Leia nessa edição
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Pesquisa com seres humanos
Estudos : anemia falciforme
Pesquisa : café solúvel
Alcalóides de grãos
Para onde vai a esquerda?
Hermetismo : o viés autoritário
A persistência do marasmo
O silêncio que silencia
Unicamp : C&T no Amazonas
Painel da semana
Unicamp na mídia
Oportunidades
Teses da semana
Acervo da comédia nacional
Arte moderna : alma do negócio
 

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O silêncio que silencia

O silêncio em que mergulhou Lula após o episódio Waldomiro Diniz, quase em paralelo à divulgação das más notícias sobre o desempenho de seu governo, sobretudo aquelas relacionadas aos indicadores econômicos, é ao mesmo tempo real e estratégico. Real em razão dos resultados negativos e da crise de credibilidade que se instalou. Já o recuo estratégico, que jogou no limbo as metáforas e as parábolas do primeiro ano, é uma tentativa de silenciar outros discursos que começaram a fazer eco e passaram a ocupar a faixa até então exclusiva do governo, entre eles os dos parlamentares da oposição e da imprensa. A análise é da professora Eni Orlandi, pesquisadora do Laboratório de Estudos Urbanos (Labeurb) da Unicamp. “O silêncio do Lula é de quem caiu na real”, avalia a docente, uma especialista em análise do discurso e também titular do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL).
Mesmo abrupta, a mudança de comportamento teve uma passagem manifestada no recuo, revelador de que o governo “está no risco”, de acordo com Eni. A professora lembra que uma das características do discurso de Lula, até adotar o silêncio dos últimos tempos, era a falta de mediação. Em suas falas, o ex-sindicalista discursava com tanta familiaridade e intimidade que apagava deliberadamente sua imagem de presidente. “Essa postura dava um efeito de proximidade mas tirava a característica, importante, de o governo ser governo, de falar como governo”, esclarece a especialista.

Segundo Eni, Lula não só apagava a representação de presidente, que era pressuposta mas não dita, como deixava a voz aos ministros mais proeminentes do governo, no caso Antonio Palocci, do Planejamento, e José Dirceu, da Casa Civil, que assumiam, em suas falas, posições do governo, “muito embora a vacuidade fosse a marca comum em seus respectivos pronunciamentos. Ambos não configuravam esse lugar centralizado, falavam de maneira dispersa e, com freqüência, diziam ‘que essa era a vontade do presidente Lula’”.

Tal estratégia, na opinião da professora, configurava-se numa maneira de Lula não entrar em contato direto com uma realidade que poderia desgastá-lo perante a opinião pública. Para a especialista, dois instrumentos deixaram o presidente à vontade nesse papel, caracterizado, segundo ela, pelo excesso: o marketing político e a cumplicidade da mídia. No caso do primeiro, a tarefa foi facilitada pelo dom natural que Lula tem de ser espontâneo, o que acabava acentuando o efeito – positivo – da encenação. Nesse palco, até os excessos, verborrágicos ou de outra natureza, eram relegados. “Não havia uma preocupação em convencer o interlocutor. A aceitação desse discurso estava implícita”, avalia a docente.

A professora Eni Orlandi: “O silêncio é uma forma de não dar satisfação à nação”


A mídia, por sua vez, fechou os olhos e entrou no clima de deslumbramento, reproduzindo falas permeadas por doses maciças de otimismo e um quê de messianismo, que invariavelmente eram carregadas de componentes recorrentes da ideologia pequeno-burguesa. “Lula aparecia como um guia que conseguiu chegar lá, vencendo obstáculos instransponíveis”. Qual é, então, a diferença do Lula presidente para o sindicalista? Para Eni, a falta de um projeto marca as duas fases. “O Lula sindicalista tinha convicções sedimentadas, consistentes e coerentes com as bases políticas. O Lula presidente habituou-se a pôr panos quentes para não ter de explicitar seus projetos”.
Na avaliação da professora, embora uma das funções do silêncio estratégico adotado por Lula é a de manter em evidência, sobretudo para o povo em geral, a antiga imagem de que as coisas estavam funcionando, a assessoria de marketing do presidente será forçada a encontrar uma saída. A especialista em análise do discurso enfileira os motivos que resultaram no esgotamento da fórmula: 1) o caso Waldomiro Diniz provocou um rombo na imagem “impoluta” do PT; 2) a falta de resultados positivos e os indicadores econômicos negativos deixaram o governo sem argumentos concretos; 3) as críticas ao governo anterior não ressoam mais; 4) o governo perdeu a hegemonia do discurso.

Autora do livro As formas do silêncio, Eni Orlandi explica que mesmo o mutismo tem seus limites. “O silêncio do governo é mais forte do que a fuga porque é uma forma de não dar satisfação à nação, de silenciar outras falas, de não suscitar perguntas, mas na medida em que a realidade cada vez mais venha à tona, serão necessárias palavras que correspondam a essa realidade”. Resta saber qual será o próximo repertório. (A.K.)


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