Das barricadas de Paris ao
30o Congresso da UNE
Zeferino convive com o fenômeno das comissões paritárias e visita seus estudantes presos no Congresso de Ibiúna
EUSTÁQUIO GOMES
VASCO, OU LUIZ Antonio Teixeira Vasconcelos, segundanista de Ciências Exatas, acabava de chegar de uma reunião preparatória ao 30o. Congresso da UNE, cuja realização (clandestina) estava prevista para outubro de 1968. Foi interpelado pelo general Valverde no corredor do prédio da rua Culto à Ciência:
Por onde andou?
Estive no Mosteiro de São Bento, em Valinhos.
Valverde, sabendo do que se tratava, censurou-o. Vasco alegou sua condição de presidente do Centro Acadêmico das Ciências Exatas e, em última instância, de estudante preocupado com os rumos da sociedade brasileira. Explicou que naquelas reuniões discutia-se o papel da universidade. Universidade crítica ou universidade popular? era o dilema que agitava tais discussões. A um general de expressão incrédula Vasco garantiu que, se dependesse dele e dos estudantes da Unicamp, prevaleceria a tese da universidade crítica.
Você não deve se meter em reuniões não autorizadas, ralhou.
Valverde refletia a crescente preocupação do regime militar com a inquietação que fermentava no interior das escolas superiores. O sinal de alerta se deu quando chegaram as primeiras notícias das barricadas de Paris, em maio de 1968, um movimento estudantil que rapidamente contaminou o operariado e resultou numa greve de dez milhões de trabalhadores, paralisando a economia francesa por mais de um mês. Essas notícias encontraram no Brasil a atmosfera já inquinada pela morte do estudante Édson Luís de Lima Souto, ocorrida semanas antes no restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro, durante um confronto com a Polícia Militar.
Na Unicamp, apesar do número de estudantes ainda ser menor que cinco centenas, o clima era de uma tensão matizada por um fenômeno que brotara e se desenvolvera nas bases do curso de Medicina: o das “Comissões Paritárias”. Integradas em pé de igualdade por professores, estudantes e funcionários, as comissões reivindicavam a prerrogativa de debater (e, às vezes, a pretensão de deliberar) sobre questões de ordem acadêmica, administrativa e assistencial. Eram lideradas pelo médico preventivista Sérgio Arouca e animadas por um grupo de professores ligados ao Departamento de Medicina Preventiva, entre os quais sua mulher Ana Maria Arouca e o pneumologista Miguel Ignacio Tobar. Chegavam a interromper as aulas para discutir aspectos mal resolvidos do curso e traziam para essas ocasiões conferencistas do porte do sociólogo Florestan Fernandes, cujo recém-lançado Sociedade de classes e subdesenvolvimento andava nas mãos de um grande número de alunos.
Zeferino, sentindo o ar saturado de pólvora, soube nadar a favor da corrente enquanto lhe interessava, deixando que avançassem, alterassem normas e até influíssem nos currículos. (O que não o impediu de, um ano depois, afastar Tobar sob o argumento de que o departamento “tinha comunistas demais”; Tobar recorreu à justiça e, vários anos mais tarde, ganhou a causa). Manifestações de estudantes rebentavam em todo o país. Em abril o governo desfechou uma ofensiva contra jornais e livros que considerava lesivos ao regime, com apreensões em massa, e proibiu a chamada Frente Ampla, coalização política encabeçada por Carlos Lacerda, Juscelino Kubitscheck e João Goulart e cujo objetivo expresso era “lutar pela restauração do regime democrático”. Foram extintas as eleições para prefeito em 65 municípios considerados área de segurança nacional, entre os quais Paulínia, sede da Refinaria do Planalto, vizinha do campus em construção. Em julho foram também proibidas as manifestações de rua e sindicatos colocados sob estreita vigilância. Nesse mesmo mês, agentes do Comando de Caça aos Comunistas, braço subterrâneo do regime, invadiram o Teatro Ruth Escobar, em São Paulo, onde era levada a peça Roda Viva, do cantor Chico Buarque de Holanda, destruíram cenários e espancaram atores. Em setembro, quase às vésperas do Congresso da UNE, o governo aprovou no Congresso Nacional, sem maiores discussões, uma reforma universitária plasmada nos termos do convênio firmado em 1965 e 1967 entre o Ministério da Educação e a United States Agency for International Development, o famigerado Acordo Mec-Usaid, que tinha como meta replanejar o ensino no Brasil, sobretudo o ensino superior.
A reforma, entre outras coisas, extinguia a cátedra vitalícia nas universidades e estabelecia a estrutura de departamentos de pesquisa, criava o sistema de créditos por disciplina e o ciclo básico de ensino. Ou seja, tudo aquilo que Zeferino já havia instituído por sua conta e risco dois anos antes. Zeferino era um inimigo notório da cátedra e já a tinha desconsiderado ao constituir a estrutura acadêmica de sua jovem universidade, antecipando-se à reforma de 1968. “A cátedra é a única estrutura medieval que ainda subsiste na sociedade moderna”, era o mote que repetia desde a década de 50. Para os estudantes a reforma, sob a capa da modernização, escondia a tentativa de privatização do ensino superior público. Na Unicamp, até os convênios que Zeferino assinava com a Federação das Indústrias entravam nesse contexto: enquanto ele afirmava estar integrando currículo e profissionalização, os estudantes viam ali nada menos que a materialização das diretrizes do acordo MEC-Usaid, ou seja, a colocação da universidade a serviço do setor privado.
A aderência tem que ser com a sociedade, não com o empresariado, discursou Vasco no Conselho da universidade, depois de uma longa argumentação na linha de Cohn-Bendit, o estudante líder da rebelião parisiense.
Quando Zeferino se propunha responder provocações da esquerda estudantil, em geral deixava perplexos até os mais radicais. Aderência com a sociedade era com ele mesmo, dizia. Afinal havia dirigido durante oito anos uma faculdade de medicina veterinária e fundado e chefiado por outros doze uma faculdade de medicina cujos laços assistenciais com a sociedade civil eram inegáveis. No que concernia aos objetivos da universidade e ao anquilosamento de sua estruturas, ele se punha ao lado dos reformistas mais ousados. E se as barricadas de Paris defendiam a queda de um sistema arcaico e burro, então ele estava ao lado das barricadas de Paris.
Não raro, quando vinham lhe trazer propostas que julgavam avançadas demais para um reitor que pactuava com o sistema, eram surpreendidos com uma resposta do tipo: “Mas como vocês estão atrasados!”. E ouviam dele soluções que iam muito além de suas expectativas. Assim, desde o começo da Unicamp gostava de envolver os estudantes na elaboração de estatutos e de minutas de currículos, ainda que suas propostas raramente saíssem vitoriosas nas votações colegiadas. Foi de fato um dos primeiros reitores a acatar o princípio da representatividade estudantil nas instâncias de deliberação acadêmica, mas não levava a sério a pretensão das lideranças que exigiam a participação de alunos nas decisões administrativas. Num documento de 1962, em resposta a uma greve geral de estudantes na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, sua posição a respeito não deixava dúvida:
É evidente que quem está estudando medicina não pode decidir sobre quem deve ensiná-la ou como deve ser ensinada.1
Admitia que a discussão era antiga já na Idade Média européia se tentou o co-governo de estudantes e professores mas nem por isso, dizia ele, a experiência provou ser boa com o passar do tempo. E dava como exemplo a reforma argentina de 1918, nascida de uma rebelião estudantil iniciada em Córdoba com desdobramentos por toda a América hispânica:
A experiência dos países latino-americanos nos quais os estudantes participam dos órgãos dirigentes das faculdades já demonstrou com meridiana clareza por que suas universidades são de baixo padrão e sem qualquer prestígio perante o mundo civilizado.
Sua intolerância para o que considerava “quebras de hierarquia” se estendia às questões de disciplina, sobretudo quando tomavam o feitio de ameaça à autoridade. Em 16 agosto de 1968, ao concluir o primeiro edifício no campus, viu nisso uma excelente ocasião para melhorar suas relações com Abreu Sodré. Conseguiu atrair o governador para a inauguração. Sodré apareceu acompanhado de quatro secretários de Estado. Enquanto a cerimônia transcorria no campus, no centro de Campinas os estudantes promoviam comícios- relâmpago e distribuíam planfletos contra “o caráter demagógico e promocional da inauguração”. Num dos folhetos, intitulado “Desbravando canaviais”, criticavam a poeira, o barro e a precariedade da infra-estrutura do campus. Em seu discurso, Zeferino mesclou o elogio da “rusticidade e solidez mais que monásticas” dos edifícios que projetara para o campus com uma ambígua retórica revolucionária:
O clamor não ouvido dos jovens transformou-se em força emocional e passou à agressividade. Os subversivos e os inconformados aproveitaram essa agressividade e, colocando-se na crista da onda, dirigiram-na para fins destrutivos e para a luta ideológica.
O governador gostou do que viu e ouviu. Semanas depois, essa aproximação seria muito útil a Zeferino quando se tratou de tirar da cadeia seis estudantes da Unicamp presos durante a ação policial que resultou na detenção de aproximadamente 900 dos 1.240 participantes do frustrado 30o. Congresso da UNE, num sítio próximo de Ibiúna, pequena cidade localizada no sul do Estado de São Paulo. Vasco era um deles. Viu quando Zeferino entrou na cela do Carandiru, presídio para onde havia sido levado em companhia do aluno de física Edson Corrêa da Silva depois de uma passagem pelo Tiradentes, não muito longe dali e de centenas de outros estudantes. O Napoleãozinho vinha acompanhado de um militar que o tratava com extrema deferência. Depois se soube que foi a única autoridade universitária a se interessar pela sorte de seus estudantes a ponto de visitá-los no cativeiro. Chegou com cobertores, barras de chocolate, bolachas e um pacote de cigarros da marca Minister. E trazia boas-novas:
Conversei pessoalmente com o governador e ele me prometeu soltar vocês, disse.
Rodeado pelos estudantes, que há dois dias esperavam uma notícia do “mundo livre”, Zeferino tentou animá-los descrevendo teatralmente a “invasão” de seu gabinete por colegas deles que pediam sua libertação sob gritos de “A UNE somos nós!”. Reproduziu com tal ênfase o discurso dos organizadores do protesto2 que parecia tê-lo incorporado como seu. O militar que o acompanhava ficou impressionadíssimo. Não se sabe se Zeferino disse ali a frase que depois se tornaria célebre em alguns comandos militares “Dos meus comunistas cuido eu” para admiração de uns e cólera de outros, mas sua atitude no Carandiru a justificava.
Alguns dias depois o governador mandou relaxar a prisão dos estudantes e maioria deles foi solta, inclusive os de Campinas. As lideranças, entretanto, mofaram um mês e meio em prisões de São Paulo e de Jundiaí.
1 “Razões de uma atitude”, 12/9/1962.
2 Protesto liderado pelos estudantes João Frederico Meyer e Wilson Abel de Oliveira Sobrinho.
Flutuando entre a adesão e a resistência
Zeferino endurece o jogo e o general Valverde comparece a uma reunião com um revólver na pasta
Em vista disso, Zeferino acautelou-se contra os “excessos” estudantis. Não tinha a intenção de permitir que a linha dura do regime o acusasse de leniência. Bastava olhar em torno para ver que o movimento estudantil havia se radicalizado e estava permeado por uma miríade de pequenas agremiações partidárias de esquerda que iam da linha trotskista à maoísta PC, PcdoB, PCBR, Ala Vermelha, UPR, POC etc todas atuando na clandestinidade e ao arrepio das leis de exceção. Na USP, a ocupação da Faculdade de Filosofia pelos alunos havia terminado com a morte de um estudante e a depredação do prédio da rua Maria Antônia por grupos paramilitares fortemente armados e escoltados por forças policiais. Após o desmantelamento do 30o. Congresso da UNE, o clima era de dissolução completa.
Quando soube que o novo presidente do Centro Acadêmico das Ciências Exatas, Alcides Mamizuka, havia se filiado à Aliança Libertadora Nacional, do líder guerrilheiro Carlos Mariguella, a paciência de Zeferino se esgotou. Numa entrevista ao Jornal da Tarde, de São Paulo, acusou as agremiações estudantis de carrearem dinheiro para a guerrilha urbana. Não se preocupou em apresentar provas.
No início de 1969, Mamizuka foi entregue à própria sorte. Abandonou as aulas de tecnologia de alimentos que na época eram ministradas no Instituto de Tecnologia de Alimentos de Campinas, a seis quilômetros do campus porque sempre havia um camburão estacionado na porta do prédio. Para não ser apanhado em casa, saltava de uma república a outra, levando só uma mochila nas costas. Mesmo assim, um dia encontrou seu quarto revirado e confiscados os seus livros de Lênin, Marx, Engels e Regis Debray. Abandonou o curso e perdeu-se nos labirintos da capital paulista, mergulhando de vez na guerrilha. Mas não pegava em armas: seu trabalho era a propaganda panfletos, cartazes e mensagens revolucionárias aos combatentes e à população. Em fevereiro de 1970 foi preso e confinado na rua Tutóia, onde ficava a prisão da OBAN criada por Abreu Sodré. No dia seguinte, ao ser levado para fazer o reconhecimento de um ponto de reunião da ANL, tentou fugir. Levou três tiros de pistola nas costas. Passou dois anos entre as celas da OBAN, do DOPS e do presídio Tiradentes. Era o primeiro e único estudante da Unicamp a ser enquadrado na Lei de Segurança Nacional, mas isso estava longe de comover Zeferino. Bem ao contrário, preveniu-o. Desta vez não houve chocolates nem cigarros, muito menos visitas e conforto moral na prisão.
Um incidente ocorrido no início de 1970 mostra que sua intolerância na época tendia a politizar até mesmo casos comuns de indisciplina. Durante a calourada daquele ano, veteranos do curso de Medicina exageraram nas sessões de trote e bolinaram, em plena rua, algumas representantes da fina flor da sociedade campineira. As famílias das calouras foram se queixar à promotoria pública. Pressionado, Zeferino abriu uma sindicância e levou o caso ao Conselho Diretor. Quando ficaram patentes as dificuldades de se identificar os culpados, Zeferino atirou toda a responsabilidade sobre as lideranças estudantis, punindo quatro delas com a perda do semestre letivo. Depois disso as relações entre o reitor e os estudantes que tiveram seu melhor momento no turbulento ano de 1968 ficariam arranhadas por um bom tempo.
É daquele ano um pequeno ensaio que escreveu de uma assentada, destinado talvez a alguma revista acadêmica, intitulado “Contribuição ao conhecimento da guerra revolucionária”. Vinha aureolado por um subtítulo tão notável como espantoso “O processo do trote dos calouros como técnica de base científica reflexológica de imposição de liderança estudantil subversiva nas universidades” que denunciava a neurastenia política de que estava dominado naquele momento.
A crer na sinceridade de sua análise, Zeferino estava longe de achar que o trote fosse simples estudantada. Segundo ele, os excessos praticados pelos veteranos eram, em primeiro lugar, “um meio de satisfação de impulsos sadomasoquistas inerentes ao homem em grau variável, que vão desde as formas frustas até as neuróticas e psicóticas”.
Estas se manifestam pela necessidade de impor sofrimento, quando predomina o comportamento sádico, ou de obter satisfação pelo sofrimento, quando o componente masoquista é o predominante. Isso explica por que alguns veteranos sádicos se excedem e por que alguns calouros masoquistas se submetem alegremente às práticas sádicas.
No entanto, dizia ele, essa interpretação só era aplicável até 1955. A partir desse ano a esquerda subversiva se convencera de que os estudantes universitários constituíam matéria-prima muito mais receptível que os operários à mensagem revolucionária, e passou a concentrar naqueles o melhor de seus esforços. “O processo do trote está sendo, a nosso ver, cientificamente orientado e utilizado com excelentes resultados através de técnicas de reflexologia para condicionar e impor obediência”, escreve. Segundo essa conclusão, os veteranos do trote seriam, sem exceção, líderes subversivos. Chegara a este resultado após longa observação relata o que afinal tinha a ver com sua área de pesquisa, pois não havia dúvida de que esses líderes se inspiravam na teoria dos reflexos condicionados de Pavlov, introduzidos em 1915 e depois incorporados à fisiologia. O americano Watson estendeu à espécie humana o que Pavlov fez com cães, criando um ramo da psicologia conhecido como behaviorismo, a ciência do comportamento ou reflexologia. Era com base nessa ciência que os veteranos agiam.
Ia mais longe. Segundo ele, entre 15 e 25 de fevereiro, período das matrículas nas universidades, “os líderes subversivos adequadamente preparados procedem à raspagem dos cabelos dos calouros e cobram uma taxa em dinheiro”. A partir daí, durante aproximadamente 50 dias, diariamente os calouros recebem ordens acompanhadas de gritos e ameaças.
Sucessiva e diariamente, os calouros desnudados são pintados nas costas com dísticos obscenos ou convocados para reuniões onde os líderes lhes fazem preleções e lhes determinam o comportamento. Os calouros que reagem são violentamente castigados. (...) O processo culmina com a passeata dos calouros pela cidade nos primeiros dias de abril. É uma espécie de desfile da tropa em que se testa a organização dos grandes grupos de estudantes e a obediência em massa às ordens dos líderes e de seus auxiliares. (...) Decorridos 30 ou 50 dias, basta a presença destes ou o recebimento de suas ordens para que o estudante reaja obedientemente a qualquer determinação.
Acreditava Zeferino que, na hierarquia da subversão organizada que via atuando às suas costas, “são sempre os mesmos líderes que indicam à eleição dos diretórios acadêmicos, que presidem as assembléias gerais, que promovem e dirigem as passeatas estudantis de protesto contra a guerra do Vietnã, o imperialismo estrangeiro” etc. E depois de acusar os professores das faculdades de Filosofia de “atrair para o marxismo os jovens mais agressivos, revoltados ou até idealistas”, degradando suas inteligências, fecha o incrível tratado exprimindo sua convicção de que
a ação preventiva e coercitiva do Ato Institucional número 5 e da legislação subseqüente interromperá o processo de afirmação de novos líderes subversivos e do condicionamento das massas dos novos universitários.
Dois anos depois do AI-5, a catilinária de Zeferino ainda refletia a atmosfera pesada de dezembro de 1968, quando o regime militar instalado em 1964 vestiu assumidamente o traje da ditadura. Alguns dias após a publicação do ato, o general Valverde compareceu a uma reunião da Comissão de Ensino carregando um revólver dentro da valise. Abriu a valise, colocou o revólver na mesa e disse:
Agora tem lei neste país. Vou botar todos esses comunistas na cadeia.
Quem eram os comunistas que queria prender, não especificou. O físico César Lattes, conhecido por sua irreverência e pela má vontade em relação ao regime seu cachorro da época atendia pelo nome de Costa e Silva , olhou Valverde com desprezo e atirou-lhe em cima um pesado cinzeiro de vidro. O cinzeiro passou raspando pela cabeça do general e foi bater com estrondo no biombo de madeira compensada.
Pois faço xixi nesse revólver, ouviu? berrou Lattes.
Zeferino, que não estava presente na reunião, ficou chocado ao tomar conhecimento do episódio. De sua passagem pela Universidade de Brasília, quatro anos antes, guardava a má lembrança da ingerência de generais em assuntos da cozinha universitária. Murillo Marques, que detestava Valverde, aproveitou para alertar o reitor:
Cuidado. Hoje ele ameaça os pares. Amanhã vai ameaçar você.
Zeferino preferia não acreditar na hipótese, mas prometeu ficar de olho nos excessos do general. Tarefa que, naquela circunstância histórica, não era coisa simples. (E.G.)
Continua na próxima edição.
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