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16 Tânia Alkmin Instrumento inseparável da atuação comercial, religiosa e política de Portugal, a língua portuguesa se fez presente na vida de numerosos povos de regiões da África, da Ásia e da América. Ao longo do período que consolidou o império colonial português, juntamente com a religião católica assumiu função simbólica exemplar. Sobreposto a realidades lingüísticas ( e culturais ) diversificadas, o português passou a representar o papel de traço comum e aglutinador, veículo de uma cultura a ser compartilhada a cultura portuguesa. Historicamente, o que pode ser verificado é que a língua portuguesa com exceção do Brasil funcionou sempre como uma língua institucional e seu uso se manteve restrito aos círculos da administração ( governo, escola, por exemplo ). Como falar hoje, então, de um mundo da língua portuguesa? Portugal, Brasil, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique e Timor Lorosae constituem, efetivamente, uma comunidade de países de língua portuguesa? Cabe perguntar o que preside este conceito de comunidade. Será algo diferente do espírito que animou a experiência do Ultramar? No passado como no presente, é sublinhada a existência de um grande conjunto de povos unidos pela cultura portuguesa, cujo emblema maior é a língua. Vemos, assim, se manter a idéia que atravessou séculos, de uma língua a unir realidades diversas, a grande herança do passado a ser preservada. E por mais que se vasculhe o passado e o presente, salta aos olhos o estatuto minoritário e de língua superposta às realidades lingüísticas locais. Sempre foi a língua dos espaços urbanos, das instituições, da instrução, da produção cultural, do contato com o mundo exterior. No Brasil, a vitória da língua portuguesa resultou de um processo de colonização evidentemente distinto daquele praticado na África e na Ásia. A cada região correspondeu um tipo de aposta econômica: fornecimento e comercialização de mão-de-obra escrava, controle de produtos e de rotas comerciais, produção de matéria-prima para o mercado internacional, entre outras. A supremacia do português no Brasil não pode apagar, no entanto, a existência de outras línguas: as indígenas, as rituais africanas, as européias e as orientais, que participam da vida nacional. A comunidade de países de língua portuguesa, que o século XX nos propõe, se assenta no princípio de uma homogeneidade inexistente, e que carrega a marca de uma profunda cisão. A posição da língua portuguesa estabelece dois grandes blocos: de um lado o Brasil e Portugal e, de outro, todos os demais integrantes da comunidade. E a relação entre esses dois blocos é de natureza assimétrica. Se há e houve querelas entre padrões lingüísticos brasileiros e portugueses, estas não produzem e não produziram conseqüências maiores na vida de seus cidadãos. Mas como encarar com seriedade e respeito a constituição de normas lingüísticas nacionais em Angola e em Moçambique, por exemplo? Fazemos de conta que não existem? Que são particularismos secundários? A assimetria instalada, e sem solução de compromisso, é fabricada pela manutenção de uma velha crença: a crença de que a união desejável se constrói pela homogeneidade. Pensar que a língua é o único mecanismo de coesão é querer repetir o passado, sem as lições. O desaparecimento do domínio político sempre produziu a decadência, o declínio e a morte da língua portuguesa. A herança da língua e da cultura não pode representar apenas o passado, transformando-se em nostalgia das gerações que com este conviveram. Somos uma grande comunidade, ligada por um passado comum mas profundamente marcada por diferenças. E estas diferenças são a nossa grande riqueza, que, afinal, conhecemos tão pouco, porque não circulam e não nos representam diante de nós mesmos. A língua portuguesa faz parte do patrimônio cultural dos países que um dia foram colônias portuguesas. Assim como fazem parte também as línguas indígenas, africanas, asiáticas e crioulas. O quadro das relações entre os países da chamada comunidade de língua portuguesa deve incorporar e explorar as diferenças lingüísticas e culturais. Só assumindo a diversidade de que somos constituídos será possível conviver harmônica e realisticamente com a nossa história. Reafirmar as diferenças é garantir uma relação baseada no respeito à integralidade de cada um dos países. Tânia Alkmin é professora do Departamento de Lingüística do IEL. |
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