RAQUEL DO CARMO SANTOS
Pelo menos cinco mil pessoas foram desalojadas de suas casas para a construção da usina hidrelétrica de Irapé, localizada no rio Jequitinhonha, Minas Gerais. O grupo, composto em sua maioria por agricultores, enfrentou sérias dificuldades, entre as quais a falta de abastecimento de água. Já a Pequena Central Hidrelétrica (PCH) Mosquitão, no rio Caiapó, bacia do Araguaia uma das mais piscosas do mundo , foi construída num local onde a variedade e quantidade de peixes atraem muitos turistas e pescadores. Além do problema ambiental, a obra causou prejuízo econômico que gerou impactos em toda o entorno do empreendimento.
Falta de transparência
é um dos problemas
Distante da realidade brasileira, mas nem por isso menos problemática, a usina hidrelétrica binacional (Argentina e Paraguai) de Yacyretá, cuja obra teve um processo que se arrastou por 20 anos, provocando o reassentamento de mais de 50 mil pessoas, entre indígenas, pescadores e agricultores. Estes são apenas alguns dos exemplos listados pela economista Maria Fernanda Pinheiro na pesquisa que fez sobre os problemas sociais e institucionais causados por hidrelétricas no Brasil e no exterior.
“O sistema possui entraves e questões complexas que não são tratados de forma adequada. As negociações não são transparentes e o ônus recai, na maioria das vezes, sobre os desapropriados. Ademais, a maior parte dos processos ainda possui pendências a serem resolvidas”, explica a economista, que apresentou dissertação de mestrado na Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM).
Por meio de relatórios e documentos do Ministério Público, análise de notícias veiculadas na internet e pesquisa de campo, Maria Fernanda estudou o impacto social da construção de sete hidrelétricas brasileiras e 12 internacionais, de diversos países, inclusive de uma das obras mais polêmicas e conflituosas, a de Três Gargantas, localizada na China. Trata-se do maior projeto de hidrelétrica do mundo. Sua construção está atingindo, direta ou indiretamente, mais de um bilhão de pessoas, entre reassentados e desalojados.
O mecanismo para implantação de uma hidrelétrica é relativamente complexo. No Brasil, empresas especializadas desenvolvem tanto Estudos de Impacto Ambiental (EIA) como Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) a pedido do empreendedor, para posterior leilão. Os procedimentos são necessários para a obtenção da licença prévia. “Existem muitos interesses, tanto de empreendedores como do poder público. Em vários casos, grupos internacionais estão envolvidos. As questões, invariavelmente, aparecem de uma maneira conflituosa. Falta diálogo para sanar os problemas”, afirma Maria Fernanda.
O estudo, orientado pelo professor Arsênio Oswaldo Sevá Filho, aponta também o aumento do custo econômico para a construção de hidrelétricas. Segundo Maria Fernanda, os eixos viáveis para implantação de projetos estão ficando cada vez mais distantes dos centros consumidores, o que dificulta e encarece a estrutura de construção. “Um exemplo é o caso das obras Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira, e Belo Monte, no rio Xingu, sendo que esta última envolve ainda outras questões como desapropriação indígena”, explica.
Na avaliação da economista, conquistas foram obtidas nos últimos anos. Atualmente, para a implantação de uma hidrelétrica, o projeto obrigatoriamente passa por avaliações rigorosas, seja por meio dos Estudos de Impacto Ambiental ou de audiências públicas, seja pela atuação do Painel de Inspeção do Banco Mundial no que diz respeito às manifestações dos atingidos. Dessa forma, as hidrelétricas enfrentam mais resistências e, além disso, está havendo escassez de locais para a construção de barragens, já que os eixos mais próximos dos centros consumidores estão se tornando economicamente inviáveis para a construção de hidrelétricas.