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Pesquisadora avalia prática educativa de ONG
em São Paulo e constata erros semelhantes
Durante quatro meses, a educadora Luciane Vieira Palma realizou um mergulho no cotidiano da organização não-governamental Associação Meninos do Morumbi (AMM), entidade que atende cerca de 4 mil crianças e adolescentes de áreas carentes de São Paulo. Nesse período, ela assumiu o duplo papel de aluna e pesquisadora. Seu objetivo era compreender melhor o trabalho da AMM e identificar como os resultados obtidos por ela poderiam eventualmente colaborar para a melhoria do ensino nas escolas. Entretanto, a autora aponta em seu estudo que a prática educativa adotada pela ONG apresenta problemas semelhantes aos encontrados na educação formal. As experiências vividas por Luciane Palma embasaram a sua dissertação de mestrado No Morumbi, entre meninos e tambores reflexões sobre a educação a partir da vivência no/do cotidiano de uma Ong em São Paulo. A pesquisa teve a orientação da professora Maria Teresa Eglér Mantoan, da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, e a defesa foi acompanhada de uma exposição da artista Pama Loiola, que fez a “interpretação plástica” do trabalho acadêmico.
AMM faz trabalho importante há 10 anos
Embora trabalhem com conteúdos e objetivos diferentes, tanto a educação formal quanto a não-formal deveriam buscar, na opinião de Luciane, a construção de um “fazer próprio”, vinculado a uma visão de ensino inovadora. Ocorre, entretanto, que muitas vezes ambas passam ao largo dessa missão, como constatou a educadora em seu estudo. Aliás, ela assinala que não vê sentido nessa distinção. “Desde que uma instituição escolar ou não se dedique à formação de cidadãos, ela tem responsabilidades a cumprir”, afirma. A AMM, conforme a pesquisadora, tem feito um trabalho importante ao longo dos últimos dez anos, promovendo a inclusão social de crianças e adolescentes por meio da arte.
Mas durante a sua experiência como integrante da entidade, Luciane constatou que as práticas educativas empregadas por ela apresentam problemas que se aproximam daqueles experimentados pela escola formal. Um exemplo disso é a forma como a música é ensinada na AMM. No caso da percussão, os movimentos são repetitivos, sem compromisso maior com a cognição. “Sem vínculo com outros aspectos da aprendizagem, essa repetição não faz muito sentido. Afinal, o conhecimento é o resultado das relações que estabelecemos”, diz. A pesquisadora lembra que, em última análise, essa visão mais ampla sobre as possibilidades e responsabilidades da educação está intimamente ligada àquilo que conhecemos como formação da cidadania.
Dores do mundo No entendimento de Luciane Palma, essa cidadania deve ser compreendida como algo que vai além da vigilância sobre nossos direitos ou o cumprimento de nossos deveres. “Cidadania é a ação que vincula o projeto individual de um sujeito a um projeto coletivo”, define. E completa, valendo-se do pensamento de Nilson José Machado, professor da Universidade de São Paulo (USP): “Essa articulação possibilita aos indivíduos, em suas ações ordinárias, em casa, no trabalho, ou onde quer que se encontrem, a participação ativa no tecido social, assumindo suas responsabilidades para com os interesses e o destino de toda a coletividade. Neste sentido, educar para a cidadania significa prover os indivíduos de instrumentos para a plena realização desta participação motivada e competente, desta simbiose entre interesses pessoais e sociais, desta disposição para sentir em si as dores do mundo”.
Luciane adianta que submeterá suas observações à diretoria da AMM, para que ela reflita sobre a conveniência ou não de levá-las em consideração. “Tive a oportunidade de adiantar ao presidente da entidade, Flávio Pimenta, algumas das minhas conclusões. Neste encontro, senti que elas tiverem uma boa receptividade”. Para desenvolver a pesquisa, como dito anteriormente, a educadora vivenciou as mesmas experiências dos meninos e meninas integrantes da ONG. “Como eles, senti frio na barriga na primeira aula de percussão, medo da prova e receio de ‘fazer feio’ diante dos outros alunos. Ao mesmo tempo, não perdi de vista a minha condição de pesquisadora nem a minha proposta de compreender e analisar melhor as práticas educativas da entidade. Quanto às crianças e adolescentes, todos me acolheram completamente e demonstraram profunda compreensão do meu papel como estudiosa”, relata.
A AMM A Associação Meninos do Morumbi (AMM) foi criada em 1996 com o objetivo de empregar a prática musical como alternativa às drogas e à delinqüência juvenil, problemas freqüentes na periferia de São Paulo. Atualmente, a entidade tem em seus quadros perto de 4 mil crianças e adolescentes, a maioria de moradores de bairros como Campo Limpo, Paraisópolis, Morumbi, Vila Sônia, Jardim Jaqueline, Real Parque, Caxingui, além dos municípios de Taboão da Serra e Embu. A página do projeto na web (www.meninosdomorumbi.org.br) mostra que a agenda do grupo musical tem sido extensa e que “as apresentações se destacam pela qualidade musical, rara em projetos de caráter social”. Cada vez mais requisitados, os Meninos do Morumbi impressionam o público tocando, dançando e cantando mais de vinte arranjos como jongo, maracatu, funk, samba, maxixe e aguerê, o que os diferencia de qualquer outro grupo artístico”.
Pesquisa vira tema de instalação de arte
A pesquisa de Luciane Vieira Palma junto à Associação Meninos do Morumbi (AMM) mereceu uma “interpretação plástica” por parte da artista Pama Loiola. A exposição, intitulada “Entre Meninos e Tambores”, é composta por diversas instalações e foi inaugurada por ocasião da defesa da dissertação de mestrado. “Trata-se de uma obra aberta, sujeita a variadas interpretações por parte do observador. Minha preocupação foi criar um espaço cênico contendo códigos que traduzissem o trabalho acadêmico”, explica a artista, que foi apresentada a Luciane por meio da professora Maria Teresa Eglér Mantoan, orientadora desta última.
Pama Loiola conta que teve total liberdade para criar a exposição. Nas instalações, ela se valeu de materiais como fotografias, marionetes confeccionadas com madeira e cortiça e de lentes ópticas. “Esta é a primeira vez que uso uma pesquisa acadêmica como tema para o meu trabalho. Achei o desafio interessante, sobretudo porque foi uma oportunidade de promover a aproximação da ciência da subjetividade. Embora a ciência e a arte lancem mão de linguagens diferentes, elas podem andar juntas em algumas situações. Neste caso, por exemplo, nós compreendemos que a arte é transformadora e a educação também deve ser”, analisa a artista plástica.
Para Luciane Palma, a exposição complementou e ampliou o sentido da sua pesquisa. “Eu gostei muito do resultado final do trabalho. Trocamos muitas impressões ao longo de um ano, sendo que nosso entendimento ocorreu desde logo. Penso que a experiência foi muito valiosa para nós duas”, diz a autora da dissertação.
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