Pesquisa mapeia transtornos mentais em jovens
Levantamento feito por psiquiatra
em quatro escolas mostra que 10% de alunos têm
algum tipo de sintoma
ANTONIO
ROBERTO FAVA
|
A
psiquiatra e professora Giuletta Cucchiaro: dados
sobre três categorias abrangentes de diagnósticos
em psiquiatria infantil |
Pesquisa inédita desenvolvida
em Campinas pela psiquiatra Giulietta Cucchiaro, professora
da Faculdade de Ciências Médicas (FCM)
da Unicamp, revela que 10% dos alunos com idade entre
11 e 16 anos de quatro escolas da rede estadual
duas da região central da cidade e duas de
bairros periféricos apresentam pelo
menos um tipo de transtorno mental.
Depois de um ano de detalhado estudo,
o trabalho de pós-doutorado da pesquisadora,
denominado Epidemiologia dos transtornos mentais e
qualidade de vida em crianças e adolescentes
na cidade de Campinas, concluiu que 6,9% ou
seja, 57 dos adolescentes avaliados, apresentam transtornos
de conduta, 3,1% transtornos emocionais, enquanto
que 0,4% revelou indivíduos dotados de hiperatividade.
De acordo com o levantamento da
pesquisadora, 814 crianças da 5ª a 8ª
séries preencheram questionários sobre
dados sócio-demográficos, saúde
mental, qualidade de vida e auto-estima. Seus professores
também preencheram questionários sobre
a saúde mental e o rendimento escolar dos estudantes.
Desse total, 765 indivíduos foram avaliados
quanto à prevalência de transtornos mentais:
Embora não fechem o diagnóstico
específico, esses dados fornecem informações
sobre três categorias abrangentes de diagnósticos
em psiquiatria infantil: os transtornos emocionais,
que englobam os transtornos depressivos, de ansiedade
e fobias; os transtornos de conduta, que se referem
a um padrão de comportamento no qual se viola
repetidamente as regras sociais apropriadas para a
idade, e que inclui, por exemplo, comportamento agressivo
contra pessoas ou animais, destruição
de propriedades, furtos, etc, e o transtorno de hiperatividade,
uma síndrome constituída de três
sintomas: hiperatividade, déficit de atenção
e impulsividade, explica Giulietta.
Esse índice de 10% que atinge
indivíduos em idade escolar levantado pela
psiquiatra cujo trabalho de pesquisa foi financiado
pela Fapesp, sob supervisão do professor Paulo
Dalgalarrondo pode ser comparado, com pequenas
variações, como sendo praticamente o
mesmo verificado em estudos desenvolvidos na Inglaterra,
França, ou com a taxa de 12% encontrada no
Estado de São Paulo, nos municípios
de Campos de Jordão e Taubaté.
Com isso pode-se deduzir que
esse percentual não foge aos padrões
esperados para uma comunidade urbana de médio
porte, como Campinas, argumenta Giulietta. Um
dado curioso é quando se compara a amostra
total de meninos e meninas. A pesquisa revela ainda
que 11,2% dos meninos do grupo analisado apresentaram
algum transtorno mental, principalmente transtornos
de conduta, enquanto que com o grupo de meninas essa
taxa ficou um pouco abaixo, com 8,7%, predominantemente
transtornos emocionais. Estudando as principais variáveis
que poderiam influenciar a saúde mental dos
jovens de Campinas, foi possível traçar
o perfil daqueles mais saudáveis mentalmente:
jovens com religião, filhos de pais casados
e do sexo feminino.
Rendimento escolar Um dos resultados
surpreendentes do estudo foi que os jovens da periferia
e do centro de Campinas, embora constituam dois grupos
distintos do ponto de vista socioeconômico,
não apresentaram diferenças significativas
quanto às taxas de transtorno mental. A pesquisa
mostra que dos 765 casos avaliados, 11,7%, ou seja,
89 indivíduos com transtorno mental, encontram-se
na periferia enquanto que 8,5% (65), na área
urbana central.
No entanto, parece que morar na periferia da cidade
é uma situação que afeta os meninos
mais negativamente do que as meninas: uma alta taxa
de transtornos de conduta (12%) foi encontrada entre
os meninos da periferia, quando comparados com os
do centro (6,2%).
Examinando o rendimento escolar
e o modo de como os jovens ocupam seu tempo, observamos
que os meninos da periferia têm um rendimento
escolar inferior, ficam menos tempo na escola, dedicam-se
menos tempo aos deveres escolares, e passam mais tempo
na rua, ao ar livre, sem estarem envolvidos em atividades
estruturadas, como praticar esportes, freqüentar
uma igreja ou participar de trabalhos oferecidos por
ONGs. Considerando que os meninos de periferia possuem
uma alta taxa de transtorno de conduta (12%, o dobro
da taxa dos meninos do centro), pode-se concluir que
eles constituem um grupo de risco seriíssimo
para transtornos mentais graves na idade adulta, com
conseqüências como drogadição,
envolvimento em atividades ilícitas e criminalidade,
conclui Giullietta.
Já as meninas da periferia
não diferem significativamente das meninas
da região central de Campinas. Na verdade,
de acordo com os dados da psiquiatra, meninas de bairros
periféricos apresentam praticamente o mesmo
rendimento escolar das meninas do centro, apesar das
diferenças sociais.
O estudo, financiado pela Fapesp,
é relevante, pois, conforme a pesquisadora,
fornece informações que poderão
orientar a organização dos serviços
de saúde mental na cidade. Universidades,
escolas e serviços de saúde poderão
se organizar num esforço conjunto para se detectar
e tratar de modo precoce problemas que se configurem
eventuais transtornos mentais, presentes em crianças
e adolescentes, os quais tendem a perdurar e a se
agravar na idade adulta se não receberem nenhum
tipo de intervenção, acredita
a pesquisadora.