Será lançada no dia 22 a versão eletrônica do mais
completo levantamento da flora brasileira
Flora brasiliensis on-line
CLAYTON LEVY
Em 1817, o médico e botânico alemão Carl Friedrich Philipp von Martius desembarcou no Brasil liderando a Missão Austríaca, formada por cientistas e artistas europeus. Interessado na rica e exuberante flora tropical, a expedição percorreu 10 mil quilômetros durante três anos. Em 1820, de volta à Alemanha, Von Martius iniciou o trabalho de organização das informações, que resultou em Flora Brasiliensis, o mais completo e abrangente levantamento da flora brasileira, com a descrição de 22.767 espécies 19.629 brasileiras e 5.689 que eram novas para a ciência da época e 3.811 desenhos de plantas, suas flores, frutos e sementes. Cem anos depois da publicação do último dos 40 volumes, a obra acaba de ganhar uma inédita versão eletrônica, cujo desenvolvimento é encabeçado pelo botânico George Shepherd, professor do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp.
Batizada de Flora Brasiliensis On-Line, a nova ferramenta tornará acessível e público o conteúdo da obra que até agora só podia ser consultada em bibliotecas especializadas. A versão eletrônica retoma e atualiza o trabalho de Von Martius, só que desta vez em larga escala e usando tecnologias de compartilhamento de dados. Um dos objetivos, segundo Shepherd, é facilitar o trabalho integrado no campo da pesquisa, permitindo uma ampla revisão da flora brasileira. “Queremos criar um ambiente colaborativo de fácil acesso, como num laboratório sem paredes”, diz o professor.
O Ministério do Meio Ambiente estima em 50 mil as espécies que compõem a flora brasileira, mas o número pode ser bem maior, havendo quem fale em até 70 mil. “O Brasil é um dos países mais ricos em biodiversidade e certamente ainda há muitas espécies desconhecidas”, observa o professor do IB. Segundo ele, embora tenha descrito apenas as espécies que representavam o conjunto das plantas conhecidas até meados do século 19, a obra de Von Martius continua como principal referência no estudo da flora brasileira. “Mesmo cem anos depois, o trabalho ainda é consultado no dia-a-dia para se saber o que existe no país”.
Orçado em R$ 425,8 mil, o trabalho está sendo financiado pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Vitae Apoio à Cultura, Educação e Promoção Social, e Natura Cosméticos. O lançamento oficial do site (http://florabrasiliensis.cria.org.br) acontece no próximo dia 22, durante a 8ª Reunião da Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP-8), que vai de 20 a 31 de março, em Curitiba.
O desenvolvimento e gerenciamento do site estão a cargo do Centro de Referência em Informação Ambiental (Cria), com sede em Campinas. Dirigido pelo professor Vanderlei Perez Canhos, aposentado na Faculdade de Engenharia de Alimentos da (FEA) da Unicamp, o Cria já havia sido escolhido para manter o Sistema de Informação Ambiental do Biota (SinBiota), desenvolvido com o objetivo de integrar informações geradas pelos pesquisadores vinculados ao Programa Biota/Fapesp e relacioná-las a uma base cartográfica digital.
Rico em detalhes O trabalho, porém, conta com a colaboração de diversos pesquisadores no Brasil e Exterior. A digitalização das imagens, por exemplo, foi feita pelo Jardim Botânico de Missouri (EUA). Em alta resolução e riqueza de detalhes, os desenhos poderão ser consultados pelo nome científico de cada espécie, por volume ou página da obra. O usuário também poderá aproximar a imagem, como se usasse uma lente de aumento para observar os desenhos. Já os textos, cerca de 11 mil, todos em latim, estão em fase de digitação. Mas já é possível consultar 40% do material.
O próximo desafio do projeto será o desenvolvimento de um catálogo atualizado com os nomes das espécies da flora brasileira. Por enquanto, um estudo piloto, coordenado por George Shepherd, está atualizando a nomenclatura de um número limitado de famílias. “Os taxonomistas [que descrevem e classificam organismos] dependem de obras históricas, restritas a bibliotecas e herbários no exterior”, explica o pesquisador. “O site faz parte de um trabalho de integração de dados envolvendo muitos países, num esforço para renovar a taxonomia, derrubando barreiras que impedem o desenvolvimento da área”, completa.
Para o presidente da Fapesp, Carlos Vogt, um dos aspectos mais importantes de Flora Brasiliensis é o reconhecimento histórico internacional. “Os milhares de gêneros e espécies botânicos da flora brasileira, agora em meio eletrônico, permitirão acesso amplo de estudiosos e da sociedade em geral à riqueza científica e cultural da obra de Von Martius”, destaca. “O projeto conecta um dos maiores trabalhos sobre biodiversidade jamais produzidos com um dos principais programas mundiais de pesquisa em biodiversidade, o Biota-Fapesp”, acrescenta o diretor científico da Fundação, Carlos Henrique de Brito Cruz.