mulheres ingressam no mercado de trabalho, em média, aos 24 anos, sejam eles originários de famílias pobres ou ricas. Ou seja, a propensão é que trabalhem por períodos mais ou menos similares. Se o Brasil optar pela adoção da idade mínima para a aposentadoria, penso que seria indispensável a definição de medidas nesse sentido”, analisa o professor do IE. De acordo com ele, uma alternativa complementar seria o estabelecimento da idade mínima diferenciada para os trabalhadores de baixa renda, mas de forma progressiva.
Explicando melhor, poderia ser definida, inicialmente, a idade mínima de 60 anos para a aposentadoria dos integrantes desse grupo, no caso dos homens. Com o tempo, porém, ela seria ampliada progressivamente até atingir os 65 anos. O mesmo seria válido para as mulheres, com faixa específica. “Como os debates em torno da reforma da Previdência ainda estão em andamento, penso que estas e outras propostas que garantam maior igualdade entre trabalhadores de baixa e alta renda devam ser consideradas, sob pena de promovermos mudanças que se tornarão perversas para a fatia menos favorecida da população”, adverte Dedecca. Pela agenda do governo federal, as definições acerca da reforma previdenciária devem ser finalizadas no segundo semestre deste ano.
Rombo é estimado em R$ 45 bilhões
Embora não seja objeto de consenso entre as pessoas versadas no tema, o déficit da Previdência Social é estimado pelo governo federal em R$ 45 bilhões. A reforma relativa ao setor público, implementada em 2003, e a que está em discussão, que alcançará o segmento privado, serviriam justamente para ajudar a equilibrar as contas. Ao defender a necessidade de mudanças no sistema previdenciário brasileiro, o ministro da Previdência Social, Luiz Marinho, afirmou no início de maio que a reforma é indispensável para assegurar o pagamento de benefícios às futuras gerações. Segundo ele, as novas regras também servirão para combater fraudes e melhorar o atendimento aos contribuintes.
O ministro disse, ainda, que os debates travados no Fórum Nacional de Previdência Social contribuirão para promover o diagnóstico da situação, levantando temas para discussão. As propostas apresentadas, de acordo com Marinho, subsidiarão as novas regras, que terão por finalidade garantir a sustentabilidade da Previdência. Em declarações recentes, o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Arthur Henrique, criticou a tendência das sugestões governamentais concentrarem-se no aspecto das despesas previdenciárias. Ele entende que também é preciso analisar em profundidade as receitas. “Com a incorporação de apenas 3% de pessoas atuantes no mercado de trabalho à Previdência Social, haveria um incremento de receita de R$ 3 bilhões”, estima.