Ex-alunas da Unicamp comandam
política de C&T no Amazonas
Projetos
prevêem incremento da produção
científica e da inovação tecnológica
no estado
CLAYTON
LEVY
|
Marilene da Silva Freitas, secretária
estadual de C&T do Amazonas: articular ciência
e tecnologia com inclusão social |
Duas ex-alunas da Unicamp estão
conduzindo a implantação de uma nova
política de ciência e tecnologia no estado
do Amazonas. Marilene Correa da Silva Freitas, titular
da secretaria estadual de C&T, e Marly Guimarães
Fernandes Costa, secretária-executiva adjunta,
fizeram pós-graduação em Campinas
antes de ingressarem na gestão pública
em Manaus. Juntas, elas definiram uma lista de projetos
para alavancar a produção científica,
a inovação tecnológica, a geração
de riqueza e a melhoraria da qualidade de vida da
população.
Em menos de um ano, a secretaria
definiu e implementou oito grandes projetos, que incluem
desde pesquisas para o combate à malária
até incentivo para inovação tecnológica
em pequenas empresas. “Pela primeira vez, estamos
tendo uma política de C&T de fato”,
diz Marilene, que concluiu o doutorado em Ciências
Sociais no Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas da Unicamp (IFCH), em 1997. Tendo como orientador
o sociólogo Octavio Ianni, sua tese estudou
os impactos que as mudanças estruturais no
mundo provocaram na Amazônia. “Essa visão
foi muito importante no momento de formular as políticas
públicas”.
O trabalho das duas também marca o início
do funcionamento da Secretaria de Estado de Ciência
e Tecnologia. Criada em janeiro de 2003, a pasta conta
com um orçamento de R$ 45,5 milhões
para 2004. Antes, os temas relacionados à área
ficavam por conta da Secretaria de Estado de Planejamento
e Desenvolvimento Econômico. “A decisão
de criar uma secretaria específica para C&T
revela a importância que o estado confere ao
setor”, diz a secretária-executiva Marly
Guimarães, que fez mestrado em Microeletrônica
e doutorado em Engenharia Biomédica na Faculdade
de Engenharia Elétrica e Computação
(FEEC).
Outro passo importante foi a criação
da Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado do Amazonas (Fapeam), que passou a financiar
a maior parte dos projetos de pesquisa no estado.
Na entrevista que segue, a secretária Marilene
Freitas fala sobre a grande virada da C&T no Amazonas.
JU – De que maneira
a pós-graduação na Unicamp contribuiu
para suas atividades atuais como secretária?
Marilene — A concepção
de universidade da Unicamp não é a de
uma universidade caipira de São Paulo, é
de uma universidade nacional. A partir do momento
em que a concepção é nacional,
a Unicamp trabalha projetos nacionais e conseqüentemente
lê as realidades regionais de uma forma mais
crítica. A terceira é o padrão
de articulação que a Unicamp propicia
a quem faz o doutorado, um conjunto de intelectuais
que contribuem decisivamente para pensar o Brasil.
O curso oferece não só formação
científica, mas também capacidade de
pensamento original e de liderança em todos
os temas. A firmeza teórica do curso favorece
a formação de gestores públicos.
JU – Qual o peso da
C&T na política de desenvolvimento do Amazonas?
Marilene—Tem uma importância
estruturante para o modelo de desenvolvimento que
a Amazônia vai tomar. A Amazônia vem de
uma experiência de modelos de desenvolvimento
predatórios e que não geraram riqueza
para toda a população. Sabe-se hoje
que é impossível manejar a natureza
da Amazônia e propor formas de exploração
sem desenvolvimento científico. Por isso, a
política de ciência e tecnologia que
se desenvolve hoje é estruturante para um novo
modelo e para uma nova abordagem econômica e
sociocultural.
JU—Em apenas um ano,
a sua secretaria definiu uma lista de programas que
vão desde o combate à malária
até apoio para inovação tecnológica
nas empresas. Qual é o fio condutor que amarra
programas tão variados?
Marilene – O fio condutor é
a elevação do índice de desenvolvimento
humano das populações amazônicas.
As políticas públicas na Amazônia
são extremamente difíceis de serem implementadas
sem o auxílio da ciência e tecnologia.
De um lado, precisamos de formação e
capacitação de mão-de-obra avançada.
Por outro lado, as populações regionais,
aquelas que estão fora das áreas urbanas,
viviam num padrão tecnológico igual
ao de 500 anos atrás. Nosso programa inclui,
por exemplo, projetos que prevêem a interiorização
do desenvolvimento e que passa necessariamente por
uma abordagem ambiental do manejo florestal.
JU – Dentro dessa
visão, quais seriam as prioridades?
Marilene – Uma delas é intensificar a
pesquisa sobre doenças infecciosas e parasitárias.
Identificamos, classificamos e incentivamos todos
os grupos de pesquisa que trabalham com essas doenças,
principalmente malária, dengue e hepatite B.
Esse trabalho integra uma agenda nacional que inclui
outros parceiros, como a Fiocruz e o Instituto Evandro
Chagas. Há ainda parceiros internacionais,
como os governo de Cuba e Moçambique e o Centro
de Desenvolvimento de Estudos de Vacinas da Malária
de Londres.
JU – Há alguma
ação voltada para os arranjos produtivos
específicos da Amazônia, como a pesca?
Marilene –Sim. Estamos incentivando a formação
tecnológica de lideranças e oferecendo
apoio técnico às comunidades do interior
para o desenvolvimento agrário. Algumas áreas
que são alvo de agressões por parte
dos madeireiros e invasão de barcos estrangeiros
de piscicultura estão ganhando núcleos
de ciência e tecnologia para incentivar outros
tipos de atividades sustentáveis para as populações
locais.
JU – Que alternativas
estão sendo oferecidas a estas comunidades?
Marilene – No Alto Solimões, por exemplo,
o Ibama já autorizou a piscicultura e o manejo
florestal. No Médio Solimões intensificamos
a formação à distância
e a formação presencial para professores,
através da Universidade Estadual do Amazonas
e de uma escola de formação tecnológica
para técnicos florestais, enfermeiros e manejadores
de reformas aquáticas. São ações
adaptadas ao ambiente natural da Amazônia. Próximo
a Manaus, no chamado Baixo Solimões, intensificamos
a exploração dos campos naturais, visando
as criações de bovinos e bubalinos,
que estão crescendo em importância. No
sul do estado, os projetos de assentamento familiar
recebem da ciência e tecnologia apoio para o
manejo do solo e a implantação do laboratório
de calcário.
JU – Apesar do pouco
tempo de existência da secretaria, já
é possível fazer um balanço dos
resultados alcançados?
Marilene – O presidente do CNPQ (Erney Camargo)
esteve aqui recentemente e saiu sensibilizado com
os resultados dos projetos financiados pela agência.
Por exemplo, o PIBIC Júnior, que não
é universitário, mas já está
no ensino médio. É uma forma de articular
ciência e tecnologia com inclusão social,
colocando esses meninos dentro das equipes científicos.
Temos 250 bolsas, com experiências nas áreas
indígenas e nas escolas federais agrotécnicas.
No Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia,
por exemplo, há 17 jovens inseridos nos laboratórios
de tecnologia de madeira.
JU — A criação
da Fundação de Amparo à Pesquisa
do Amazonas (Fapeam) já permite projetar algum
impacto na produção científica
do estado?
Marilene – Sim. Dos 1.800 projetos que a Fapeam
recebeu e analisou, mais de mil estão em processo
de implantação. Contando todas as instituições
de pesquisas do Amazonas, não temos hoje mais
que 1.500 doutores. O financiamento desses projetos
novos vai gerar um impacto quantitativo enorme. Poderemos
dobrar o número de doutores em pouco tempo.
Mas há um outro impacto de ordem qualitativa,
que vem da relação da transferência
de conhecimento da pesquisa básica para a solução
de problemas da comunidade.
JU – Do ponto de vista
industrial, que medidas estão sendo adotadas
para incentivar a inovação tecnológica?
Marilene – A secretaria de Ciência e Tecnologia
iniciou uma discussão para que os resultados
obtidos também possam ser aplicados nas políticas
públicas. Identificamos todas as linhas de
pesquisa que institutos privados desenvolvem no Amazonas.
Só o Instituto Genius, por exemplo, tem cerca
de quinze pesquisas de alto nível em desenvolvimento.
Outras empresas, como Nokia, Siemens e Honda também
mantêm aqui os seus institutos de pesquisa.
São ao todo oito institutos privados, com cerca
de 150 pesquisadores, o que representa uma massa crítica
importante.
JU – Em razão
da riqueza da sua biodiversidade o Amazonas tem sido
alvo da biopirataria internacional. Que ações
estão sendo adotadas em relação
a isso?
Marilene – Tenho uma visão bastante clara
em relação à biopirataria. No
passado não existia a lei de proteção
à biodiversidade. Determinadas iniciativas
de parceria científica que eram desenvolvidas
não eram ilegais nem imorais. Pelo contrário,
elas somavam conhecimento da biodiversidade. Reconfigura-se
o ordenamento do território e conseqüentemente
a questão legal. Hoje temos problemas em relação
a isso. Temos de reexaminar nossas parcerias científicas
e colocá-las no quadro da lei de proteção
à biodiversidade. Temos, também, de
agrupar os nossos pesquisadores em tornos de uma agenda
científica nacional. Isso é competência
da política pública e é isso
que temos de fazer. Daí a relação
entre os governos federal e estadual e nossa parceria
com instituições renomadas no Brasil.
Com isso, podemos produzir conhecimento sobre a biodiversidade,
mas dentro daquilo que nos interessa. Se não
conseguirmos fazer uma agenda nacional para dar conta
da nova dimensão que a biotecnologia pode ter
aqui, então temos de assinar um atestado de
incompetência. E isso não é só
responsabilidade da secretaria estadual, mas também
do governo federal.
JU–Que avaliação
a senhora faz da atual política de C&T
do governo federal?
Marilene — O programa de C&T
do governo Lula abordou dois pontos muito polêmicos.
A questão da desconcentração
dos recursos humanos, já que 67% estão
no sudeste, e a descentralização dos
recursos. Nesse aspecto a política atual propicia
um diálogo maior com os estados brasileiros,
fortalece mais a iniciativa e a capacidade de pesquisa
instalada nos estados, com a parceria com as FAPs,
e dá um perfil mais nacional aos fóruns
de secretários de C&T, a partir do momento
em que temos assento no Conselho Nacional de CT, que
é presidido pelo presidente Lula.
JU - Em relação
a política de inovação tecnológica,
está faltando alguma ação para
incentivar P&D na iniciativa privada?
Marilene – Está. A Lei de Inovação
Tecnológica familiariza a comunidade acadêmica
com a idéia de que a universidade e as empresas
devem trabalhar juntas. Isso significa que o pesquisador
vinculado à uma universidade pública
pode prestar serviços ás empresas na
formulação de projetos de inovação
tecnológica. Isso não vai ser mais crime
ou pecado. Essa lei precisa ser sancionada porque
vai permitir a mudança desse perfil perverso
que é o fato de toda a comunidade científica
brasileira trabalhar apenas na universidade.
Programa
incrementa inovação
|
Marly Fernandes Costa: apoio científico |
Um dos principais metas da Secretaria
de Estado de Ciência e Tecnologia do Amazonas
é incentivar a inovação tecnológica
em empresas de pequeno porte. Para isso, foi criado
o Programa de Apoio à Pesquisa em Empresas
(Pape). Através dele, cada empresa pode receber
até R$ 200 mil para projetos de P&D. Metade
dos recursos são bancados pelo estado e a outra
metade pelos Fundos Setoriais.
“Se a empresa está desenvolvendo um produto,
mas necessita de algum apoio científico complementar,
ela se cadastra e, se o projeto for considerado viável,
pode obter o financiamento”, explica a secretária
executiva da pasta de C&T, Marly Guimarães
Fernandes Costa. No início de março,
a secretaria promoveu uma rodada de negócios
entre pesquisadores de diversas áreas e empresas
interessadas nas parcerias.
Outra meta, segundo Marly, é
fazer um levantamento sobre os indicadores regionais
de C&T. “A idéia é fazer um
raio X do cenário, que servirá de ferramenta
na definição das políticas para
o setor”, explica. O trabalho, segundo ela,
contará com a parceria do Ministério
de Ciência e Tecnologia.