O
silêncio que silencia
O silêncio em que mergulhou
Lula após o episódio Waldomiro Diniz,
quase em paralelo à divulgação
das más notícias sobre o desempenho
de seu governo, sobretudo aquelas relacionadas aos
indicadores econômicos, é ao mesmo tempo
real e estratégico. Real em razão dos
resultados negativos e da crise de credibilidade que
se instalou. Já o recuo estratégico,
que jogou no limbo as metáforas e as parábolas
do primeiro ano, é uma tentativa de silenciar
outros discursos que começaram a fazer eco
e passaram a ocupar a faixa até então
exclusiva do governo, entre eles os dos parlamentares
da oposição e da imprensa. A análise
é da professora Eni Orlandi, pesquisadora do
Laboratório de Estudos Urbanos (Labeurb) da
Unicamp. “O silêncio do Lula é
de quem caiu na real”, avalia a docente, uma
especialista em análise do discurso e também
titular do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL).
Mesmo abrupta, a mudança de comportamento teve
uma passagem manifestada no recuo, revelador de que
o governo “está no risco”, de acordo
com Eni. A professora lembra que uma das características
do discurso de Lula, até adotar o silêncio
dos últimos tempos, era a falta de mediação.
Em suas falas, o ex-sindicalista discursava com tanta
familiaridade e intimidade que apagava deliberadamente
sua imagem de presidente. “Essa postura dava
um efeito de proximidade mas tirava a característica,
importante, de o governo ser governo, de falar como
governo”, esclarece a especialista.
Segundo Eni, Lula não só
apagava a representação de presidente,
que era pressuposta mas não dita, como deixava
a voz aos ministros mais proeminentes do governo,
no caso Antonio Palocci, do Planejamento, e José
Dirceu, da Casa Civil, que assumiam, em suas falas,
posições do governo, “muito embora
a vacuidade fosse a marca comum em seus respectivos
pronunciamentos. Ambos não configuravam esse
lugar centralizado, falavam de maneira dispersa e,
com freqüência, diziam ‘que essa
era a vontade do presidente Lula’”.
Tal estratégia, na opinião
da professora, configurava-se numa maneira de Lula
não entrar em contato direto com uma realidade
que poderia desgastá-lo perante a opinião
pública. Para a especialista, dois instrumentos
deixaram o presidente à vontade nesse papel,
caracterizado, segundo ela, pelo excesso: o marketing
político e a cumplicidade da mídia.
No caso do primeiro, a tarefa foi facilitada pelo
dom natural que Lula tem de ser espontâneo,
o que acabava acentuando o efeito – positivo
– da encenação. Nesse palco, até
os excessos, verborrágicos ou de outra natureza,
eram relegados. “Não havia uma preocupação
em convencer o interlocutor. A aceitação
desse discurso estava implícita”, avalia
a docente.
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A professora Eni Orlandi: “O
silêncio é uma forma de não
dar satisfação à nação” |
A mídia, por sua vez, fechou os olhos e entrou
no clima de deslumbramento, reproduzindo falas permeadas
por doses maciças de otimismo e um quê
de messianismo, que invariavelmente eram carregadas
de componentes recorrentes da ideologia pequeno-burguesa.
“Lula aparecia como um guia que conseguiu chegar
lá, vencendo obstáculos instransponíveis”.
Qual é, então, a diferença do
Lula presidente para o sindicalista? Para Eni, a falta
de um projeto marca as duas fases. “O Lula sindicalista
tinha convicções sedimentadas, consistentes
e coerentes com as bases políticas. O Lula
presidente habituou-se a pôr panos quentes para
não ter de explicitar seus projetos”.
Na avaliação da professora, embora uma
das funções do silêncio estratégico
adotado por Lula é a de manter em evidência,
sobretudo para o povo em geral, a antiga imagem de
que as coisas estavam funcionando, a assessoria de
marketing do presidente será forçada
a encontrar uma saída. A especialista em análise
do discurso enfileira os motivos que resultaram no
esgotamento da fórmula: 1) o caso Waldomiro
Diniz provocou um rombo na imagem “impoluta”
do PT; 2) a falta de resultados positivos e os indicadores
econômicos negativos deixaram o governo sem
argumentos concretos; 3) as críticas ao governo
anterior não ressoam mais; 4) o governo perdeu
a hegemonia do discurso.
Autora do livro As formas do silêncio,
Eni Orlandi explica que mesmo o mutismo tem seus limites.
“O silêncio do governo é mais forte
do que a fuga porque é uma forma de não
dar satisfação à nação,
de silenciar outras falas, de não suscitar
perguntas, mas na medida em que a realidade cada vez
mais venha à tona, serão necessárias
palavras que correspondam a essa realidade”.
Resta saber qual será o próximo repertório.
(A.K.)