JOSÉ
TADEU JORGE * SUELY VILELA * MARCOS MACARI
Conceito
presente nos estatutos universitários
brasileiros des de a década de 30 do
século XX, a autonomia universitária
veio a consagrar-se como princípio constitucional
na Carta Magna de 1988. Foi nas Universidades
Estaduais Paulistas, entretanto, que, a partir
de 1989, esse princípio foi aplicado
em sua plenitude com a instituição
do regime de autonomia financeira com vinculação
orçamentária, viabilizando a autonomia
administrativa e reforçando as prerrogativas
– em muitos aspectos já existentes
– da autonomia didático-científica
e da indissociabilidade entre ensino, pesquisa
e extensão.
Destinou-se às três instituições
do sistema paulista – USP, Unicamp e Unesp
– uma cota-parte sobre a arrecadação
do ICMS estadual tomando-se por base a média
orçamentária de cada uma. Essa
medida foi de fundamental importância
para o exercício da autonomia plena e
para o inegável êxito da experiência
paulista. À diferença do modelo
anterior, em que os recursos lhes eram repassados
sob demanda, a autonomia trouxe a incorporação
de conceitos de gestão que antes eram
impossíveis de serem aplicados nas universidades,
dada sua dependência umbilical do controle
centralizado e da política de liberações
financeiras em conta-gotas. E seu escopo, arrojado
para a época e ainda hoje singular no
país, é permitir que as universidades
paulistas se auto-administrem tendo como parâmetros
o comportamento da economia, a escolha de prioridades
e, principalmente, a responsabilidade no uso
dos recursos públicos.
Desde
então, os indicadores apresentados pelas
estaduais paulistas são muito mais significativos
do que antes da autonomia. Seja do ponto de
vista qualitativo, seja quantitativamente, eles
expressam uma evolução muito acima
do crescimento do orçamento das universidades
em termos reais, demonstrando de forma inequívoca
a eficiência e a seriedade no uso do dinheiro
público. São sintomas de um ensino
sólido, de uma extensão que tem
conseqüências sociais e de uma pesquisa
muitíssimo mais vigorosa que antes e
muito mais apta a gerar conhecimento novo, o
que certamente explica por que, desde há
alguns anos, as universidades estaduais paulistas
aparecem sistematicamente bem posicionadas nas
classificações internacionais.
Explica também porque, juntas, as três
instituições respondem por mais
de 50% da pesquisa acadêmica nacional
e porque seus cursos de graduação
e de pós-graduação situam-se,
na média, entre os melhores do país.
Mais que isso, ao longo desses anos as três
universidades assumiram tarefas que vão
além das suas obrigações,
mas se inserem no caráter público
de seus objetivos e foram viabilizadas pelo
processo de autonomia vigente. O exemplo mais
marcante está na área da saúde,
em que – tomando a peito a difícil
situação da saúde brasileira
– arcam com o desafio ciclópico
de gerir complexos hospitalares muito maiores
do que suas necessidades de infra-estrutura
para formar profissionais nos níveis
de graduação e pós-graduação.
Ao longo de dezoito anos de vigência da
autonomia plena, as Universidades Estaduais
Paulistas conviveram com sucessivos governos
e diferentes estruturas burocráticas
– da extinta Secretaria de Ciência
e Tecnologia, Desenvolvimento Econômico
e Turismo à atual Secretaria de Ensino
Superior –, mantendo íntegras suas
prerrogativas de administração
própria.
Autônomas em relação ao
caixa único da administração
direta – isto é, operando com contas
próprias, como afinal continua a acontecer
–, as universidades são fiscalizadas
pelo Tribunal de Contas do Estado, não
deixando, todavia, de manter informado o Siafem
(Sistema Integrado de Informações
Financeiras) estadual, mensalmente a partir
de 1997 e diariamente a partir de meados de
2007, proporcionando total visibilidade a seus
gastos e investimentos. Isto é importante
porque, com a vinculação de recursos
e a possibilidade de remanejá-los livremente,
nossas universidades passaram a fazer políticas
públicas muito mais pertinentes que antes,
de um lado por se acharem próximas das
demandas e necessidades sociais de suas regiões,
de outro por terem o poder de incluí-las
nos projetos definidos por seus planejamentos
estratégicos.
Graças a essa configuração
da autonomia e também ao fato de que
nossas universidades formulam seus próprios
programas didático-científicos,
as mudanças burocráticas do Estado,
normais de um governo para outro, não
têm o poder de interferir no princípio
constitucional da indissociabilidade entre ensino,
pesquisa e extensão, nem de alterar a
correlação de investimentos na
pesquisa básica ou aplicada, conforme
se especula. A indissociabilidade é intrínseca
à dinâmica de cada universidade
e o financiamento da pesquisa passa antes pela
relação direta das de nossas instituições
com as agências de fomento, prática
há muito estabelecida e consagrada, dependendo
muito mais da atuação dos grupos
de pesquisa e do incremento de políticas
internas que, remotamente, do redesenho do organograma
das secretarias de Estado.
A defesa da autonomia é legítima
e deve ser mesmo um esforço permanente.
Mas o esclarecimento público deve incluir
o fato de que as universidades seguem administrando
seus orçamentos, fazendo os remanejamentos
financeiros necessários, operando revisões
de contratos de serviços e realizando
as contratações de pessoal previstas
nos orçamentos aprovados em seus Conselhos
Universitários. Não se pode ignorar
que o contingenciamento de recursos foi suspenso
há dois meses e os recursos integralmente
repassados às universidades. E que o
Conselho de Reitores (Cruesp), depois dos percalços
iniciais, mantém sua prerrogativa de
negociar salários e definir políticas
de interesse comum das universidades.
Embora a autonomia financeira esteja especificada
em uma lei que se renova a cada ano, e apesar
dos temores despertados pelos movimentos iniciais
do novo governo, não há, neste
momento, condições objetivas nem
razões para acreditar na interrupção
do princípio constitucional em que se
baseia. Houve conversações e os
entendimentos chegaram a bom termo. Entre estes
inclui-se a discussão em torno da implantação
do projeto de Previdência do Estado, a
que o governo está obrigado pela reforma
constitucional de 2003 e em que o princípio
da autonomia das universidades estaduais foi
resguardado no projeto de lei a ser votado pela
Assembléia Legislativa, assegurando a
elas a prerrogativa de conceder as aposentadorias
e administrá-las, preservando-se assim,
aos que são detentores desse direito,
a garantia de paridade e integralidade dos vencimentos.
É importante ver que a autonomia, ao
mesmo tempo que libertou nossas instituições
de qualquer vinculação política,
oferecendo à sociedade, em contrapartida,
a plena responsabilidade administrativa, reforçou
seu compromisso social e a identificação
de seus programas de pesquisa e de serviços
com a missão primordial dessas instituições,
que é o ensino. A abundância de
bons resultados demonstra não só
a conveniência de mantê-la como
também de aprimorá-la, para que,
inclusive, continue servindo de modelo às
demais universidades brasileiras.
Campinas, maio de 2007
José Tadeu Jorge, Suely Vilela
e Marcos Macari são, respectivamente,
reitores da Unicamp, da USP e da Unesp