Segundo o cientista de alimentos Rodrigo Catharino, o método empregado para identificar o veneno das sete espécies de cobras (jararaca, cascavel e jararacuçu, entre outras) pode ser considerado ao mesmo tempo simples, rápido e preciso. Isso se deve à utilização do espectrômetro de massas, aparelho extremamente versátil que tem a propriedade de determinar a “impressão digital química” de inúmeras substâncias, no caso as peçonhas dos animais. Para desenvolver a metodologia em questão, os pesquisadores do IQ valeram-se de amostras cedidas pelo Instituto Butantan e pela Universidade do Vale do Paraíba (Univap). Assim, eles analisaram a fração de baixo peso de cada amostra. Após vários ensaios, a equipe finalmente fez a identificação dos venenos, a partir dos peptídeos, que são os compostos resultantes da união entre dois ou mais aminoácidos. O estudo consumiu ao todo seis meses de trabalhos.
“O nível de precisão desse método fica acima de 99%, dispensando a realização da contra-prova”, garante o bioquímico Gustavo M. F. de Souza. De acordo com ele, a metodologia pode servir à certificação de medicamentos produzidos com o veneno dos ofídios. “A partir dela, a indústria farmacêutica terá, por exemplo, como checar a característica e a qualidade da matéria-prima que utiliza”, acrescenta. Outra aplicação possível, conforme os pesquisadores, está na área médica, sobretudo no apoio ao atendimento às vítimas de picadas de serpentes. Cerca de 20 mil pessoas são atacadas anualmente no Brasil por esses animais. Destas, perto de 80 morrem. As mortes normalmente acontecem em virtude da demora no socorro, que consiste na administração de um soro que funciona como antídoto contra o veneno.
Além disso, em alguns casos há a dificuldade de identificar qual foi a espécie responsável pela picada, o que impede a aplicação imediata do soro específico. Quando isso acontece, os médicos geralmente se guiam pelos sintomas apresentados pela vítima. “Com o uso da metodologia desenvolvida aqui no Instituto de Química, o serviço médico saberia em apenas um minuto e meio que tipo de serpente picou a pessoa e, conseqüentemente, que antídoto usar”, diz Gustavo de Souza. Para fazer a identificação, basta retirar uma pequena dose de sangue da vítima. Como esta contém traços do veneno, o próximo passo é separar os peptídeos da peçonha dos peptídeos do sangue, a fim de analisá-los no espectrômetro de massas e verificar a que espécie de ofídio pertence. Como o custo do equipamento é caro, o trabalho poderia ser realizado por um hospital de referência de uma dada região.
Ainda segundo Gustavo de Souza, o método foi validado com o veneno de ofídios, mas pode ser aplicado a outras peçonhas, como as de aranhas e escorpiões. “Vale destacar que o IQ desenvolveu a metodologia, mas não pretende atuar diretamente na identificação dessas substâncias. Isso deverá ser feito por outras instituições ou empresas interessadas. Antes, porém, será preciso aprofundar os estudos para determinar a melhor forma de aplicá-la em larga escala”, adverte.
Usina de soluções Em razão do trabalho que vêm realizando nos últimos anos, os pesquisadores do Laboratório Thomson de Espectrometria de Massas estão se transformando em “caçadores de fraudes” contra os consumidores. Graças a avançadas técnicas de análises químicas, os especialistas constataram várias adulterações em produtos indispensáveis ao cotidiano da sociedade. Antes de desenvolverem a metodologia para identificar os venenos de cobras, eles já haviam feito o mesmo para detectar “batismos” na gasolina, bebidas alcoólicas e óleos comestíveis e azeites de oliva. Agora, os cientistas do IQ se preparam para fazer investigação semelhante com a própolis, o vinagre e o café.
De acordo com o cientista de alimentos Rodrigo Catharino, o método empregado para analisar todas essas substâncias é relativamente simples. Inicialmente, os pesquisadores tomam como referência uma amostra padrão. As demais amostras, que serão comparadas com a primeira, são dissolvidas ou injetadas diretamente no espectrômetro de massas, responsável pelas análises químicas. De modo geral, a identificação, que tem um nível de precisão acima de 99%, fica pronta em menos de dois minutos. Graças à qualidade e à quantidade de trabalhos realizados nos últimos anos, o Laboratório Thomson tem sido considerado uma “usina de soluções”. Isso se deve, conforme o seu coordenador, professor Marcos Eberlin, à capacidade de seus pesquisadores, bem como à infra-estrutura disponível, comparada à dos melhores centros de pesquisas do mundo. “Não há, na América Latina, um laboratório dessa área tão bem equipado quanto o nosso”, diz.
As serpentes que mais picam
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Dados do Instituto Butantan, centro de pesquisa biomédica vinculado à Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, indicam que os chamados “acidentes ofídicos” no Brasil são causados, na grande maioria, por serpentes conhecidas como jararaca, jararacuçu, caiçaca, urutu, cotiara (gênero Bothrops), seguidas das cascavéis (gênero Crotalus), surucucu (gênero Lachesis) e corais verdadeiras (gênero Micrurus). A ocorrência desses casos é marcada por fatores climáticos e de aumento da atividade humana no campo.
O diagnóstico do tipo de serpente causador do acidente é feito, na maioria das vezes, com base nas manifestações clínicas que o paciente apresenta no momento do atendimento, uma vez que nem sempre é possível a identificação do animal. O Butantan destaca que as serpentes não-peçonhentas também podem causar acidentes e que nem sempre as peçonhentas conseguem inocular veneno por ocasião da picada. Cerca de 40% dos pacientes atendidos no Hospital Vital Brazil, em São Paulo, são atacados por ofídios não-peçonhentos ou por serpentes peçonhentas que não chegaram a causar envenenamento. Em caso de acidente, a recomendação é de levar a vítima imediatamente a um hospital e não amarrar braços ou pernas e nem cortar ou chupar o local da picada.
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