Histórias que estão no gibi
Alunos da Unicamp recorrem a revistas
da Biblioteca Central para dar uma pausa nos estudos
MANUEL
ALVES FILHO
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Aparecido Donisete Alves, estagiário de
biblioteconomia: organizando um acervo de 9 mil
revistas de histórias em quadrinhos |
Informação extracurricular
aos calouros que chegam à Unicamp dispostos
a mergulhar nos livros: quando o ritmo aperta, como
em época de provas, muitos veteranos refugiam-se
no terceiro piso da Biblioteca Central (BC), mas sem
qualquer intenção de escarafunchar novos
textos, mesmo que ali estejam as coleções
especiais e milhares de obras raras; na verdade, buscam
outro tipo de raridade. Os alunos colocam de
lado o monte de livros e pedem gibis para aliviar
o estresse, diz Aparecido Donisete Alves, estagiário
de biblioteconomia que há um ano vem organizando
9 mil revistas de histórias em quadrinhos doadas
à universidade.
Dentre os eventos no campus para
recepção aos calouros, a BC realizará
uma exposição com as principais obras
do acervo e serviços, incluindo uma seleção
de HQs. A gibiteca foi criada em 1995,
quando Jordano Quaglia Júnior, historiador
formado pela Unicamp, deixou o Brasil para dar aulas
de cultura brasileira na Universidade de Nova York,
sem poder levar na bagagem os 6.500 gibis que juntou
durante 30 anos. Reservou para si somente nove edições
especiais de
Namor
O Príncipe Submarino, herói predileto.
Menino que virou professor quando cresceu, Jordano
Quaglia mostrou dificuldades de aprendizado no primeiro
ano de escola e, como reforço nas lições
de casa, era incentivado a ler gibis em voz alta.
Fiquei viciado, disse, ao entregar a coleção.
Viciado a ponto de escolher as HQs como tema de mestrado,
sendo obrigado a desistir da idéia por falta
de um orientador para a dissertação.
Enquanto historiador, Quaglia vê pontuadas nos
quadrinhos mudanças comportamentais e sociais,
bem como avanços tecnológicos e diferenças
na linguagem os balões, preenchidos
em português correto há 50 anos, agora
trazem um coloquial que chega a abusar nas gírias.
Assim mesmo, hoje, os gibis considerados
um estímulo à leitura, permitindo o
resgate de aspectos históricos, das artes gráficas
e da literatura. Antes, as revistas eram tidas como
hábito prejudicial para o aprendizado das crianças
e, até meados do século 20, vários
títulos chegaram a ser censurados na Europa
e Estados Unidos, sob argumento de que as cenas de
violência e terror estimulavam a
delinqüência juvenil. Em 1954, o senado
americano impôs à indústria de
quadrinhos um código de ética, prevendo
menos violência nas histórias e acordando
a distribuição apenas de publicações
que traziam na capa o selo de aprovação.
A pressão da sociedade fez
desmoronar o mercado, mas ele se recuperaria na década
de 1960, graças a iniciativas como da Editora
Marvel, que contratou o talento de Stan Lee e Jack
Kirby para lançar o Homem-Aranha, Quarteto
Fantástico, Thor e o Surfista Prateado, heróis
igualmente dotados de superpoderes, mas vulneráveis
aos problemas existenciais e do cotidiano dos humanos.
A
gibiteca da BC também oferece uma bela viagem
para os ligados em artes gráficas, visto que
algumas revistas ganharam status de arte, principalmente
a partir da década de 1980. Os ilustradores
alcançaram tal requinte que seus quadrinhos
parecem imagens virtuais. Não foi à
toa que personagens como Hulk, Super-Homem, Batman,
X-Men e Conan saíram do papel para as telas
de cinema, observa Aparecido Alves. Escritores
e desenhistas como Niel Gaiman, Alan Moore, Frank
Miller, Simon Bisley, John Byrne, Grant Morrisson,
Jim Lee e Todd MacFarlane tornaram-se celebridades,
a ponto de suas assinaturas ganharem, junto aos fãs
de HQs, o mesmo peso que os grandes atores têm
para os cinéfilos.
Raridades A primeira
versão brasileira do Pato Donald, de 1950,
é apenas umas das raridades arquivadas em caixas
que se destacam pela cor vermelha, em meio à
sobriedade das estantes com outras coleções
especiais conservadas na Biblioteca Central. Há
revistas de Angelo Agostini, italiano aqui radicado
e a quem se atribui a introdução das
HQs no Brasil, primeiramente com As aventuras
de Nhô Quim, publicadas em tiras na revista
Vida Fluminense a partir de janeiro de 1869, e depois
com gibis em longa metragem trazendo As
aventuras do Zé Caipora perdido na cidade
grande.
Na primeira revista da Turma da
Mônica (1974), a personagem, que Maurício
de Souza desenhou inspirado na filha, era magra e
tinha rosto mais hexagonal. Heróis como Batman,
Homem-Aranha, Hulk, Super-Homem e Fantasma passaram
pelas mãos de diferentes autores e também
mudaram ao longo dos anos, não só de
fisionomia como de personalidade. Certos gibis
perderam bastante do lúdico e da fantasia,
tornando-se impróprios para crianças,
comenta Aparecido Alves.
As caixas vermelhas guardam versões de Drácula
eternizado pelo romance de
Bram Stoker com ilustrações
que remetem a pinturas, Jim das Selvas em formato
horizontal e capa dura, os Stromfs que virariam Smurfs,
e mangás como o de Akira. A primeira HQ de
Tarzan traz informações técnicas
sobre como a publicação foi produzida.
Um gibi de Lampião, pelo que se sabe, não
passou do número inicial. Alunos do Instituto
de Artes (IA) da Unicamp também deixaram na
gibiteca criações que não tiveram
seqüência.
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O gazeteiro e seu estandarte
No
início do século passado, quando
o menino de rua tinha ainda preservada a sua
essência, chamava-se de gibi
o molecote pretinho e descalço, que corria
a cidade vendendo jornais e revistas. Em 12
de abril de 1939, o pequeno gazeteiro passou
a exibir o que parecia seu estandarte, a revista
Gibi, que nas décadas seguintes encantaria
crianças e adolescentes com as aventuras
de Charlie Chan, Flash Gordon, Homem-Elástico,
Dick Tracy, Nick Holmes, Fantasma, Mandrake,
Brucutu, Ferdinando, Tarzan, Hagar, Frank e
Ernest, Recruta Zero e Popeye, entre outros
personagens. Desde então, gibi virou
sinônimo de história em quadrinhos.
Em
outubro de 1974, a Rio Gráfica Editora
(hoje Editora Globo) relançou a Gibi
com periodicidade semanal, selecionando HQs
publicadas nas décadas de 1930 e 40,
inclusive de edições originais,
em formato gigante de 40cm de altura e 30cm
de largura. Para tristeza dos leitores, o projeto
teve vida curta. A acentuada queda na tiragem,
dos 160 mil exemplares iniciais para somente
35 mil (inviável para uma editora de
grande porte), fez com que se anunciasse a morte
da publicação para o número
40. A última capa mostra Gibi, o negrinho
personagem-símbolo, indo embora carregando
uma trouxa, de onde caem tiras em quadrinhos.
Na
BC é possível rever esta coleção
completa, cujo encanto custava 300 réis.
Ferdinando, o caipira criado por Al Capp, correndo
de Dayse Mae no dia da Maria Cebola,
em que as moças solteiras perseguiam
os rapazes para arrastá-los até
Samuel, o casamenteiro de Brejo Seco. Mandrake,
o mágico de Lee Falk, salvando Narda
com um mero gesto, que fazia surgir uma fera
e correr o malfeitor. Os tambores da selva anunciando
as últimas proezas do Fantasma, o mascarado
imortal que socava no queixo dos bandidos a
humilhante marca da caveira. Flash Gordon riscando
os céus do planeta Mongo em seu foguete,
muito antes de Guerra nas Estrelas,
para combater a tirania do imperador Ming, tendo
no coldre uma pistola a laser e ao lado a bela
Dale Arlen, que já usava mini-saia.
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