Pesquisa aumenta tempo de
prateleira da carne-de-sol
Formulação desenvolvida
por engenheira de alimentos
dispensa também dessalga do produto
MANUEL
ALVES FILHO
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A
engenheira de alimentos Cristiana Ambiel: estudo
amplia o potencial de industrialização
do alimento |
Antes do advento da geladeira,
no longínquo século 17, moradores do
Nordeste lançavam mão de uma técnica
simples, porém eficiente, para conservar a
carne bovina. Para que o alimento não se deteriorasse
rapidamente, eles o salgavam.
Assim, as partes que seriam
consumidas nos dias subseqüentes ao abate do
animal eram envolvidas por uma pequena camada de sal
e levemente desidratas. As demais recebiam uma quantidade
maior da substância e passavam por um processo
de secagem mais prolongado, de modo que tivessem a
vida útil aumentada. O primeiro método
de conservação deu origem à carne-de-sol,
alimento que, 400 anos depois, ainda tem preparo artesanal
e consumo restrito a alguns estados brasileiros. Pesquisa
recém-concluída pela engenheira de alimentos
Cristiana Ambiel abre perspectiva para que um novo
capítulo seja inserido no histórico
da carne-de-sol. Graças a uma formulação
inédita, que mistura o cloreto de sódio
e o lactato de sódio, a especialista conseguiu
ampliar a vida-de-prateleira do produto de quatro
para sete semanas, sem que haja necessidade de dessalga
para ir à grelha ou à panela. Em outros
termos, o estudo ampliou o potencial de industrialização
do alimento, que poderá finalmente freqüentar
as mesas de todo o Brasil e, eventualmente, de outros
países.
O estudo foi conduzido para
a dissertação de mestrado de Cristiana
e integra uma linha de pesquisa da Faculdade de Engenharia
de Alimentos (FEA) da Unicamp. A investigação
constitui, segundo ela, a terceira fase de um projeto
que tem por objetivo conferir maior facilidade e segurança
para a comercialização da carne-de-sol,
um produto genuinamente brasileiro. Na primeira etapa
da pesquisa, sob coordenação geral do
professor Pedro Eduardo de Felício, foi desenvolvido
um produto similar à carne-de-sol, que dispensa
a dessalga na etapa de preparação culinária.
Com a adição de apenas 4% de sal, o
que lhe conferiu um índice de umidade em torno
de 70%, o alimento alcançou uma vida-de-prateleira
de quatro semanas, nas seguintes condições:
embalado a vácuo e mantido num ambiente refrigerado
a 4ºC, além dos cuidados das boas práticas
durante o processo de fabricação. O
trabalho constituiu a tese de doutorado do professor
Bento da Costa Carvalho Júnior.
A segunda fase do projeto
compreendeu a avaliação da segurança
microbiológica da carne-de-sol em relação
aos microrganismos Samonella sp., Clostrídios
sulfito redutores, S. aureus, enterobactérias,
bactérias láticas, bactérias
psicrotróficas, bolores e leveduras, realizado
pela veterinária Margaret Y. Saiki. O desafio
proposto à Cristiana, para dar seqüência
aos estudos, foi ampliar ainda mais a vida-de-prateleira
do produto, sem que houvesse a necessidade de aumentar
a quantidade de sal. A alternativa encontrada pela
engenheira de alimentos foi associar o cloreto de
sódio ao lactato de sódio, um outro
tipo de sal que tem importantes propriedades antibacterianas
e que é largamente utilizado pela indústria
alimentícia, mas que ainda não havia
tido essa aplicação.
Depois de várias formulações
e exaustivos testes, a autora da dissertação
chegou a uma mistura considera ideal,
da ordem de 3,6% de cloreto de sódio e 1,7%
de lactato de sódio. Embalada a vácuo
e mantida sob refrigeração de 4ºC,
a carne-de-sol atingiu uma vida-de-prateleira de sete
semanas, sem que houvesse alterações
consideráveis de sabor, cor e textura. Na
avaliação sensorial que realizamos junto
aos consumidores, a aceitação do produto
obteve nota média de 7,8, numa escala de 1
a 9, afirma Cristiana, que atualmente é
professora de uma escola do Serviço Nacional
de Aprendizagem Industrial (Senai), em São
Paulo, voltada exclusivamente para a área de
alimentos.
O trabalho desenvolvido pela
engenheira de alimentos foi classificado em primeiro
lugar na edição de 2003 do Concurso
Nacional de Criatividade para Docentes (Concrid),
na categoria processo inovador na área
de alimentos. O prêmio é conferido
pela Confederação Nacional das Indústrias
(CNI) e Senai. Um dos objetivos do Concrid é
estimular a criatividade dos docentes através
da elaboração e implementação
de processos e/ou projetos inovadores de interesse
do Senai e dos setores produtivos, além de
promover a evolução do conhecimento
no campo técnico-científico.
De acordo com Cristiana, o
prêmio uma quantia em dinheiro e uma
bolsa para estágio na área será
entregue simbolicamente em solenidade a ser realizada
no Palácio do Planalto, em Brasília,
com a presença do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva. A data ainda não foi confirmada.
A Engenheira de Alimentos destaca, ainda, que outros
trabalhos estão sendo planejados na FEA para
dar seguimento às pesquisas com a carne-de-sol
e, assim, permitir uma maior disseminação
e valorização de um produto que faz
parte da nossa cultura.