| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 316 - 20 de março a 27 de março de 2006
Leia nesta edição
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Mestrandos pensam e tocam o maxixe, samba,
bossa nova, MPB e músicas regional e neoclássica

A academia tem seu dia
com Johnny Alf,
João Donato,
Dori Caymmi e Stravinsky

MANUEL ALVES FILHO

O violinista Alexis Bittencourt e o baixista José Alexandre Carvalho: dueto na defesa de mestrado, depois de acompanhar Alcione e Seu Jorge até madrugada. (Fotos: Antonio Scarpinetti)No último dia 22 de fevereiro, o baixista José Alexandre Carvalho e o guitarrista Alexis Bittencourt participaram de um show em São Paulo, acompanhando algumas estrelas da música popular brasileira, como Alcione e Seu Jorge. O espetáculo, patrocinado por uma revista de variedades, estendeu-se até a madrugada. Poucas horas depois, na manhã do dia 23, o primeiro já estava na Unicamp, onde apresentaria a sua dissertação de mestrado no Instituto de Artes (IA), intitulada Os alicerces da folia: a linha de baixo na passagem do maxixe para o samba. À tarde era a vez do segundo cumprir o mesmo ritual, também no IA. Tema do trabalho: A guitarra trio inspirada em Johnny Alf e João Donato. Um detalhe interessante é que José Alexandre, amigo de longa data de Alexis, ainda encontrou disposição para tocar com o companheiro durante a exposição do estudo deste à banca examinadora.

Tanto José Alexandre quanto Alexis graduaram-se pela Unicamp. Afastados havia dez anos do ambiente acadêmico, decidiram retornar para fazer a pós-graduação. A primeira intenção de José Alexandre era aproveitar a pesquisa para desenvolver um novo método para o ensino do baixo no samba. Ao buscar referências bibliográficas para o seu trabalho, no entanto, o músico constatou que havia pouco material disponível sobre a linha de baixo, responsável, na MPB, pela união dos elementos rítmicos e harmônicos. Explicando melhor, é a linha melódica grave que une os sons da bateria aos do piano, por exemplo. “Isso me fez abandonar a idéia de produzir o método e concentrar meu estudo sobre a importância da linha de baixo na passagem do maxixe para o samba”, conta.

O período de análise vai de 1880 a 1940, considerado por José Alexandre como “muito rico” e no qual se definem as principais características do samba atual. Ele faz uma retrospectiva histórica e musicológica, que traz informações importantes sobre personagens, instrumentos e aspectos musicais relacionados à linha de baixo nos dois gêneros. O músico valeu-se de partituras, fonogramas e fontes bibliográficas, contemplando figuras importantes da música brasileira, como Sinhô, Anacleto de Medeiros, Pixinguinha, Ismael Silva, Mano Edgar, Bide e outros bambas.

De acordo com José Alexandre, uma espécie de marco da passagem do maxixe para o samba é a inclusão do surdo entre os instrumentos que compõem a bateria das escolas de samba do Rio de Janeiro, medida que modificou a linha de baixo. Na década de 1920, explica, um grupo de sambistas do bairro do Estácio, no Rio de Janeiro, começou a se tornar conhecido fora de seu gueto, pela nova maneira de compor e acompanhar o samba. Em 1929, esses músicos liderados por Ismael Silva participaram do desfile carnavalesco com a escola “Deixa Falar”. Foi para essa agremiação, considerada a primeira escola de samba, que eles decidiram introduzir o surdo com a finalidade de cadenciar e estimular o desfile.

“Eles defendiam que a música deveria ajudar na marcha. Por isso, incluíram o surdo entre os instrumentos da bateria, que na época era confeccionado a partir de uma lata de manteiga e um pedaço de couro, como forma de cadenciar o ritmo”, explica José Alexandre. Tudo isso só foi possível, segundo ele, devido à onda nacionalista que se iniciava naquele período e que acabaria por consagrar o samba e o carnaval como produtos típicos da cultura brasileira, permitindo uma maior participação das camadas populares no cenário cultural da época.

O músico, que foi orientado pelo professor Ricardo Goldemberg, considera que as escolas de samba sofreram influências do instrumental das bandas militares, que já exploravam o bumbo para fazer a marcação das músicas. “As agremiações carnavalescas se apropriaram dessa idéia e utilizaram o surdo para alterar a linha de baixo e conferir uma personalidade própria ao samba. Ou seja, empregaram um elemento de caráter marcial para produzir uma música para alegrar a folia e botar o povo para dançar. Não por acaso, o surdo ainda hoje é um instrumento indispensável na bateria de qualquer escola de samba”, afirma José Alexandre.

Johnny e João – Já a dissertação de mestrado de Alexis Bittencourt tem como tema central a interpretação da música brasileira, a partir da análise do trabalho de dois grandes nomes da MPB: Johnny Alf e João Donato. A tese levantada pelo autor é de que os estilos interpretativos dos músicos teriam constituído um elo cujos elementos foram essenciais à bossa nova e à música popular em geral. O estudo destaca a forte influência que o jazz exerceu sobre o samba na segunda metade do século passado. Para exemplificar essa hipótese, o guitarrista executou diante da banca examinadora algumas obras de Johnny Alf e João Donato, acompanhado pelo baixista José Alexandre Carvalho.

Aléxis tomou para análise o estilo interpretativo de Johnny Alf e João Donato ao piano, em contexto instrumental trio (piano, baixo e seção rítmica). A partir da década de 1950, ambos incorporaram elementos da estética norte-americana às suas músicas, notadamente o jazz. O acesso às informações se dava por meio dos discos, do cinema e de outros músicos, como Dick Farney, que havia morado e feito breve carreira nos Estados Unidos. Este último, destaque-se, dizia que a música brasileira só evoluiria a partir do momento em que conseguisse de libertar do pandeiro. Menos radicais, Johnny e João aplicaram algumas das características do gênero musical norte-americano ao samba, gerando uma nova seção rítmica. “A forma de cantar e de interpretar passou a ser híbrida, o que trouxe novos caminhos harmônicos para a música brasileira”, considera Alexis.

De acordo com o guitarrista, Johnny emprestou, por exemplo, as idéias percussivas do jazz e as colocou no samba. João, por seu lado, assimilou praticamente todos os elementos do gênero norte-americano e ainda aproveitou algumas das lições do amigo. “João anexou, dentro da tradição rítmica do samba, tudo o que Johnny fazia”, explica Alexis. O estilo interpretativo criado pelos dois, afirma, estabeleceu a célula básica do que viria a ser a bossa nova. “A batida do João Gilberto, um dos precursores do gênero, é basicamente a batida do João Donato”. Alexis faz questão de destacar que a música que Johnny e João faziam não era, porém, bossa nova. “Era samba-jazz”, pontua.

Aléxis Bittencourt, que foi orientado pelo professor Marcos Siqueira Cavalcante, afirma que a participação do amigo José Alexandre na apresentação da sua dissertação foi importante, visto que ela pretendia ser a mais musical possível. “Muita coisa na música só pode ser explicada por meio dela própria. Eu fico satisfeito de estar participando de um processo que busca na música a sua própria explicação, o que em última análise é o reconhecimento do seu valor como linguagem”, diz.

O cantador – Também no dia 23 de fevereiro, o violonista e guitarrista Júlio César Caliman Smarçaro apresentou no IA a dissertação intitulada O cantador: a música e o violão de Dori Caymmi. O trabalho faz um mergulho em toda a obra do cantor e compositor, filho do consagrado Dorival Caymmi. Júlio César afirma que se concentrou mais na fase autoral de Dori, durante a qual ele gravou sete discos. Para facilitar o estudo, o pesquisador dividiu esse período em dois segmentos, que classificou de “Fase Brasileira” e “Fase Americana”. A primeira foi marcada principalmente por canções regionais e bossanovistas. As músicas regionais, diz, mantêm forte relação com os ritmos nordestinos. “É possível perceber claramente como elas apresentam uma levada parecida com a do baião”, ilustra. Nas demais, a orquestra se faz mais presente, as harmonias são mais complexas e os andamentos, mais lentos. Outra característica desse momento é a afinação alternativa do violão. Conforme Júlio César, Dori usa a primeira corda em “si” – convencionalmente é em “mi”.

Já a segunda fase é caracterizada por uma mescla entre as canções regionais e a linguagem da bossa nova. Os arranjos têm maior uniformidade. Neles, a ênfase é para o violão e a percussão, ficando o piano em segundo plano. A afinação da primeira corda em “si” torna-se regra-geral. “Na minha opinião, Dori aparece mais e é mais inovador nas canções regionais”, analisa Júlio César, que também foi orientado pelo professor Marcos Siqueira Cavalcante. O pesquisador explica que deu destaque ao violão de Dori em seu estudo por considerá-lo muito peculiar. “Não só pela afinação, mas também pela execução e pela forma como é colocado nos arranjos. Penso que Dori é muito relevante para a música brasileira. Apesar de ser filho de Dorival Caymmi, ele trilhou um caminho próprio”.

Para compreender a Sinfonia dos Samlos

MARIA ALICE DA CRUZ

O maestro Hermes Coelho Gomes corrigindo falhas na partitura original de Stravinsky. (foto: Antonio scarpinetti) Uma das mais importantes obras do compositor russo neoclassicista Igor Stravinsky, Sinfonia dos Salmos, foi o foco da dissertação de mestrado de Hermes Coelho Gomes, regente do Coral Exsultat, de São Paulo, da Orquestra de Câmara e do Coral da Metrocamp, entre outros grupos. Convidado a compor a banca, o professor-compositor Edmundo Villani Côrtes, da Unesp, surpreendeu-se com o quarto capítulo da dissertação, em que Gomes apresenta sugestões para execução da obra. As sugestões, na opinião de Côrtes, ajudam a corrigir certas falhas cometidas na partitura original, a partir do momento que apresenta elementos adequados para preparação do grupo, desde os ensaios até os concertos.

Hermes Gomes desenvolveu uma das pesquisas mais abrangentes sobre a obra de Stravinsky, em busca de uma compreensão maior da Sinfonia dos Salmos. A dissertação, segundo ele, oferece recursos teóricos, históricos e técnicos da obra do compositor, considerado a referência do neoclassicismo do início do século 20. Foi um período em que alguns músicos, descontentes com o “brilhantismo do romantismo, decidiram recorrer a elementos do movimento barroco e clássico para composição de suas peças”. O primeiro capítulo concentra informações sobre a história do autor e uma lista de sua produção musical. O segundo reflete sobre textos bíblicos e suas origens na tradição hebraica. O terceiro contém uma análise da partitura, no que diz respeito a forma, orquestração, instrumentação, escrita vocal, harmonia e contraponto.


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