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O caçador de inéditos

ÁLVARO KASSAB

Fotos: Antoninho Perri/DivulgaçãoO professor Alejandro Canseco-Jerez Bravo (foto) define-se como um pesquisador profissional. Suas investigações são desenvolvidas em museus, bibliotecas, fundações e arquivos. Essas pesquisas fornecem o substrato das teorias e reflexões que alimentam seus livros e os cursos dados na Universidade Paul Verlaine – Metz, na França, onde leciona. “Alguns arquivos são verdadeiros bunkers”, compara.

O resultado dessa dedicação é uma vasta e variada bibliografia por meio da qual Canseco-Jerez não apenas torna pública uma série de documentos como também lança luz sobre a arte latino-americana – e suas ligações com a França –, recontando sua história e imbricações sob a chancela do ineditismo. O pesquisador prepara duas novas obras, nas quais abordará as ligações de Rodin com a América Latina, e o universo da mecenas Eugenia Huici de Errázuriz.

Radicado na França há 33 anos, Canseco-Jerez nasceu na cidade chilena de Temuco, terra natal do poeta Pablo Neruda, cuja trajetória é reconstituída pelo docente no livro Pablo Neruda en noir et blanc [Images d’une vie et d’une d’une œuvre]. O professor está na Unicamp para uma série de oito conferências, a convite do Instituto de Artes. Na entrevista que segue, Canseco-Jerez fala sobre o seu trabalho e analisa o legado francês no âmbito da arte latino-americana.

Carta inédita de Neruda a Picasso: diálogo intenso

Jornal da Unicamp – Qual o eixo teórico das conferências do senhor na Unicamp?

Alejandro Canseco-Jerez Bravo – A série de conferências, intitulada Os Encontros, aborda, em linhas gerais, o diálogo existente entre as artes e a literatura e, também, entre a França e a América Latina. Eu procuro mostrar como o encontro entre os criadores pode facilitar e desenvolver uma obra ou uma corrente artística. Falo, por exemplo, do encontro de Vicente Huidobro com Robert Delaunay, de [Auguste] Rodin com os latino-americanos, de Neruda com Picasso e analiso, da mesma forma, os contatos mantidos pelo escritor chileno com Jorge Amado, Vinicius de Moraes e Burle Marx, entre outros. Demonstro como esses encontros resultaram, em um determinado momento histórico, na gênese de outras obras. Esse é o ponto de partida.

Analiso também o fenômeno do mecenato, mostrando como a relação entre o gosto e o dinheiro é um motor muito importante na evolução das artes em geral. Tudo isso sob a perspectiva das relações entre a França e o movimento artístico-literário latino-americano.

JU – Quais são, na sua opinião, a raízes que fizeram florescer essa aproximação entre a França e a América Latina?

Canseco-Jerez – Trata-se de um assunto muito complexo. No século XIX, mais precisamente a partir do final do século XVIII, toda a América Latina queria romper os laços com os conquistadores. Tanto no caso do Brasil, com Portugal, como no restante da América Latina, com a Espanha. Esses países foram em busca de modelos de independência de que precisavam naquele momento. A França foi a escolha. Numa análise muito objetiva, constatamos que a Revolução Francesa inspirou a independência latino-americana. O caminho, portanto, estava pavimentado.

Ademais, Paris tinha todas as características culturais, históricas e econômicas para fazer da França um modelo. As repúblicas novas precisavam desse espelho. É importante lembrar que todas as nações latino-americanas fecharam as portas para a Espanha. Sarmiento, por exemplo, queria que a América falasse outra língua. Em sua opinião, a América Latina não podia continuar falando o idioma do conquistador. A utopia predominava na época. Foi isso que aproximou a América Latina do modelo francês.

JU – De que maneira essa aproximação refletiu-se nas artes em geral?

Canseco-Jerez – Podemos começar pela escultura e arquitetura. No último caso, por exemplo, o neo-classicismo francês predominou nos países latino-americanos. No campo da escultura, [Auguste] Rodin fez as esculturas de muitos dos próceres da independência de nações latino-americanas. Estabeleceu-se uma ligação muito forte, tanto que o francês passou a ser a língua mais falada na América Latina. Toda a imprensa difundia as idéias científicas e culturais vindas da França. Ademais, toda a burguesia era francófila.

Com o advento das vanguardas, o caminho já estava traçado. O chileno Vicente Huidobro, por exemplo, foi um percussor, mas não foi o único – havia todo um movimento continental, não foi um fenômeno localizado e não havia centralidade. A vanguarda foi um fenômeno mundial, que surgiu a partir das premissas do romantismo alemão. Havia, na América Latina, uma inquietude na busca de novas fronteiras.

JU – A que o senhor atribui a pulverização dessa influência francesa nas últimas décadas?

Canseco-Jerez – A partir da Segunda Guerra, o mundo passou a ser outro. A França e a Europa deixaram de ser um modelo para a América Latina. A última grande escola com penetração na América Latina foi o surrealismo, cujos contornos finais deram-se por volta de 1945. Pode ser uma afirmação um pouco arbitrária, mas é certo que, a partir daí, a influência francesa entra em declínio, assim como a difusão da língua, que era o principal vetor de transmissão. Hoje, por exemplo, o francês já não é uma língua ensinada na escola. Isso ocorreu até os anos 1960, meados dos anos 70, em alguns países. A constituição da União Européia mudou as prioridades. Os países europeus estão mais voltados para a África, Ásia e Europa Oriental.

JU – Quais são, na sua opinião, as diferenças entre a influência francesa e a norte-americana, que hoje é predominante?

Canseco-Jerez – Não somente o Estados Unidos exercem influência. Predomina hoje um pensamento anglo-saxão, que irrompeu não apenas no campo das idéias, mas também no modo de vida. A arquitetura, por exemplo, sofreu mudanças profundas a partir dos anos 1940. O modelo norte-americano é adotado em todos os países latino-americanos. Para qualquer lugar que você vá – México, Chile, América Central, Brasil etc – vê-se a mesma coisa. No século XIX, você reconhecia a Europa na arquitetura. Os parâmetros da vida hoje são outros. O modelo estrutural mudou completamente.

JU – O senhor poderia exemplificar?

Canseco-Jerez – Darei um exemplo um pouco caricatural, mas que expressa essa transformação. No passado, os embaixadores latino-americanos na Europa eram muito cultos. Eles falavam vários idiomas. Eles se chamavam: Faustino Sarmiento, Rubén Darío, Carlos Fuentes, Octavio Paz, Miguel Angel Asturias, Pablo Neruda, Vinicius de Moraes, Alfonso Reyes, Alejo Carpentier...Hoje, de uma maneira geral, os diplomatas têm pouca cultura, falam poucas línguas. As relações culturais não estão entre suas prioridades. A cultura foi trocada pela economia, que manda no mundo. Os acordos bilaterais e estratégicos são muito mais importantes.

JU – Em que medida esses novos parâmetros mudaram o panorama das artes em geral, em particular no campo das manifestações de vanguarda?

Canseco-Jerez – A presença francesa ainda existe, mas de outra maneira. Os vínculos são mais discretos, embora continue achando, sobretudo quando viajo, que a presença da cultura francesa continue sendo muito importante no mundo da criação e no campo da literatura. Ocorre que não há mais os vínculos com as vanguardas. O espaço público não permite mais essa ligação. As políticas culturais na América Latina são diferentes.

JU – Onde reside a diferença?

Canseco-Jerez – Os espaços são mais confinados. Pesquisei muito sobre o tema, e a minha conclusão é de que o vínculo já não é o mesmo, embora eu tenha muitos colegas que se formaram na França, como é o caso do Brasil, por exemplo. Desconfio, até, que, no meu círculo, existam mais acadêmicos formados na França do que nos Estados Unidos. A influência, repito, está viva.

Ela pode ser notada, por exemplo, no pensamento social e filosófico. Guarda ainda muita importância, com [Michel] Focault, [Jacques] Derrida e [Gilles] Deleuze, entre outros.

JU – O senhor acredita que houve um empobrecimento das artes?

Canseco-Jerez – Creio que é prematuro afirmar isso. Os intermediários da cultura mudaram muito. Estamos falando de uma época em que a cultura era muito elitista. Eram poucos aqueles que, há meio século, tinham condições de ir à Europa. Ou o sujeito tinha dinheiro ou era um aventureiro.

Hoje, com os novos meios de comunicação, todo mundo está na Europa virtualmente. É muito difícil dizer que hoje tem menos influência do que há 50 anos. O acesso à cultura mundial é hoje muito mais fácil. Você passeia no Louvre por meio da Internet, por exemplo. Como se trata de um fenômeno muito recente, não existe ainda um método que avalie o impacto disso na criação. É uma pergunta muito interessante, mas de difícil resposta.

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