LUIZ
SUGIMOTO
Esperar
horas até a telefonista completar a ligação
interurbana ou o dia todo pela chamada internacional
é uma situação absurda
para os dias hoje. Mas era assim. O puxamento
na Unicamp da primeira fibra óptica brasileira,
em abril de 1977, simbolizou o sucesso de um
grande projeto para a modernização
das telecomunicações no país,
colocado em execução anos antes
numa parceria entre governo, universidade e
empresas nacionais.
Essa história, em seus primórdios,
registra propícias coincidências.
Na década de 1960, avançavam no
mundo as pesquisas em óptica e fotônica,
buscando-se uma tecnologia alternativa para
otimizar os sistemas de comunicação.
Até que em 1970, a fibra óptica,
que permitia a transmissão de dados por
sinais luminosos, seria eleita para substituir
os fios de cobre e as redes de microondas.
Durante o mesmo período, no Brasil, o
governo militar definia o setor de telecomunicações
como estratégico para a integração
e o desenvolvimento nacional, criando instrumentos
para modernizá-lo e controlá-lo.
Em 1965, criou a Embratel para realizar a conexão
entre as regiões do país e um
fundo destinando 30% do valor das contas telefônicas
para a política tecnológica e
industrial do setor.
Em 1966, Zeferino Vaz fundava a Unicamp, com
a clara opção pela pesquisa aplicada
como contribuição ao desenvolvimento
industrial. Para o Instituto de Física,
o reitor recrutou pesquisadores brasileiros
que atuavam em pesquisas de ponta no exterior,
como Rogério Cerqueira Leite nos Estados
Unidos.
Foi nos EUA, em 70, que os cientistas venceram
as duas barreiras para a utilização
da fibra óptica: a grande perda de luz
na transmissão e o excessivo calor que
os lasers geravam. Na empresa Corning, eles
conseguiram produzir a primeira fibra com perda
de luz suficientemente baixa para uso na comunicação.
E nos Laboratórios Bell, da AT&T,
chegaram a um laser que podia ser operado em
temperatura ambiente.
No grupo que chegou ao laser estava o pós-doutorando
José Ellis Ripper Filho, que em 1971
seria convidado por Zeferino para estruturar
o primeiro Departamento de Física Aplicada
do Brasil. No mesmo ano, juntamente com o indiano
Navin Patel, formou o grupo de pesquisa de lasers
e semicondutores.
Telebrás
– Em novembro de 1972, o governo
criou a Telebrás, com atribuições
de planejar, implantar e operar o sistema nacional
de comunicações. O órgão
assumiu o controle da Embratel e das operadoras
estaduais, num monopólio que permitiu
a padronização da tecnologia para
a comunicação entre cidades e
estados.
A Telebrás planejava abrir um centro
de desenvolvimento de tecnologia em telecomunicações,
que depois se consolidaria na sigla CPqD. Ao
saber da presença de pesquisadores na
Unicamp, a holding optou por investir em grupos
acadêmicos para a formação
de profissionais capacitados, antes de construir
um centro próprio.
Foram assinados os três primeiros contratos
com universidades. Um deles com a PUC do Rio
de Janeiro, financiando um projeto de antenas.
E dois com a Unicamp: para o Projeto de Transmissão
Digital, coordenado pelo professor Rege Sacarabucci,
da Faculdade de Engenharia Elétrica de
Computação (FEEC); e para o Sistema
de Comunicação por Laser, coordenado
por José Ripper.
Vindo da Universidade do Sul da Califórnia,
o professor Sérgio Porto foi quem teve
a idéia de propor à Telebrás
um projeto de fibra óptica. Com outro
contrato, em 1974, a Unicamp ocupou-se dos dois
componentes fundamentais das comunicações
ópticas, o laser e a fibra.
No grupo inicial formado por Sérgio Porto
estavam o americano James Moore, o indiano Ramakant
Srivastava, o holandês Eric Bochove e
José Mauro Leal Costa, o primeiro brasileiro
a ver uma fibra óptica, durante seu doutorado
em fabricação de vidros de alta
pureza na Universidade Católica da América.
Objetivo
claro – O Grupo de Fibras Ópticas
nasceu com o claro objetivo de desenvolver a
tecnologia de fabricação da fibra
e depois transferi-la para a indústria
nacional. Instalou-se no prédio do Departamento
de Eletrônica Quântica no início
de 1976 e, no final do ano, já tinha
três laboratórios montados.
O grupo enfrentou inúmeras dificuldades,
principalmente a burocracia na importação
de equipamentos, chegando a construir no próprio
instituto aqueles mais difíceis de adquirir.
Comprava-se, por exemplo, motor de limpador
de pára-brisas para fazer dele um motor
de corrente contínua.
O contrato com a Telebrás previa também
o desenvolvimento de uma máquina de puxamento
de fibra óptica. A primeira fibra brasileira
foi puxada numa torre de dois metros de altura,
em abril de 1977.
A transferência –
Quando o governo decidiu implantar efetivamente
o CPqD, em 1976, mais uma vez funcionou a capacidade
persuasiva de Zeferino Vaz, que convenceu o
presidente da Telebrás a construir o
centro em Campinas. O CPqD funcionou provisoriamente
em outros pontos da cidade, até ser erguido
o prédio atual próximo à
Unicamp.
A transferência de tecnologia, de pessoal
e de equipamentos para o CPqD começou
já depois do puxamento da fibra, seguindo
o outro passo projeto: o desenvolvimento da
tecnologia de fabricação que seria
oferecida à indústria. O Grupo
de Fibras Ópticas se dividiu, com Leal
Costa passando a liderar a equipe no CPqD.
Na Unicamp, o professor Ramakant Srivastava
assumiu a coordenação das pesquisas
de ponta e da formação técnica
e científica de pessoal. Um novo contrato
da Universidade com a Telebrás, no valor
de US$ 1 milhão, envolvia agora um sistema
de comunicações ópticas.
Num barracão perto da rodovia D. Pedro
I, o grupo do CPqD montou um sistema de puxamento
de fibra usando uma fonte de calor acima dos
2.000ºC. E ali desenvolveu uma fibra óptica
específica para um equipamento de conversão
de corrente elétrica na usina de Itaipu,
a pedido da X-Tal, estatal fabricante de osciladores
de quartzo.
A “fibra de Itaipu” acabou rejeitada
pela multinacional sueca que implantou o equipamento
da hidrelétrica, mas propiciou a primeira
experiência de transferência tecnológica
do CPqD para a indústria, já que
a própria X-Tal acabou montando uma unidade
que serviu como semente na produção
de fibras ópticas para telecomunicações.
Os pesquisadores do CPqD dedicaram o ano de
1981 a uma fibra para as comunicações
e de um cabo óptico para protegê-la,
cuidando de detalhes como a tecnologia para
ligar uma fibra a outra sem prejudicar a transmissão.
Ao mesmo tempo projetava-se um terminal de linha
óptica para interligar centrais telefônicas
em centros metropolitanos.
Em 1982, duas Kombis lotadas de fibras, equipamentos
e de pesquisadores chegaram a Jacarepaguá,
no Rio de Janeiro, onde foi implantado o primeiro
enlace de comunicações ópticas
(ECO-I) de rua no Brasil, por 4 km até
Cidade de Deus. Era hora de passar para outra
fase da história, a transferência
da tecnologia ao setor privado.
A industrialização
– A tecnologia dos equipamentos
foi transferida para as empresas Elebra, NEC
e GTE. No caso da fibra óptica, havia
seis concorrentes. O Grupo ABC, que havia comprado
a X-Tal, venceu a peleja e assegurou reserva
de mercado por cinco anos.
Estabelecida em Campinas, a ABC X-Tal contratou
pessoal do Grupo de Fibras Ópticas da
Unicamp e do CPqD, assinando contrato de US$
6 milhões com a Telebrás para
produzir 2.000 km de fibra óptica em
12 meses. O primeiro lote de 500 km foi entregue
em agosto de 1984.
No mesmo ano, entrava em funcionamento o primeiro
sistema não-experimental de comunicações
ópticas produzido integralmente no Brasil,
ligando duas estações telefônicas
de Uberlândia. Em 1985, a Telesp instalava
seus primeiros 1,4 km de fibra óptica
na cidade de São Paulo.
A partir dos anos 90, a Unicamp passou a realizar
pesquisas em altas taxas e longas distâncias.
Nenhum integrante da equipe de 1975 permaneceu
na Universidade. Em 1996, o CPqD deixou as atividades
de pesquisa e desenvolvimento de tecnologia
de dispositivos e materiais.
ABC X-Tal, Bracel, Avibrás, Pirelli e
Sid fabricavam a maior parte dos 400.000 km/ano
de fibras no país, para uma demanda de
1.000.000 km/ano. Somente em Campinas surgiram
seis empresas “filhas” do projeto
nacional – Padtec, Fotônica, AsGa,
Optolink, Fiberwork e KomLux –, a maioria
tendo à frente antigos pesquisadores.
A história da fibra óptica brasileira
é contada com maior riqueza de detalhes
no livreto que embasou esta reportagem e que
será distribuído ao público,
elaborado por Verónica Savignano, com
a colaboração de Ludmila Maia
e a revisão de Eliane Valente e Simone
Telles.
Continua
na página 7