Arte moderna seduz
a alma do negócio
Tese
de doutorado mostra a influência exercida pelos
movimentos artísticos na publicidade dos anos
70 e 80
MANUEL
ALVES FILHO
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O trabalho de René Magritte
intitulado “No Limiar da Liberdade”
e a peça publicitária da Hydra,
ao lado: elementos inspiradores |
A linguagem adotada pela propaganda
brasileira entre os anos de 1975 e 1984 sofreu forte
influência da arte do século XX, notadamente
os anúncios publicados em revistas. Dentre
os vários movimentos artísticos que
contribuíram para a construção
do discurso gráfico, dois marcaram especialmente
a produção do período: a Pop
Art e a Minimal Art. A constatação faz
parte da tese de doutorado defendida recentemente
por Carlos Roberto Fernandes junto ao Instituto de
Artes (IA) da Unicamp, onde também é
docente. O trabalho, intitulado “Interface Arte/Propaganda
no Brasil (1975-1984) a partir da análise de
Anúncios em Revistas, nos Anuários do
Clube de Criação de São Paulo”,
constitui um estudo amplo e original sobre as técnicas
empregadas na elaboração de 716 peças
publicitárias, todas elas concebidas antes
do advento da informatização do mercado.
A banca examinadora recomendou a tese para publicação.
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O professor Carlos Roberto Fernandes:
Pop Art e Minimal Art estão presentes em
44% das obras estudadas |
Carlos Fernandes, que também
é dirigente da Coordenadoria de Desenvolvimento
Cultural (CDC) da Unicamp, conta que decidiu analisar
as obras contidas nos anuários do Clube de
Criação de São Paulo por causa
da singularidade da publicação. “Trata-se
de um empreendimento de sucesso, que já está
na sua 28ª edição. Os trabalhos
presentes nos anuários são de reconhecida
qualidade e passaram pelo crivo dos próprios
profissionais de propaganda, especialistas nessa área
da Comunicação”, explica. O docente
do IA afirma que não se ateve apenas às
peças publicitárias premiadas, pois
elas não seriam representativas do conjunto
da produção do período. Já
a opção pela década de 1975 a
1984 está relacionada com o fato de os anúncios
terem sido concebidos sem o auxílio do computador.
“São o resultado do trabalho feito em
prancheta, sem grandes recursos de trucagens e com
muito suor. Os processos empregados, apesar de possibilitarem
ótimas impressões finais, ainda estavam
longe da qualidade técnica de hoje”,
diz.
Para evidenciar as técnicas
empregadas na elaboração das peças
publicitárias, Carlos Fernandes desenvolveu
uma metodologia própria. Primeiramente, separou
os anúncios por grupos, que foram definidos
pela sua composição plástica.
Depois, o docente do IA considerou os elementos visuais
e estruturais das obras e avaliou que experiências
ocorridas no campo das artes plásticas deram
contribuição à linguagem adotada
pela propaganda. “Foi possível constatar
uma clara influência da arte do século
XX nos trabalhos analisados. Além de contribuições
esporádicas de vários movimentos artísticos,
duas correntes forneceram a base para a constituição
da linguagem da propaganda no período: a Pop
Art e a Minimal Art, cujos elementos estão
presentes em 44% das obras estudadas”, afirma.
A relação entre a propaganda e Pop Art,
reforça Carlos Fernandes, está expressa
tanto na quantidade quanto nas estruturas formais
dos anúncios. “O motivo parece óbvio:
no princípio, a propaganda é geradora
da Pop Art e está na formação
do seu principal articulador, o artista Andy Warhol,
que tinha experiência em produção
gráfica e conhecia os procedimentos técnicos
da fotolitografia e serigrafia”, comenta. Assim
como a Pop Art, afirma, diversas peças publicitárias
valeram-se do estilo figurativo e do recurso da repetição
para vender um determinado produto, ainda que este
não aparecesse necessariamente na obra. “A
importância, segundo este conceito, está
mais no símbolo do que no produto propriamente
dito”, esclarece o autor da tese.
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Propaganda da empresa Hoechst faz
clara citação da Pop-Art de Andy
Warhol: composição em grade com
repetição de fotografias |
A influência da Minimal Art
também pôde ser identificada na estrutura
das peças publicitárias, de acordo com
o docente do IA. O movimento artístico, destaca
Carlos Fernandes, propõe uma arte sem representação.
O minimalismo, como o nome sugere, é caracterizado
pela “limpeza”, pela dispensa de “cenarização”
e até mesmo pelo descompromisso com a história,
elementos presentes em várias obras analisadas
na tese, que foi orientada pelo professor Adilson
Ruiz, também do IA. O fato de os anúncios
analisados terem sido produzidos sem o suporte da
informática não agrega, necessariamente,
valor adicional a eles, na opinião de Carlos
Fernandes. De acordo com o especialista, o conceito
sempre é mais importante do que o instrumental
utilizado. “O computador só dá
mais tempo para quem tem os conceitos bem organizados”,
diz.
Primórdios –
De acordo com Carlos Fernandes, é
impossível demarcar um período a partir
do qual estabeleceu-se a interface arte/propaganda
no Brasil. De maneira geral, afirma o autor da tese,
a publicidade sempre se apropriou de referências
proporcionadas pelas diversas atividades humanas.
“Isso inclui a arte, na medida em que ela se
propõe banal”, afirma. E acrescenta:
“a propaganda, nesse caso, influencia e é
influenciada, tendo como objetivo a sedução”.
Conforme a pesquisa conduzida pelo docente do IA,
a publicidade brasileira começa a tomar forma
em meados do século 19.
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O trabalho de René Magritte
intitulado “No Limiar da Liberdade”
e a peça publicitária da Hydra,
ao lado: elementos inspiradores |
O excesso de oferta de determinados
produtos, que não encontravam procura adequada
nos mercados próximos, obrigou os produtores
a contratarem agentes nos grandes centros urbanos,
para que estes promovessem a venda de suas mercadorias.
Esses agentes eram, inicialmente, profissionais autônomos
que representam o produtor. Eles compravam espaço
nos jornais para a publicação de anúncios.
Posteriormente, com o aumento das solicitações
de atendimento, organizaram-se em empresas, dando
início a uma atividade mais planejada. “Dessas
empresas surgiram as agências de propaganda,
as tetravós das agências tais como as
que conhecemos hoje”, conta Carlos Fernandes.
Antes disso, afirma o autor da tese, os anúncios
impressos já eram comuns nos jornais brasileiros,
sendo contratados diretamente pelo produtor, comerciante
ou profissional liberal. “Os primeiros anúncios
veiculados em jornais eram constituídos apenas
de texto e não passam de composições
tipográficas. O tipógrafo era, na maioria
das vezes, quem decidia sobre as características
principais do anúncio, uma vez que detinha
as informações das possibilidades e
limitações do processo”, esclarece
o docente do IA. Atualmente, conforme Carlos Fernandes,
a publicidade brasileira tem a sua qualidade reconhecida
internacionalmente, o que pode ser constatado pelos
prêmios que tem recebido ao longo dos anos.