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Pesquisadora avalia prática educativa de ONG
em São Paulo e constata erros semelhantes

‘Entre meninos e tambores’
discute educação não-formal

MANUEL ALVES FILHO

A educadora Luciane Vieira Palma: "Mergulho no dia-a-dia de 4 mil crianças e adolescentes de áreas carentes". (Fotos Antoninho Perri)Durante quatro meses, a educadora Luciane Vieira Palma realizou um mergulho no cotidiano da organização não-governamental Associação Meninos do Morumbi (AMM), entidade que atende cerca de 4 mil crianças e adolescentes de áreas carentes de São Paulo. Nesse período, ela assumiu o duplo papel de aluna e pesquisadora. Seu objetivo era compreender melhor o trabalho da AMM e identificar como os resultados obtidos por ela poderiam eventualmente colaborar para a melhoria do ensino nas escolas. Entretanto, a autora aponta em seu estudo que a prática educativa adotada pela ONG apresenta problemas semelhantes aos encontrados na educação formal. As experiências vividas por Luciane Palma embasaram a sua dissertação de mestrado No Morumbi, entre meninos e tambores – reflexões sobre a educação a partir da vivência no/do cotidiano de uma Ong em São Paulo. A pesquisa teve a orientação da professora Maria Teresa Eglér Mantoan, da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, e a defesa foi acompanhada de uma exposição da artista Pama Loiola, que fez a “interpretação plástica” do trabalho acadêmico.

AMM faz trabalho importante há 10 anos

Embora trabalhem com conteúdos e objetivos diferentes, tanto a educação formal quanto a não-formal deveriam buscar, na opinião de Luciane, a construção de um “fazer próprio”, vinculado a uma visão de ensino inovadora. Ocorre, entretanto, que muitas vezes ambas passam ao largo dessa missão, como constatou a educadora em seu estudo. Aliás, ela assinala que não vê sentido nessa distinção. “Desde que uma instituição escolar ou não se dedique à formação de cidadãos, ela tem responsabilidades a cumprir”, afirma. A AMM, conforme a pesquisadora, tem feito um trabalho importante ao longo dos últimos dez anos, promovendo a inclusão social de crianças e adolescentes por meio da arte.

Mas durante a sua experiência como integrante da entidade, Luciane constatou que as práticas educativas empregadas por ela apresentam problemas que se aproximam daqueles experimentados pela escola formal. Um exemplo disso é a forma como a música é ensinada na AMM. No caso da percussão, os movimentos são repetitivos, sem compromisso maior com a cognição. “Sem vínculo com outros aspectos da aprendizagem, essa repetição não faz muito sentido. Afinal, o conhecimento é o resultado das relações que estabelecemos”, diz. A pesquisadora lembra que, em última análise, essa visão mais ampla sobre as possibilidades e responsabilidades da educação está intimamente ligada àquilo que conhecemos como formação da cidadania.

Dores do mundo – No entendimento de Luciane Palma, essa cidadania deve ser compreendida como algo que vai além da vigilância sobre nossos direitos ou o cumprimento de nossos deveres. “Cidadania é a ação que vincula o projeto individual de um sujeito a um projeto coletivo”, define. E completa, valendo-se do pensamento de Nilson José Machado, professor da Universidade de São Paulo (USP): “Essa articulação possibilita aos indivíduos, em suas ações ordinárias, em casa, no trabalho, ou onde quer que se encontrem, a participação ativa no tecido social, assumindo suas responsabilidades para com os interesses e o destino de toda a coletividade. Neste sentido, educar para a cidadania significa prover os indivíduos de instrumentos para a plena realização desta participação motivada e competente, desta simbiose entre interesses pessoais e sociais, desta disposição para sentir em si as dores do mundo”.

Luciane adianta que submeterá suas observações à diretoria da AMM, para que ela reflita sobre a conveniência ou não de levá-las em consideração. “Tive a oportunidade de adiantar ao presidente da entidade, Flávio Pimenta, algumas das minhas conclusões. Neste encontro, senti que elas tiverem uma boa receptividade”. Para desenvolver a pesquisa, como dito anteriormente, a educadora vivenciou as mesmas experiências dos meninos e meninas integrantes da ONG. “Como eles, senti frio na barriga na primeira aula de percussão, medo da prova e receio de ‘fazer feio’ diante dos outros alunos. Ao mesmo tempo, não perdi de vista a minha condição de pesquisadora nem a minha proposta de compreender e analisar melhor as práticas educativas da entidade. Quanto às crianças e adolescentes, todos me acolheram completamente e demonstraram profunda compreensão do meu papel como estudiosa”, relata.

Pama Loiola e a instalção montada para a defesa da dissertação: espaço cênico que traduz o trabalho acadêmico. A AMM – A Associação Meninos do Morumbi (AMM) foi criada em 1996 com o objetivo de empregar a prática musical como alternativa às drogas e à delinqüência juvenil, problemas freqüentes na periferia de São Paulo. Atualmente, a entidade tem em seus quadros perto de 4 mil crianças e adolescentes, a maioria de moradores de bairros como Campo Limpo, Paraisópolis, Morumbi, Vila Sônia, Jardim Jaqueline, Real Parque, Caxingui, além dos municípios de Taboão da Serra e Embu. A página do projeto na web (www.meninosdomorumbi.org.br) mostra que a agenda do grupo musical tem sido extensa e que “as apresentações se destacam pela qualidade musical, rara em projetos de caráter social”. Cada vez mais requisitados, os Meninos do Morumbi impressionam o público tocando, dançando e cantando mais de vinte arranjos como jongo, maracatu, funk, samba, maxixe e aguerê, o que os diferencia de qualquer outro grupo artístico”.

Pesquisa vira tema de instalação de arte

A pesquisa de Luciane Vieira Palma junto à Associação Meninos do Morumbi (AMM) mereceu uma “interpretação plástica” por parte da artista Pama Loiola. A exposição, intitulada “Entre Meninos e Tambores”, é composta por diversas instalações e foi inaugurada por ocasião da defesa da dissertação de mestrado. “Trata-se de uma obra aberta, sujeita a variadas interpretações por parte do observador. Minha preocupação foi criar um espaço cênico contendo códigos que traduzissem o trabalho acadêmico”, explica a artista, que foi apresentada a Luciane por meio da professora Maria Teresa Eglér Mantoan, orientadora desta última.

Pama Loiola conta que teve total liberdade para criar a exposição. Nas instalações, ela se valeu de materiais como fotografias, marionetes confeccionadas com madeira e cortiça e de lentes ópticas. “Esta é a primeira vez que uso uma pesquisa acadêmica como tema para o meu trabalho. Achei o desafio interessante, sobretudo porque foi uma oportunidade de promover a aproximação da ciência da subjetividade. Embora a ciência e a arte lancem mão de linguagens diferentes, elas podem andar juntas em algumas situações. Neste caso, por exemplo, nós compreendemos que a arte é transformadora e a educação também deve ser”, analisa a artista plástica.

Para Luciane Palma, a exposição complementou e ampliou o sentido da sua pesquisa. “Eu gostei muito do resultado final do trabalho. Trocamos muitas impressões ao longo de um ano, sendo que nosso entendimento ocorreu desde logo. Penso que a experiência foi muito valiosa para nós duas”, diz a autora da dissertação.

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