| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 313 - 20 de fevereiro a 5 de março de 2006
Leia nesta edição
Capa
Brasiléia II
Drenagem torácica
Lattes
Alfredo Marques
Mandarim 7, 8 e 9
Caism, 20 anos
Videoconferência no IG
História Peculiar
Lazer & mercadoria
Vida Acadêmica
Teses
Vanguarda Paulista
Rediscutir a creatina
Face feminina na Internet
Flora Brasiliensis
 

3

Utilizado por serviços de emergência, dispositivo contribui para
segurança no transporte e recuperação das vítimas

Válvula de drenagem
torácica criada na FCM
tem eficiência comprovada

PAULO CÉSAR NASCIMENTO

Simulação de acidente em aula da FCM: traumatismo torácico responde por 25% dos óbitos decorrentes de traumas em geral (Foto: Neldo Cantanti)A eficiência de uma válvula para drenagem torácica desenvolvida pelos cirurgiões Alfio José Tincani e Gilson Barreto, da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, foi comprovada em dissertação de mestrado defendida em fevereiro pelo médico Alexandre Garcia de Lima, do Departamento de Cirurgia do Hospital de Clínicas (HC). Utilizado em pacientes com traumas torácicos socorridos por serviços de emergência fora de hospitais, o aparato colaborou para o transporte das vítimas com segurança em ambulâncias e contribuiu para acelerar a recuperação clínica. Batizada de Dispositivo de Válvula Unidirecional (DVU), a peça substitui com vantagens o descômodo selo de água – recurso tradicionalmente empregado em drenagens – e, produzida em escala industrial, pode ter custo vinte vezes menor que o similar importado.

DVU tem custo cinco vezes menor que similar importado

Responsável por 25% dos óbitos dos doentes vítimas de trauma em geral, o traumatismo torácico é, depois das lesões de abdome, o segundo em incidência. Entre as causas mais freqüentes estão os acidentes automobilísticos e ferimentos provocados por arma branca ou de fogo. A demora para drenagem traz sérios riscos de morte às vítimas, já que os pulmões, situados em duas cavidades laterais do tórax, podem ser comprometidos por líquidos secretados pelo organismo, como sangue e serosidade.

O procedimento mais comumente utilizado com o objetivo de prevenir o refluxo de ar ou fluidos para a cavidade pulmonar é a conexão dos drenos torácicos a frascos plásticos ou ainda de vidro conhecidos como selos de água. O mecanismo proporciona o fluxo unidirecional necessário à re-expansão pulmonar, isto é, possibilita a saída de líquidos e gases durante a expiração e impedem o refluxo destes durante a inspiração. Contudo, há inconvenientes em seu uso tanto no ambiente hospitalar quanto no atendimento pré-hospitalar, argumentam Alfio e Alexandre.

Com capacidade para dois litros e semelhante a um galão de água mineral, o recipiente precisa ser mantido em nível mais baixo que o tórax do paciente, geralmente no chão ao lado da cama ou da maca no hospital, o que traz riscos de queda e vazamento do conteúdo, além da possibilidade de descontinuidade das conexões entre o tubo e o frasco. O sistema tem ainda o incômodo de confinar o paciente ao leito ou à cadeira, dificultando seus movimentos e sua locomoção.

O médico Alexandre Garcia de Lima e o professor Alfio José Tincani: no estudo, válvula foi usada em 22 pacientes (Foto: Antonio Scarpinetti) Em uma ambulância, a principal dificuldade é o desnivelamento do frasco coletor em relação ao paciente, já que não há espaço hábil no interior da viatura de socorro para o dreno ser colocado com segurança, havendo também um grande risco de tombamento do recipiente. O problema se agrava pela movimentação e trepidação do veículo, pela má iluminação nos locais de atendimento e pelo estresse emocional da equipe e dos populares envolvidos.

Vietnã – Mecanismos têm sido desenvolvidos com o intuito de substituir com mais segurança e com igual eficiência os selos de água em situações de urgência pré-hospitalar. Criada em 1965 nos Estados Unidos, a válvula de Heimlich, sistema unidirecional mais antigo e mais amplamente usado em substituição ao selo de água, foi inicialmente desenvolvido e utilizado para o tratamento de soldados vítimas de ferimentos torácicos na guerra do Vietnã. “No entanto, muitas complicações têm sido relatadas sobre o funcionamento do dispositivo e a principal delas é a chance de oclusão de suas extremidades na presença de fluidos ou de sangue”, observa o professor Alfio Tincani.

No início da década de 90, após constatar que os mecanismos de válvulas ou de fluxo unidirecional até então existentes eram pouco confiáveis para uma situação de risco de vida iminente, como também de difícil aquisição no mercado nacional, seja pela não disponibilidade, seja pelo alto custo de importação, Tincani e Gilson Barreto projetaram um produto nacional alternativo.

O DVU recebeu a premiação de menção honrosa pelo mérito do invento no Prêmio Governador do Estado de São Paulo, em 1992, e foi usado inicialmente em oito casos de pneumotórax (presença de ar nas pleuras, membranas que recorrem os pulmões) tratados no HC da Unicamp, com resultados apresentados no 12o Congresso Brasileiro de Cirurgia Torácica, no ano anterior. “Na ocasião, o dispositivo mostrou-se seguro e os pacientes tiveram resolução completa da sua doença, sem nenhuma falha ou necessidade de troca de aparato”, afirma o médico.

Faltava conhecer a eficiência e a segurança do engenho no sistema de atendimento de urgência médica pré-hospitalar, o que só veio a ocorrer dez anos depois, quando o médico Alexandre Garcia de Lima iniciou sua pesquisa de pós-graduação na área de cirurgia torácica. “Conheci a válvula e, visto que o sistema de selo de água está aquém das necessidades do socorro emergencial pré-hospitalar, propus avaliar o uso do dispositivo na drenagem torácica no campo, nas vítimas de trauma torácico atendidas nos locais dos acidentes ou de tentativas de homicídio, bem como naqueles pacientes que foram submetidos à drenagem do tórax por qualquer outro motivo e que tiveram que ser transferidos entre unidades de saúde, por meio do Samu”, explica Lima.

Benefícios – No período compreendido entre maio de 2002 e maio de 2004, ele utilizou o DVU em 22 pacientes que atendeu como médico emergencista do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) de Campinas. O destino final dos doentes distribuiu-se assim: três (13,6%) casos foram encaminhados ao HC da Unicamp, oito (36,4%) ao Hospital Municipal Dr. Mario Gatti e 11 (50%) casos para o Hospital e Maternidade Celso Pierro, da PUC-Campinas. Segundo Alexandre Lima, comparando o quadro clínico dos pacientes antes da drenagem e no momento de chegada ao hospital, constatou-se melhora dos parâmetros aferidos como pressão arterial, freqüência cardíaca e respiratória.

“A literatura internacional tem dado grande importância à drenagem pré-hospitalar como fator de estabilização do quadro clínico dos doentes”, ressalta o médico. Ele relacionou ainda em seu estudo outros importantes benefícios, como a melhora da sobrevida e a diminuição de morbidade e do tempo de internação. “Concluí que a válvula é útil, segura e bem aceita pelas equipes de atendimento hospitalar e pré-hospitalar, além de ser uma alternativa nacional menos dispendiosa e mais acessível do que os similares importados”, assegura.

Uma única unidade da válvula de Heimlich custa R$ 1.000 e é um produto descartável. De acordo com Alfio Tincani, o preço comercial do DVU seria de R$ 50,00. O valor é também mais baixo que o do frasco de selo de água, que custa R$ 160. Os profissionais da equipe médica do serviço de atendimento pré-hospitalar e também dos hospitais de referência foram questionados por Alexandre Lima quanto ao conhecimento do sistema de drenagem torácica com válvula, quer seja pelo protótipo da Unicamp ou qualquer outro similar.

Avaliando o grau de conhecimento da equipe de atendimento do Samu, dos pronto-atendimentos e dos pronto-socorros hospitalares, constatou-se que, para os médicos do serviço móvel, o sistema de DVU era familiar em 18 (81,8%) das vezes. Todavia, nos pronto-atendimentos e nos hospitais de referência, somente em três (13,6%) ocasiões o sistema era conhecido, tanto na forma do DVU quanto em qualquer alternativa para o selo de água. O reconhecimento do sistema de válvula em todos os momentos ocorreu no HC da Unicamp. Em todas ocasiões em que o dispositivo de válvula não era conhecido, quer seja pela equipe do Samu, quer seja pelas equipes de atendimento em urgência dos outros serviços citados, o selo de água não foi substituído pelo DVU durante o período de atendimento.

Traquéia – Outro dispositivo criado por Alfio Tincani e Gilson Barreto, e em fase de obtenção de patente, deverá ajudar doentes submetidos a cirurgias que necessitam de entubação ou que precisam permanecer por longos períodos em UTIs. Denominado tubo endotraqueal de baixa pressão intermitente, o recurso poderá substituir o atual tubo que entra pela garganta do paciente para respiração artificial e que pode ocasionar um estreitamento de traquéia (chamada de estenose) em períodos de entubação prolongada.

Como é o DVU

O dispositivo de válvula unidirecional (DVU) consiste de um frasco de dreno de acrílico polido de 5 centímetros de diâmetro por 9 centímetros de comprimento, em forma de funil, que possui na sua extremidade mais larga uma rosca para conexão com a tampa de frasco, também de acrílico polido, onde se interpõe o mecanismo valvular maleável, de borracha natural de látex. À tampa do frasco se conecta o dreno tubular de borracha maleável que foi previamente introduzido cirurgicamente na cavidade pulmonar. Na outra extremidade do frasco do dreno há conexão para uma bolsa coletora tradicional de dreno do tórax.
“Ao contrário do selo de água, de difícil mobilidade, o DVU permanece junto ao tronco do paciente, até a altura da cintura, aproximadamente, proporcionando-lhe uma situação mais confortável e facilitando seu deslocamento”, observa o professor Alfio Tincani. Os protótipos foram montados e testados nos laboratórios do Centro de Tecnologia da Universidade. Patenteada pela Unicamp, a invenção aguarda empresas interessadas em produzi-la em escala industrial.

 

 


SALA DE IMPRENSA - © 1994-2005 Universidade Estadual de Campinas / Assessoria de Imprensa
E-mail: imprensa@unicamp.br - Cidade Universitária "Zeferino Vaz" Barão Geraldo - Campinas - SP