LUIZ SUGIMOTO
Na resolução
nº 258/99 do Conselho Nacional do Meio Ambiente
(Conama), o governo federal determina que fabricantes
e importadores recolham e dêem um fim ambientalmente
adequado aos pneus que comercializam no país,
inclusive de bicicletas. Como um fim adequado, entenda-se
o reaproveitamento dos pneus nas variadas formas possíveis,
contribuindo para evitar a degradação
da natureza e a proliferação de vetores
de doenças como a dengue e a febre amarela.
A proporção determinada para 2002 foi
de 1 pneu inservível para 4 novos
ou reformados; em 2003, de 1 inservível para
2 novos ou reformados; agora, a partir de janeiro
de 2004, a proporção é de 1 por
1; e, em 2005, será de 5 inservíveis
para 4 novos ou reformados. No quinto ano de vigência
da resolução, o Conama reverá
as normas e procedimentos.
Entretanto, a lei pode ser cumprida recolhendo-se
os pneus velhos que os motoristas deixam nos revendedores,
enquanto, para o poder público, continuam sobrando
os pneus jogados a esmo no ambiente. O pneu
não se decompõe naturalmente.
Quando depositado
em aterros, as camadas de ar pressionam até
que aflore à superfície. Quando queimado,
libera gases poluentes. As soluções
atuais são para quantidades relativamente pequenas.
Acredito em uma solução para a quantidade
absurda de pneus existente, mas ela não será
tão rápida, nem tão fácil,
afirma Eglé Novaes Teixeira, professora da
Faculdade de Engenharia Civil (FEC) da Unicamp.
A professora orientou a dissertação
de mestrado de Ana Letícia Tarckiani dos Santos,
que apresentou uma metodologia para o gerenciamento
de pneus inservíveis, justamente à época
em que a resolução do Conama foi editada.
A adoção de critérios sugeridos
neste estudo permitiria a prefeituras e fabricantes
mapear os pontos de descarte de pneus-resíduo,
estimar quantidades, organizar a coleta e selecionar
modos de reciclagem, conforme o mercado, afirma
Eglé Teixeira.
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A
professora Eglé Novaes Teixeira: A
solução não será tão
rápida, nem tão fácil |
Enquanto
alternativas já conhecidas de reciclagem de
pneus são colocadas em prática, pesquisadores
da Unicamp e de outras instituições
seguem misturando novas fórmulas que minimizem
este impacto ambiental. De pneus triturados e da borracha
regenerada com a adição de produtos
químicos, obtêm-se pastas e resíduos
que servem para a produção, por exemplo,
de tapetes de automóveis, artefatos de vedação
e amortecimento, solados de sapatos, pisos industriais
e argamassas para construção. Pneus
inteiros são amarrados para a contenção
de encostas, canalização de córregos,
drenagem de gases em aterros sanitários e simulação
de recifes em benefício da indústria
pesqueira. Pneus velhos, também, geram energia,
substituindo com vantagens o carvão em fornos
industriais. A coqueluche do momento é
o uso de resíduos de pneus no asfalto, tornando-o
mais flexível e resistente, acrescenta
a pesquisadora da FEC.
Gerenciamento Como
uma formiga na base da montanha, Ana Letícia
percorreu Campinas atrás de pontos de descarte,
seguindo indicações de associações
de bairro; visitou fontes geradoras como revendedores,
borracharias e reformadores; conferiu a existência
de programas de coleta junto aos órgãos
municipais; pesquisou a legislação local;
e, na ponta da cadeia, investigou técnicas
de reciclagem e a produção de empresas
instaladas com este fim. Pela frota de veículos
de passeio licenciados no Detran em 1999 (motocicletas
incluídas), a pesquisadora estima que quase
1,4 milhão de pneus estão sendo descartados
neste momento em Campinas. Ficam fora desta estimativa
os ônibus, caminhões e bicicletas.
A grande dificuldade é
recolher os pneus inservíveis que a população
joga fora. Sem um sistema organizado de coleta, não
é possível obter pneus em quantidade
e qualidade exigidas na escala de produção
de reciclados, observa Eglé Teixeira.
Minha intenção era realizar um
levantamento completo do problema em Campinas, identificando
pontos geradores e áreas de depósitos
clandestinos de pneus-resíduo. Não poderia
fazer isto sozinha e não encontrei, entre fabricantes
e grandes revendedores, receptividade uma ajuda que
permitisse a formação de uma equipe,
lamenta Ana Letícia.
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Ana
Letícia Tarckiani dos Santos: Dificuldade
é recolher os pneus que não servem
mais |
Recauchutados A pesquisadora
chegou a pontos de despejo onde ocorre a queima de
pneus, com emissão de dióxido de enxofre.
Em trechos da Estrada dos Amarais, descarregam
pneus até de caminhões, mas eles não
permanecem ali por muito tempo. Provavelmente, catadores
passam em seguida recolhendo tudo. Na época,
um pneu que permite recauchutagem valia entre 3 e
5 reais junto ao reformador, conta. Este comércio
de recauchutados não deixa de ser profícuo.
Nas últimas décadas, a melhoria das
técnicas de manufatura permitiu aumentar consideravelmente
a vida útil dos pneus, tanto que a recauchutagem
é uma prática em 70% da frota de transporte
de cargas e passageiros no Brasil. Segundo Ana Letícia,
uma borracharia de bairro chega a juntar dez pneus
usados por semana, quantidade que é de 50 a
130 em revendedoras. Numa grande revendedora
instalada em shopping, os clientes deixam uma média
semanal de 375 pneus velhos, registra. O recauchutado
alcança mais de 50% do preço de um novo.
Ganha-pão Há
vários obstáculos para que os pneus
descartados se tornem uma alternativa de renda importante,
como são as latinhas de alumínio. Segundo
a professora Eglé Teixeira, a própria
trituração para reuso da borracha é
complicada, exigindo equipamentos pesados. Além
disso, as latinhas possuem um valor agregado muito
maior. Pneu velho se dá. Se as indústrias
de reciclados tiverem de pagar pelo material, será
o mínimo, observa. A professora acrescenta
que campanhas semelhantes às de limpeza de
praias e de rios, embora importantes do ponto de vista
ambiental, são muito esporádicas e a
coleta é insuficiente para alimentar uma indústria.
Ana Letícia dos Santos, porém, acredita
que, feito o mapeamento das áreas de bota-fora,
as associações de bairro poderiam receber
algum tipo de incentivo do poder público para
organizar a coleta. O incentivo pode ser um
início, mas não devemos esquecer a educação
ambiental, levando à coleta voluntária,
ressalva.
Fornos de cimenteiras são bom destino
final
Assegurar um mercado de reciclagem
é um passo fundamental, entre dez sugeridos
por Ana Letícia Tarckiani dos Santos
para tentar resolver o problema dos pneus descartados
no meio ambiente. Um bom destino final, em sua
opinião, são os fornos (clinquers)
das fábricas de cimento, que já
estão equipadas para amenizar a emissão
de poluentes na atmosfera na Europa,
essas empresas consomem 40% dos pneus inservíveis
como combustível, em lugar do carvão.
A cimenteira inglesa Blue
Circle Cauldon, ao substituir apenas 15% do
carvão de seu clínquer por pneu-resíduo,
registrou uma diminuição de 4%
na emissão de dióxido de enxofre,
de 32% no óxido de nitrogênio e
de 75% de dioxinas. A energia obtida sai
mais em conta, mesmo que a empresa precise pagar
pelos resíduos. O grande problema, no
Brasil, é que não se pode contar
com um fornecimento regular de pneus, na quantidade
necessária, afirma a pesquisadora.
Nem todos os pneus descartados,
porém, devem ser queimados, pois o reuso
e a reciclagem devem preceder à queima.
A fabricação de tapetes e outros
componentes automotivos, a partir da borracha
recuperada, já é uma solução
comum. Em Porto Feliz, a prefeitura utilizou
pneus para a canalização de um
rio, enquanto em Araras, um trecho da Rodovia
Anhanguera recebeu asfalto com um percentual
desses resíduos. No Nordeste, há
criações de moluscos em pneus
que simulam a estrutura dos corais. Técnicas
industriais permitem recuperar inclusive o arame
dos pneus. O armazenamento também é
um aspecto a ser resolvido, já que o
estoque não pode ficar a céu aberto
por questões de saúde pública.
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