A química de um
romance premiado
Romance rende prêmio nacional de literatura a professor da Faculdade de Engenharia Química
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O professor Marco Aurélio Cremasco: "É da natureza da química transformar a matéria em alguma coisa".
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LUIZ SUGIMOTO
Um romance escrito de forma diletante, descompromissada, recheado por muitas idéias que surgiram em rodas de cerveja ou floresceram em meio à paisagem de uma viagem de automóvel, acaba de conquistar o Prêmio Sesc de Literatura, concurso nacional que, em sua primeira edição, atraiu a concorrência de 322 obras. O autor de "Santo Reis da Luz Divina" é Marco Aurélio Cremasco, professor da Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Unicamp.
Cremasco faz sua estréia no romance, mas escreve poesias há 24 anos e, em 1997, conquistou o Prêmio Xerox do Brasil & Revista Livro Aberto com "A Criação". O primeiro lugar no Prêmio Sesc significa a publicação do livro pela Record, com os cuidados de edição e acabamento característicos da editora. A cerimônia de premiação está programada para os dias 8 e 9 de junho, no Rio de Janeiro.
Faltavam poucos dias para o encerramento das inscrições, quando Cremasco recebeu a mensagem eletrônica de um amigo informando sobre o Prêmio Sesc. Na tela do computador, estava aberta a décima versão de "Santo Reis...", que o professor vivia relendo e reescrevendo por puro prazer. Deu-se conta, então, de que já tinha definido o destino das personagens e que o romance estava pronto. Saindo de viagem para Uberlândia, pediu, apressadamente, que a esposa enviasse as 224 páginas impressas ao Sesc, esquecendo depois o assunto.
"Quis aproveitar a oportunidade de momento. O concurso fez com que eu parasse de escrever o livro, de continuar fazendo das releituras um entretenimento. Achei que o romance já estava em condições de ser submetido, mas não guardava a menor expectativa de ser premiado. Foi uma enorme surpresa, principalmente porque a estrutura não segue as regras usuais para um romance e nas comissões julgadoras estavam nomes consagrados como Antonio Torres e Ítalo Moriconi. É o prêmio mais importante da minha vida", afirma.
Cremasco alerta o leitor de que não se trata de um livro linear e que o fluxo se dá como em conversa de amigos, onde as falas de um e de outro se misturam, assim como a ficção e os fatos históricos. Sem utilizar parágrafos, o professor da FEQ conta a saga das famílias de Santo Reis e da mulher Esperança antes e depois que os dois se encontram na cidade também fictícia de Luz Divina. Para contextualizar a saga, o autor recorreu a fatos históricos que resgatam a colonização do norte do Paraná e lembram a Guerra do Paraguai, a Proclamação da República, a gripe espanhola, a revolta do Forte de Copacabana, a revolução paulista de 1924, o início da cultura do café na região, a Coluna Prestes, a revolução de 1930, a ascensão de Getúlio Vargas e seus embates com o marechal Cândido Rondon, a visita do presidente Roosevelt ao país e a batalha de Itararé, que não houve.
"As personagens, mesmo Santo Reis, cujo nome remete a herói, não passam de pessoas comuns que de algum modo se fazem presentes nos acontecimentos históricos. Na história brasileira que vai do início da década de 1920 até meados da década de 30, temos inúmeras batalhas e grandes movimentos sociais, é um período meio épico", observa Cremasco.
A concepção "Santo Reis da Luz Divina" vinha sendo escrito por Marco Aurélio Cremasco desde o ano de 2000, sem preocupação com a técnica nem com a disciplina. "Não sou daqueles que escrevem compulsivamente e ficam horas no computador. Numa viagem de carro, vi um tucano voando, ipês amarelos, e decidi que precisava incluir aquele cenário no romance; lembrei-me de meu irmão e procurei escrever sobre ele; em outra viagem, vi a placa para Piraju e visitei a quermesse de São Sebastião. Na verdade, estava me divertindo", afirma o autor.
O romance, contudo, não foi escrito sem método, segundo ressalta o engenheiro químico. "É da natureza da química transformar a matéria em alguma coisa, enxergar o processo em seu todo. Diante de um problema, procuro outras fontes para subsidiar minhas informações e solucioná-lo; ao criar uma personagem, preciso buscar informações para dar-lhe consistência. Acredito que esta visão sistêmica nos ajuda em outras áreas e, em mim, a escrita sempre conviveu com a engenharia química. Tudo é uma questão de concepção", finaliza Cremasco.