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Artigo

Para entender e esclarecer, deve-se recuperar a história

IVAN SEIXAS*

Os desaparecidos políticos são fantasmas que voltam sempre. Querem lembrar que não podem ser esquecidos. Assombram apenas os que não têm compromisso com a verdade e com o passado de nosso país. Os torturadores vivem incomodados com a lembrança de seus crimes, os mandantes odeiam o dedo acusador dos familiares e os omissos não suportam a certeza íntima de que não levantaram a voz contra a ignominiosa calamidade em que o país se meteu com a Ditadura Militar. Nos dias de hoje só assustam àqueles que não cumprem sua obrigação cívica de cobrar os crimes do passado daqueles outros.

A sociedade brasileira não tem culpa pelas atrocidades cometidas contra sua vontade. Mas os que detêm cargos de responsabilidaade não têm o direito de se eximir de suas responsabilidades. Isso é omissão. E tão culposa quanto à daqueles que sabiam dos crimes e não levantaram sua voz no passado.

Do que a Unicamp tem medo? Ou melhor, do que a Reitoria da Unicamp tem medo? Ou melhor ainda, do que a atual Reitoria tem medo?

Para entender e esclarecer, deve-se recuperar a História. Mais do que o lema de nossa Comissão de Familiares de Desaparecidos Políticos, essa frase é fundamental para entender e explicar as perguntas feitas.

As ossadas encontradas no Cemitério de Perus (onde foi localizado um cemitério clandestino dentro de outro legal) foram trazidas para a Unicamp pela fama de isenção de seu Departamento de Medicina Legal e seu Diretor da época, Nelson Massini. Muito mais pelo Departamento, é bem verdade. O IML de São Paulo tinha em sua direção médicos legistas comprometidos com laudos falsos, que acobertavam as torturas e, assim, incentivavam sua continuação. Seu diretor, Antônio Melo, assinou o laudo cadavérico do operário Manuel Fiel Filho, morto sob torturas no DOI-Codi/São Paulo. Outros iguais a ele andavam pelos corredores impunemente.

Os presos políticos, mortos pela segunda vez nos laudos falsos daqueles médicos farsantes, não poderiam voltar à suas mãos outra vez. A Comissão de Familiares travou várias lutas contra aquele grupo do IML. Numa das vezes, invadimos a sala do Diretor e flagramos, com a presença e ajuda da imprensa e de advogados, uma reunião que tramava a destruição dos arquivos de documentos. Desarticulada a trama, lacramos a sala com os documentos e garantimos a sua análise por uma comissão de familiares e advogados.

Definitivamente, as ossadas de Perus não poderiam ir para lá.

Depois de muita discussão com o governo do Estado, conseguimos que o Governador Orestes Quercia articulasse a criação de um convênio com o governo municipal de São Paulo e com a Unicamp. A vontade política de Luiza Erundina, junto com a vontade política do Governador, trouxe as Ossadas de Perus para o Departamento de Medicina Legal da Universidade. Essa vontade política levou à descoberta de desaparecidos entre as Ossadas, mesmo com Fortunato Badan Palhares assumindo o comando do Departamento. A passagem do governo do Estado para as mãos de Luis Antônio Fleury não mudou nada, enquanto Luiza Erundina foi prefeita de São Paulo. Depois é outra história.

Com a saída de Luiza Erundina e a entrada de nosso velho inimigo Maluf no comando da administração da cidade, as Ossadas foram deixadas de lado. Ninguém cobrava a continuidade dos trabalhos. O governo do Estado não cobrava, o governo da capital também não cobrava. E a outra parte do convênio, a Unicamp? Também não cobrou nada de Badan Palhares. Aí voltamos às perguntas iniciais: Do que a Unicamp tem medo? Ou melhor, do que a Reitoria da Unicamp tem medo? Ou melhor ainda, do que a atual Reitoria tem medo?

Sua comunidade, professores, alunos e funcionários, não devem ter medo de nada. E a sua direção? Mudou várias vezes desde que os familiares aqui depositaram suas esperanças, mas nada aconteceu. Badan Palhares, o Fortunato legista, nunca foi cobrado. Ao contrário, sempre pareceu o rabo abanando o cachorro, pois ditava os caminhos para as sucessivas direções da Universidade.

Nós, da Comissão de Familiares nunca atacamos a Universidade. Pelo contrário, sempre a defendemos e sempre distinguimos Unicamp de Palhares. Por causa disso, não entendemos os ataques do representante da Universidade contra nós, ao mesmo tempo em que deixa de lado o Fortunato legista. Azarado somos nós, por não termos defensores tão eficientes quanto a Unicamp.

É um absurdo vermos um caso técnico (a identificação das Ossadas de Perus) transformado numa guerra tão destrutiva. O que poderia ser resolvido apenas com a vontade política e a conseqüente cobrança ao Departamento de Medicina Legal, deu lugar à opção de acabar como Departamento. Estranho raciocínio. Quando as Ossadas deixarem as dependências da Universidade, é possível que o prédio do Departamento seja implodido para não deixar lembrança de "tempos tão difíceis". A continuar nessa linha, os familiares de desaparecidos deveriam ser presos para que não cobrem o passado "desagradável".

Agora o Ministério Público Federal de São Paulo assumiu o caso e está colocando as coisas nos eixos. Descobriu descalabros fantásticos e demonstrações claras de má vontade para com as Ossadas de Perus do Fortunato legista e várias outras pessoas e instâncias. A Lei paira agora sobre as cabeças de todos. Palhares e sua equipe, as várias gestões da Reitoria da Unicamp, dos governos municipal e estadual, polícia e até a atual equipe de legistas do IML de São Paulo depurado têm sobre suas cabeças a Lei. Era preciso chegar a tal ponto? Claro que não!

Para entender e esclarecer o presente, deve-se recuperar a História.

*Ivan Seixas (foto acima) é da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos e filho de Joaquim Alencar de Seixas, militante do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT) morto em 17/04/1971.

 


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