| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 313 - 20 de fevereiro a 5 de março de 2006
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Sobre como gaúchos colonizaram o oeste do Paraná,
esquecido por décadas desde a Guerra do Paraguai

História peculiar de uma
gente em terras inóspitas

LUIZ SUGIMOTO

(Foto: Antoninho Perri)Está fazendo 60 anos que 21 gaúchos partiram para uma extenuante viagem até o extremo oeste do Paraná, só alcançando o destino graças a trilhas abertas pela tropa do Marechal Rondon em perseguição à Coluna Prestes. Eram desbravadores em região inóspita, que iniciaram a demarcação das terras ricas em madeira e de solo roxo, com o propósito de vendê-las a agricultores gaúchos. A notícia correu rápida em Porto Alegre e na Serra Gaúcha, entre famílias sem chance de inserção nas áreas rurais ou urbanas no Estado e que praticavam uma forma histórica de hereditariedade: o filho mais velho ficava com a propriedade, enquanto os mais novos deviam buscar seus próprios meios de sobrevivência – um tanto cruel, pois a família gerava muitos filhos justamente para poder tocar a propriedade.

Em 1940 havia 7.645 habitantes em todo o extremo oeste do Paraná. A população saltou para 16.421 em 1950 e para 135.697 em 1960. Pesquisa realizada por um grupo de geógrafos em 1958 apontou que este fluxo foi basicamente de gaúchos – vindos do norte e nordeste do Rio Grande do Sul e também de Santa Catarina – e que naquele ano representavam 69% do total de imigrantes. Ricardo Rippel, professor de economia da Unioeste, já tinha participado de um diagnóstico econômico da área, a pedido da Hidrelétrica de Itaipu, quando veio bater no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp para o doutorado em demografia. “Depois de estudar a economia da região, quis saber o que aconteceu com sua população”, justifica.

Rippel, na tese orientada pelo professor José Marcos Pinto da Cunha, esmiúça o peculiar processo de ocupação da última porção geográfica não colonizada do Paraná, seguindo o movimento sócio-econômico nacional denominado “Marcha para o Oeste”, deflagrado logo após a revolução de 1930, mas que ali foi estimulado somente com o fim da Segunda Guerra. A peculiaridade, segundo o pesquisador, está no fato de que embora a região tenha atraído grande leva de imigrantes na etapa de ocupação, seu desenvolvimento significou a inversão deste processo migratório, tornando-a área de elevada evasão populacional, em curto espaço de tempo.

O professor Ricardo Rippel: "Depois de estudar a economia da região, quis saber o que aconteceu com a população" (Foto: Divulgação)No vácuo – “Conquistado para o território brasileiro na Guerra do Paraguai, o oeste paranaense permaneceu esquecido por muito tempo. Primeiramente porque acabou em mãos de uma empresa da Inglaterra, por conta de dívidas do Brasil com a guerra, e também em função da distância de Curitiba – Toledo e Guaíra, por exemplo, ficam a 500 e 600 km da capital. Foz do Iguaçu, único município até então, fundado em 1914, servia muito mais como colônia militar para proteção da fronteira”, explica Ricardo Rippel. O mapa nesta página mostra o triângulo incrustado entre o noroeste do Paraguai e o norte da Argentina, tendo Santa Catarina e Mato Grosso do Sul como limites nacionais.

A empresa inglesa, que ostentava o nome espanholado de Companhia de Madeiras Del Alto Paraná, explorou madeira e erva-mate nativa até meados da década de 1940, quando desistiu do processo extrativista e devolveu a titulação de propriedade ao governo brasileiro. Foi quando os desbravadores gaúchos, que já vinham exercendo atividades de colonização no oeste de Santa Catarina, souberam que as glebas seriam disponibilizadas a bom preço e se cotizaram para criar em Porto Alegre a Industrial Madeireira Colonizadora Rio Paraná, empresa privada de colonização. A intensa campanha de vendas, principalmente junto a descendentes de alemães e italianos na Serra Gaúcha, estimulou grandes fluxos de migrantes para o oeste paranaense.

Economia – “Inicialmente, a ocupação da fronteira foi calcada na extração de madeira e na própria venda de terras, que geraram uma atividade econômica forte. Depois se plantou um pouco de café (apesar das geadas), o milho e a hortelã, erva bastante utilizada até surgirem os aditivos químicos que substituíram seu óleo natural. Esteve sempre muito presente, também, a criação de suínos, que asseguravam gordura, carne e couro aos colonos”, informa Ricardo Rippel. A partir dos anos 1960, com a modernização agrícola do país e a “revolução verde”, expandiram-se culturas mais fortes, especialmente a soja, o algodão, o trigo e o milho agora produzido em escala tecnológica. A suinocultura se fortaleceu e, na década de 70, cresceu a avicultura.

Foz do Iguaçu era ainda o único município em 1950, mas ao final daquela década haveria mais quatro distritos emancipados: Cascavel, Toledo, Guaíra e Guaraniaçu. Em 70 já eram 21 cidades, até chegar a 50 em 2000. “Esses municípios surgiram em volta de três núcleos urbanos importantes e que comandam a economia da região até hoje, pela ordem: Cascavel, Foz do Iguaçu e Toledo. Cascavel e Foz do Iguaçu estão com cerca de 300 mil habitantes; Toledo tem 107 mil, mas apesar da população bem menor possui uma estrutura industrial muito forte. A agricultura mantém sua importância, mas hoje a economia da região é puxada pela indústria e frigoríficos de suínos e aves. Está em Toledo o maior abatedouro de suínos da América Latina e um dos maiores de aves”, explica Rippel.

O refluxo – A mudança no sistema produtivo, segundo o professor, justifica o arrefecimento do fluxo de imigrantes a partir dos anos 60. A adoção de tecnologias avançadas no setor agrícola implicava dispensa de mão-de-obra intensiva e a exigência de maior qualificação, o que mudou também o perfil dos imigrantes. “Não se pode esquecer que a região foi ocupada dentro do padrão capitalista, desde as empresas colonizadoras privadas. Para oferecer uma idéia deste rebate, note-se que em 1975 havia 50.267 propriedades de zero a 10 hectares, número que em 1991 caiu a menos da metade, 23.631. As propriedades médias se mantiveram estáveis, de 38.827 para 38.984. Por outro lado, aquelas de 100 a 1.000 hectares, que são as mais avançadas tecnologicamente, subiram de 1.742 para 2.295. A produção que era intensiva em mão-de-obra passou a ser intensiva em tecnologia”, observa Rippel.

Tanto em economia como em demografia usa-se um indicador consagrado que é o número médio de tratores utilizados em uma área agrícola – um trator desocupa uma média de 10 a 12 trabalhadores, e até 19 conforme a cultura. “Esse pessoal foi para os centros urbanos da área, para outras regiões do Estado ou se aventurou em novas fronteiras agrícolas pelo país. Em 1975, o oeste do Paraná registrava 10.216 tratores (segundo o último levantamento disponível), chegando ao triplo em 95, com 31.986. A tecnologia entrou firme e mudou radicalmente o cenário. Se em 1970 tínhamos 80,13% da população da região residindo na zona rural, e apenas 19,87% na área urbana, o quadro em 2000 estava totalmente invertido: 18,4% dos habitantes no campo e 81,6% nas cidades”, descreve.

A expulsão – Em seu trabalho, Ricardo Rippel demonstra que além de um fluxo grande da população do campo para áreas urbanas do próprio oeste do Paraná, atrás de inserção no setor de serviços, aconteceu também importante fluxo intra-regional para municípios circunvizinhos, outro intra-estadual, principalmente com destino à Região Metropolitana de Curitiba e áreas de Londrina e Maringá, e o movimento emigratório para outros Estados, como o interior de São Paulo e novas fronteiras que se abriam no Mato Grosso do Sul e Rondônia. “É interessante que muitos também seguiram as trilhas de volta para Santa Catarina e Rio Grande do Sul. O oeste do Paraná, que segundo o IBGE era considerado um dos maiores pontos de absorção migratória ainda em 1979, tornava-se uma região de expulsão”, constata o professor da Unioeste.


Mudam a paisagem e o perfil da população

Mapa atual da região oeste do Pará, que tinha Foz do Iguaçu como único município até a década de 1950 (Foto: Divulgação)No oeste do Paraná, o cenário deixou de ser predominantemente agrícola há bom tempo. Mudou o cenário e o perfil dos imigrantes. No período de 1960 a 70, entre os chefes de família de imigrantes, 37,5% não tinham qualquer instrução e 45,2%, o primário incompleto; apenas 14,9% chegaram ao ginásio, 1,2% completaram o colegial e 1,1% ostentavam diploma superior. Mas entre 1990 e 2000, os sem instrução estavam reduzidos a 8,3% e, na outra ponta, 26% dos descendentes de imigrantes detinham o ensino superior.

O professor Ricardo Rippel afirma que a região superou algumas de suas dificuldades, que do fim dos anos 80 até meados dos 90 provocaram um fluxo importante de emigrantes para outros Estados ou outras regiões do Paraná, por necessidades de saúde, educação ou inserção no mercado. “Hoje temos três núcleos urbanos muito fortes (Cascavel, Toledo e Foz do Iguaçu), com bom padrão de desenvolvimento e que conseguem prestar serviços de qualidade à população regional. Dentre as dez cidades com os melhores IDHs (índice de desenvolvimento humano) do Estado, quatro estão na região. Cascavel, é o terceiro maior centro médico do Paraná, atendendo inclusive a demandas do noroeste da Argentina e da área fronteiriça com o Paraguai”, exemplifica.

De acordo com Rippel, ao mesmo tempo em que o oeste paranaense se desenvolveu economicamente, com crescente participação da indústria e do setor de serviços, foram criados pólos de ensino e pesquisa de bom nível, como a estadual Unioeste e a privada Unipar, além da Universidade de Tuiuti e a Uniamérica de Foz do Iguaçu. “Creio que o oeste do Paraná encontra-se em momento de acomodação. Pode-se dizer que atualmente é uma região de transição, apresentando uma circularidade migratória interessante. Perdemos indivíduos, ainda, mas se vão aqueles com menos qualificação e vêm mestres e doutores”.

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