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Unicamp entra com dois laboratórios na rede nacional para seqüenciar o genoma de Anopheles darlingi
A seqüência da luta contra a malária
LUIZ SUGIMOTO
A Rede Genoma Brasileiro está começando a seqüenciar o genoma de Anopheles darlingi, o mosquito transmissor da malária nas Américas, com o propósito de avaliar diferentes características do vetor, combatê-lo ou mesmo modificá-lo, reduzindo assim a transmissão da doença. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), aproximadamente 40% da população mundial (cerca de 2,4 bilhões de pessoas) convive com o risco de contágio da malária em mais de 90 países estando à frente o continente africano, com perto de 300 milhões de habitantes afetados e 1 milhão de mortes a cada ano. Na Amazônia, a malária é a primeira endemia decorrente da ocupação desordenada da terra, com número crescente de casos nas últimas décadas. A mortalidade é baixa entre indivíduos adultos, mas a morbidade, elevada.
Rede interliga 25 laboratórios em várias regiões do Brasil
Estudos na região do rio Negro demonstram que 95% dos mosquitos em contato com o homem são da espécie A. darlingi. O objetivo geral deste projeto é o seqüenciamento parcial do genoma funcional de A. darlingi, comparando-o com o genoma de A. gambiae, principal vetor na África e que já foi completamente seqüenciado. A determinação de seqüências e informações relativas ao genoma parcial do mosquito permitirá, dentre outros resultados, a identificação dos genes relacionados com a resistência a inseticidas utilizados nas campanhas de controle.
A Rede Genoma Brasileiro, financiada pelo CNPq e MCT, foi concebida com o objetivo de ampliar a competência e as atividades de pesquisa sobre genômica em nível nacional, formando recursos humanos especializados e desenvolvendo trabalhos multi-institucionais. Sob a coordenação atual da Dra. Ana Tereza Ribeiro de Vasconcelos do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), órgão vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, e do Dr. Arnaldo Zaha da UFRGS, a rede começou a trabalhar em 2.000 com 25 laboratórios das várias regiões do país. A Unicamp é a única instituição paulista a ter dois laboratórios participando do projeto: o Departamento de Microbiologia e Imunologia do Instituto de Biologia (IB) e a Divisão de Recursos Microbianos do Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas (CPQBA).
“Saímos dos microorganismos e partimos para seqüenciar o genoma de um organismo superior”, comemora a pesquisadora e bióloga Fabiana Fantinatti-Garboggini, do CPQBA. Ela se refere aos dois projetos anteriores da rede nacional, que detalharemos mais abaixo, envolvendo os genomas de Chromobacterium violaceum e Mycoplasma synovae, considerados relativamente pequenos (somando pouco menos de 6.000 kilo-bases ou 6 milhões de pares de bases) e que puderam ser seqüenciados inteiramente. “Agora, em se tratando de um organismo superior, estamos falando de trilhões de bases. Por isso, inicialmente o seqüenciamento será parcial, buscando-se somente os genes que apresentem atividade funcional nos estágios larval, pupa e adulto do mosquito transmissor”, explica.
O biólogo Marcelo Brocchi, professor do IB, afirma que o seqüenciamento já completado do vetor africano, A. gambiae, servirá como referência e facilitará o trabalho com A. darlingi. “Comparando as seqüências poderemos inferir e trabalhar em cima das diferenças com A. gambiae, que podem explicar variações comportamentais e características específicas de cada um dos mosquitos. Pesquisadores acreditam que A. darlingi está mudando de comportamento, o que pode ter relação com o aumento do número de casos de malária no país, particularmente da Região Norte”, acrescenta o pesquisador.
Violaceína O primeiro organismo seqüenciado pela Rede Genoma Brasileiro foi a bactéria Chromobacterium violaceum, freqüentemente encontrada no solo e na água em regiões tropicais e subtropicais. “A escolha dessa bactéria se deu por conta da potencialidade para sua aplicação em biotecnologia. Ela produz uma série de pigmentos com atividade antimicrobiana, antiparasitária e antitumoral, sendo que o principal é denominado violaceína. Há grupos muito fortes na Unicamp que estudam a bactéria, como o liderado pelo professor Nelson Duran do Instituto de Química. Recentemente, seu jornal divulgou uma pesquisa desenvolvida aqui no IB, relacionada com a própria malária”, lembra Marcelo Brocchi. Na edição 311, o Jornal da Unicamp anunciou a violaceína como a mais nova arma contra a malária, ao abordar a pesquisa de iniciação científica de Stefanie Costa Pinto Lopes, orientada pelo professor Fábio Trindade Costa. Avaliação in vivo e in vitro comprovou intensa atividade antiplasmódica do pigmento, fundamental no combate ao parasita da malária (a Unicamp já depositou patente da descoberta).
O pesquisador do IB observa que C. violaceum é abundante no rio Negro. Outra hipótese praticamente comprovada é que nas populações ribeirinhas a taxa de infecções por doenças é menor do que em áreas interiores onde o microrganismo está menos presente. “Para sobreviver e se multiplicar, a bactéria desenvolveu mecanismos para inibir ou destruir microrganismos competidores, o que reforça a viabilidade de sua utilização em produtos terapêuticos”, justifica o biólogo. A propósito, Fabiana Fantinatti-Garboggini lembra ainda que a mesma bactéria produz um biopolímero com características superiores ao plástico sintético. “Outra propriedade é um sistema de captação de metais, o que recomenda seu uso para absorver tais poluentes em locais onde houve contaminação”, acrescenta.
Aves e suínos De acordo com a pesquisadora do CPQBA, o segundo organismo seqüenciado pela rede nacional foi Mycoplasma sinoviae, agente causador de doenças respiratórias em aves. Esta bactéria traz grandes prejuízos à avicultura no Brasil, reduzindo a produtividade e tendo impacto econômico considerável. “Esse trabalho veio ao encontro do projeto de seqüenciamento de duas linhagens de Mycoplasma hyopneumoniae, bactéria responsável por uma doença respiratória no rebanho de suínos, realizado pela Rede Sul de Seqüenciamento. A idéia era comparar o genoma das duas espécies de Mycoplasma que levam a perdas importantes nas criações”, conta. A Rede não parou no seqüenciamento. Vários de seus laboratórios se envolveram com o Projeto Genoma Funcional, financiado pelo CNPq, que visa estudar e encontrar aplicações para vários dos genes seqüenciados. Estes resultados, no entanto, ainda não podem ser divulgados, pois contemplam questões estratégicas para o País.
A entrada da Unicamp e a difusão de redes regionais
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Pode-se dizer que as trajetórias pessoais dos biólogos Marcelo Brocchi e Fabiana Fantinatti-Garboggini pesaram para que a Unicamp participasse com dois laboratórios da Rede Genoma Brasileiro. Formados no Instituto de Biologia, ambos fizeram mestrado e doutorado também na Unicamp, e tendo um mesmo orientador, o professor Wanderley Dias da Silveira. Mas, quando Brocchi se envolveu com a rede nacional, era professor de Microbiologia na Faculdade de Medicina da USP em Ribeirão Preto, enquanto Fabiana era pesquisadora da Fundação André Tosello. Ao virem para a Unicamp, conseguiram daquelas instituições a liberação dos equipamentos de Laboratório. “Os dois projetos não foram contratados aqui, mas trouxeram este benefício para a Universidade”, observa a bióloga do CPQBA.
Depois da fase de intenso treinamento técnico na parte de seqüenciamento, os resultados em nível nacional têm sido considerados excelentes. As seqüências geradas nos laboratórios são enviadas pela internet ao Departamento de Matemática Aplicada e Computacional do LNCC, onde o genoma é montado. “O interessante é que usando o arcabouço da rede brasileira, começaram a aparecer redes regionais, cada uma delas seqüenciando organismos de interesse sócio-econômico ou de saúde pública para o país”, observa Marcelo Brocchi. Abaixo, alguns trabalhos desenvolvidos pelas redes regionais:
Rede Sul Seqüenciamento de Mycoplasma hyopneumoniae, causador de uma das principais doenças do rebanho de suínos, a pneumonia micoplásmica suína (PMS). Vários surtos já foram diagnosticados nos estados do Sul, acarretando prejuízos decorrentes da alta mortalidade, pouco desenvolvimento dos animais e condenações ao abate.
Rede Centro-Oeste Seqüenciamento de Paracoccidioides brasiliensis, causador de micose endêmica, que apresenta alta prevalência na América Latina, ocorrendo no Brasil 80% dos casos relatados. Estima-se que existam cerca de 10 milhões de indivíduos infectados na América Latina. A doença é potencialmente fatal e particularmente severa em crianças.
Rede de Minas Gerais Seqüenciamento de Schistosoma mansoni, parasita causador da esquistossomose e responsável pela infecção de 200 milhões de indivíduos em todo o mundo; estima-se que no Brasil sejam 12 milhões de infectados.
Rede Nordeste Seqüenciamento de Leishmania chagasi. A leishmaniose visceral afeta países de clima quente e temperado. No Brasil, a incidência era considerada como essencialmente rural até meados da década de 80. No entanto, nos últimos 20 anos, surtos epidêmicos urbanos começaram a aparecer.
Rede Norte Seqüenciamento de Paullinia culpana, o guaranazeiro, planta nativa da Amazônia de grande potencial econômico. O guaraná é usado na indústria farmacêutica e na fabricação de refrigerantes, xaropes, sucos, pó e bastões.
Rede do Paraná Seqüenciamento de Trypanosoma cruzi e Herbaspirillum seropedicae. O primeiro projeto consiste em implantar um programa de busca sistemática de genes que expressem a regulação da diferenciação celular do Trypanosoma cruzi. O segundo projeto visa determinar o genoma estrutural e funcional da bactéria fixadora de nitrogênio, construindo estirpes mais eficientes para uso na agricultura.
Rede do Rio de Janeiro Seqüenciamento de Gluconacetobacter diazotrophicus, bactéria fixadora de nitrogênio, associada a culturas como cana de açúcar, café, batata doce e palmeiras.
Rede da Bahia Seqüenciamento de Crinipellis perniciosa, fungo causador da doença conhecida como “vassoura de bruxa” do cacaueiro. Atualmente a doença se constitui no maior problema fitopatológico das regiões produtoras de cacau do continente americano.
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