A
Unicamp assina no dia 28 de maio contrato de
licenciamento de tecnologia com a Incrementha
PD&I (Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação).
Pelo acordo, cuja duração coincide
com o período de validade da patente
(20 anos), a empresa da área farmacêutica
terá direito de explorar comercialmente,
com exclusividade, um colírio produzido
à base de insulina. É a primeira
parceria do gênero firmada entre a Unicamp
e uma corporação privada no contexto
da nova Lei de Inovação. O medicamento
foi desenvolvido pelo oftalmologista Eduardo
Melani Rocha, sob a orientação
do professor Lício Velloso, da Faculdade
de Ciências Médicas (FCM) da Universidade.
O remédio deve ser indicado para o tratamento
de lesões oculares e também da
síndrome do olho seco. Caso as pesquisas
finais apresentem resultados positivos, a expectativa
é que o produto chegue ao mercado num
prazo máximo de cinco anos. A empresa
pagará royalties de 4% à Unicamp,
até o limite de R$ 15 milhões
de faturamento ao ano. Acima desse valor, o
índice cairá para 2%.
“Remédio
é indicado para síndrome do olho
seco"
O depósito da patente do colírio
foi protocolado pela Unicamp em 2004. As pesquisas
em torno do medicamento começaram a ser
desenvolvidas quatro anos antes, quando Eduardo
Rocha fazia o curso de doutorado na Unicamp.
Atualmente, ele é docente do Departamento
de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia
de Cabeça e Pescoço da Faculdade
de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP),
vinculada à Universidade de São
Paulo (USP). Conforme Lício Velloso,
embora a insulina tenha largo uso terapêutico,
como no tratamento do diabetes, até o
início dos estudos de seu ex-orientado
a Medicina tinha poucas informações
sobre os possíveis efeitos desse hormônio
no olho humano. Entretanto, o que se sabia sobre
a substância já fornecia pistas
importantes para esclarecer essa questão.
Eduardo
Rocha conta que a ação dos hormônios
nos tecidos oculares sempre esteve entre os
temas de suas pesquisas. Daí o natural
interesse pela insulina. A substância,
explica ele, promove a regulação
de alguns fenômenos metabólicos,
cumprindo também um importante papel
na nutrição das células.
Restava saber, porém, se ela estava presente
nos tecidos oculares e que função
desempenharia em relação a eles.
Para responder a essas perguntas, o pesquisador
recorreu ao Departamento de Fisiologia e Biofísica
do Instituto de Biologia (IB) da própria
Unicamp. Lá, os cientistas desenvolveram
métodos para isolar os tecidos oculares,
com o objetivo de verificar como o hormônio
chegava até eles.
Caso a insulina fosse identificada, seria uma
evidência de que fora transportada pelas
lágrimas. “De fato, nós
localizamos nos tecidos oculares receptores
específicos para o hormônio, o
que indicava a sua ação no local”,
afirma Eduardo Rocha. A partir desse dado, o
pesquisador considerou que a substância
poderia passar a integrar a composição
de um colírio, que seria destinado ao
tratamento de pessoas que apresentassem lesões
oculares ou deficiência de lágrima.
A proposta era que o remédio estimulasse
tanto a cicatrização quanto a
produção de fluido lacrimal por
parte dos tecidos oculares. Nos ensaios realizados
com modelos animais, a administração
da insulina apresentou bons resultados.
Ocorre, porém, que os olhos dos animais
são muito diferentes dos olhos humanos.
Normalmente, são mais resistentes. A
partir da assinatura do contrato de licenciamento
com a Incrementha PD&I, novos estudos serão
realizados, dessa vez com o medicamento propriamente
dito. Estes prevêem testes clínicos
em humanos. Nesse caso, o protocolo de pesquisa
é bastante rigoroso, de modo a salvaguardar
a saúde dos voluntários e a garantir
a segurança e a eficácia do medicamento.
“Nosso desafio é chegar a uma formulação
que seja ótima”, destacou Lício
Velloso. O docente da FCM afirma que existe
a hipótese, ainda, de as pesquisas apontarem
para a necessidade da definição
de formulações diferentes do colírio,
cada uma indicada para um tipo específico
de enfermidade.
As
investigações que serão
realizadas com a participação
da Incrementa PD&I, prossegue Lício
Velloso, deverão cumprir quatro etapas.
Numa delas, o medicamento será avaliado
em indivíduos sadios, para checar o seu
possível efeito tóxico. Noutra,
o colírio será usado por um grupo
reduzido de pessoas que apresentam doenças
oculares. O objetivo é verificar se ele
produz efeito positivo em pacientes selecionados.
Em seguida, o mesmo teste será expandido
para grupos maiores de voluntários, inclusive
com a participação de outras universidades
e institutos de pesquisa. Nesse caso, a finalidade
é conferir se os resultados se repetem
ou não de forma homogênea. A última
fase compreende a preparação do
produto para ser finalmente colocado no mercado.
“Se tudo correr dentro do esperado, acredito
que em cinco anos o colírio já
estará sendo vendido comercialmente”,
estima Eduardo Rocha.
Olho seco - Uma das possíveis
aplicações do colírio desenvolvimento
pelos pesquisadores da Unicamp, como já
foi dito, é no tratamento da síndrome
do olho seco. O problema atinge entre 2% e 15%
da população, variando conforme
as condições ambientais e a presença
de doenças sistêmicas, como o reumatismo.
Eduardo Rocha e Lício Velloso lembram
que, além de incomodar, a deficiência
de lágrima pode ocasionar outras complicações.
O líquido é responsável,
por exemplo, pelo transporte de células
que atuam na defesa dos olhos contra as agressões
do ambiente. “Além disso, se a
lubrificação do olho não
for adequada, o contínuo atrito entre
os tecidos oculares pode ocasionar lesões
importantes”, assinala Lício Velloso.
“O olho seco severo pode levar até
mesmo à perda da visão”,
acrescenta Eduardo Rocha. De acordo com ambos,
o licenciamento do medicamento só foi
possível graças ao trabalho da
Agência de Inovação da Unicamp
(Inova Unicamp), que fez a ponte entre a Universidade
e o segmento produtivo.
Inrementha surgiu de parceria
de laboratório
A Incrementha PD&I (Pesquisa, Desenvolvimento
e Inovação) foi constituída
em 2006 a partir da parceria entre dois grandes
laboratórios brasileiros: Biolab Sanus
Farmacêutica Ltda. e Eurofarma Laboratórios
Ltda. Trata-se de uma empresa independente,
voltada ao desenvolvimento de novos produtos
e plataformas tecnológicas na área
farmacêutica. Seus laboratórios
estão abrigados no Centro Incubador de
Empresas Tecnológicas (Cietec), localizado
na Universidade de São Paulo (USP).
Dois tipos de inovação interessam
diretamente à Incrementha PD&I: a
incremental, que consiste no aperfeiçoamento
de uma droga já conhecida, e a radical,
que implica na criação de novas
moléculas. Tanto Biolab quanto Eurofarma
investem juntos cerca de 8% de seu faturamento
em pesquisas e desenvolvimentos, percentual
que está dentro dos padrões internacionais,
que variam de 6% a 20%. Somados, os dois laboratórios
respondem por aproximadamente 6% do mercado
nacional, com faturamento na casa de R$ 1,3
bilhão ao ano. Com as atividades da Incrementha
PD&I, a expectativa é ampliar essa
fatia para 8% do mercado nos próximos
cinco anos.
Em abril último, a Incrementha PD&I
anunciou o lançamento do primeiro nanofármaco
desenvolvido no Brasil. O produto, uma pomada
anestésica de uso tópico, tem
como objetivo substituir anestesias injetáveis
quando da execução de pequenas
cirurgias na pele. A expectativa é que
o anestésico passe a ser vendido comercialmente
em 2008. O medicamento, desenvolvido com o suporte
da nanotecnologia, foi concebido em conjunto
com a Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (UFRGS), por meio de uma parceria que contou
com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq),
órgão do Ministério da
Ciência e Tecnologia (MCT).
Sem similares no mundo, de acordo com informações
da empresa, o anestésico apresenta como
benefícios a diminuição
da dose recomendada, maior rapidez de ação
e aumento e prolongamento dos efeitos terapêuticos.
O produto, completa a Incrementha, já
teve a patente depositada e tem seus testes
desenvolvidos de acordo com os padrões
das principais entidades regulatórias
mundiais do setor, a saber: Agência Nacional
de Vigilância Sanitária (Anvisa),
European Medicines Agency (Emea) e Food and
Drug Administration (FDA).