MARIA
ALICE DA CRUZ
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O
fotógrafo André Louzas: imagens
ligadas aos circuitos de produção
e consumo cultural |
O real sempre deixa seus rastros,
ora representados por um vulto, uma sombra, uma ruína,
ora pela arte de um pintor popular. Esses elementos
imagéticos foram captados pelas lentes do fotógrafo
André Louzas, autor da dissertação
de mestrado Cidade floresta de índices,
orientada pelo professor Roberto Berton de Ângelo
e defendida no Instituto de Artes da Unicamp (IA).
Louzas seguiu os rastros da paisagem paulistana e
transformou-os em 30 cartões-postais inéditos.
Os índices, explica Louzas,
são indícios de algo acontecido na floresta
urbana. Testemunham a pobreza, a arte, o cotidiano
e a poesia que compõem a história de
São Paulo. Fotógrafo e jornalista, ele
debate a característica de imagem circulante
garantida à fotografia pelo avanço tecnológico,
que possibilitou novas modalidades de criação
na captação, na reprodução
e no tratamento de imagem. A reprodução
em larga escala, de acordo com o pesquisador, é
um dos fatores que distanciam a imagem trabalhada
da realidade. Enquanto índices ou vestígio
visual de seres e coisas, as fotos, na opinião
dele, jamais permitem que o observador encare diretamente
o mundo, embora pareçam colocá-lo em
contato estreito com os acontecimentos. Sem
a legenda, o observador da imagem geralmente não
saberia o que realmente aconteceu, argumenta.
Os vestígios dos 450 anos
da capital paulista estão impressos tanto na
imagem das ruínas quanto na expressão
recente de uma estátua viva, que se exibe na
praça por uns trocados. Tão recentes
também são as cores do cobertor que
aquece o indigente, impressas em um dos postais, e
do dia duro de trabalho de um pipoqueiro. O Minhocão,
uma das mais famosas vias expressas de São
Paulo, permite registrar vários índices,
sob a óptica de Louzas: o de um dia movimentado,
visto de cima; e outro da passagem de um artista popular,
que deixou suas marcas debaixo do viaduto, no grafite
da parede.
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Nas
fotos acima e abaixo, cenas que o autor da dissertação
transformou em cartões-postais: segundo
Louzas, sem a legenda o observador da imagem
não saberia realmente o que aconteceu
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A floresta de índices remete
a uma percepção de que é possível
misturar aspectos sociais, culturais, históricos
e até um pouco de poesia. Sob a mira de sua
objetiva, ele registrou os mais variados instantâneos,
em um trabalho próprio, individual, inspirado
nas idéias de grandes pensadores da imagem
no mundo moderno, como Walter Benjamin e Charles Sanders
Peirce.
Louzas caracteriza as fotografias
como mercadorias visuais ligadas aos circuitos de
produção e consumo cultural que ganharam
ao longo da história formas sempre renovadas
de garantir um fluxo ininterrupto, seja como cartes-de-visite,
cartões-postais, imagens impressas em jornais,
revistas e, mais recentemente, nas diversas mídias
eletrônicas.
História
O fotógrafo e jornalista vinculou reflexão
e produção visual para examinar a relação
entre imagem e espaço urbano, a partir do pressuposto
de que essas ligações deixam raízes
profundas, disseminadas pela expansão da sociedade
capitalista moderna. As análises paralelas
que integram os textos iniciais da dissertação,
mostram que fotografia e cidade fazem parte de um
mesmo contexto histórico, marcado por redes
técnico-científicas e pela presença
hegemônica de um mercado em escala planetária.
O autor da dissertação
fez uma leitura da história dessa tecnologia,
analisando o desenvolvimento da fotografia desde a
descoberta de Louis-Joseph Nicéphore Niepce
e Jacques Mandé Daguerre até chegar
ao terreno da industrialização e urbanização
do século 19, quando ela expandiu em termos
de impacto cultural.
Louzas defende que os recursos técnicos
não são, simplesmente, ferramentas,
instrumentos passivos, mas sim modos de interação
com o mundo. Como os demais aparatos tecnológicos,
o mecanismo fotográfico não se limita
a gerar determinado produto ou prestar um dado serviço
aos seres humanos: ele também interfere na
maneira como as pessoas percebem e se relacionam com
o tempo e o espaço, com a sociedade e a natureza,
explica.
A influência social da fotografia,
segundo o pesquisador, foi apontada em meados do século
19 por intelectuais, como o escritor Charles Baudelaire,
mas ganhou mais consistência no século
20, com a utilização intensa pela imprensa
e pelos movimentos de vanguarda. Foram esses grupos,
argumenta Louzas, que passaram a explorá-la
como novo recurso tecnológico para romper
as tradicionais fronteiras entre produção
artística e conhecimento científico,
bem como para adaptar a criação cultural
às demandas de uma sociedade massificada.
As
investidas policiais para identificar e punir manifestantes
políticos também não fugiram
da análise de Louzas. No capítulo 2
de sua dissertação, intitulado Visões
no espaço urbano, ele observa a participação
da fotografia em momentos de grande conflito da história
mundial. A irrupção da Comuna de Paris
é um dos episódios citados pelo pesquisador.
Na sua avaliação, as criações
dos fotógrafos Alphonse Liébert e Eugène
Appert, publicadas por empresas jornalísticas,
ajudaram a criar entre os leitores a imagem da Comuna
como um movimento sanguinário. Na época,
revoltados e criminosos se misturavam à população,
mas eram identificados em fotos. Segundo Louzas, foi
a partir dessas imagens, captadas nas barricadas,
que os líderes da Comuna acabaram executados.
Com sua dissertação,
Louzas propõe que a fotografia seja acima de
tudo uma ação consciente, uma interferência
do fotógrafo no mundo e um vínculo entre
o profissional e o ser humano. A compreensão
do que os seres humanos pensam e fazem cada vez mais
depende da presença dinâmica de elementos
como a foto, o cinema, o vídeo e o computador,
conclui.