No laboratório de Helder Hermini estão sendo desenvolvidos próteses, órteses e equipamentos destinados a ambulatório e fisioterapia. O professor enfatiza que as pesquisas têm sempre o objetivo de atender à reabilitação humana, com utilização de tecnologia moderna, mas de custos compatíveis com a realidade brasileira. Não se lança mão de soluções sofisticadas que encarecem os produtos importados e estreitam sobremaneira a faixa de consumo, impossibilitando inclusive sua adoção pelo sistema nacional de saúde.
Entre os projetos em estágio avançado, Hernini destaca o joelho eletromecânico hidráulico, a mão mioelétrica, a maca automatizada, a cadeira de rodas adaptada ao carro (seja o usuário motorista ou passageiro) e um dispositivo que permite transferir um paciente obeso, por exemplo, da mesa de cirurgia para a maca sem qualquer esforço do atendente. São trabalhos desenvolvidos em cooperação com a Faculdade Senai de Tecnologia e Mecatrônica, que tem enviado professores para os programas de pós-graduação mantidos pela FEM, originando várias dissertações de mestrado.
Joelho hidráulico O engenheiro Vicente Gomes de Oliveira Junior, professor do Senai, desenvolveu a prótese antropomórfica hidráulica micro-controlada de membro inferior, o que equivaleu a dissertação de mestrado orientada por Helder Aníbal Hermini. Trata-se de uma prótese de joelho, que acoplada a um pé mecânico permite movimentos muito próximos dos desenvolvidos na marcha humana e por isso antropomórfica. Hidráulica porque utiliza internamente esse sistema, em que o óleo possibilita movimentos precisos e suaves. E micro-controlada devido a um comando eletrônico que possibilita dobrar e estender o joelho mecânico com base em informações emitidas por sensores colocados estrategicamente na região do pé da prótese.
A elaboração dessa prótese, que substitui a perna amputada acima do joelho, demandou um estudo de cinemática da marcha humana, a fim de se conhecer como o joelho se comporta durante o movimento, e o desenvolvimento de uma eletro-válvula com função própria e não disponível no mercado. Vicente Oliveira Junior informa que cerca de 85% das amputações ocorrem em membros inferiores. As amputações que tanto marcaram a Segunda Guerra, hoje ocorrem por causa de acidentes de trânsito (vitimando principalmente os jovens), doenças vasculares e diabetes (nesses casos atingindo a faixa etária de 50 a 75 anos).
“Poucas empresas no mundo trabalham com próteses. Há no Brasil uma empresa que produz próteses mecânicas muito simples e sem precisão, que custam em torno de R$1.500 e são as mais usadas por causa do preço e do subsídio do governo”, afirma o engenheiro, justificando seu interesse em desenvolver um equipamento eficaz. Segundo Oliveira Junior, empresas no exterior desenvolveram próteses utilizando alta tecnologia, como as micro-controladas vendidas a US$ 25 mil e as não micro-controladas a US$ 10 mil, preços inviáveis para a maioria dos brasileiros.
“Visamos o desenvolvimento de um produto intermediário, uma prótese micro-controlada de boa qualidade, mas três ou quatro vezes mais barata, acessível a um maior número de pessoas. Para viabilizar essa prótese precisamos de uma empresa que se disponha a produzi-la e colocá-la no mercado, a um custo que estimamos em R$10 mil. É possível disponibilizar um produto de tecnologia nacional que traga melhores condições de vida aos amputados, independentemente da classe social”, entusiasma-se Oliveira Junior.
Maca programada São chamadas de escaras de decúbito as feridas desenvolvidas em pacientes inertes, agravadas pela obesidade. Trata-se de úlceras causadas por pressão óssea, visto que a imobilidade cria pontos de atrito ou de apoio com redução da circulação. Evidenciados inicialmente por manchas vermelhas, nesses pontos surgem cascas que progridem para profundas feridas, portas de entrada para contaminações e focos de infecção hospitalar. Portanto, uma forma de evitar a formação das feridas é mudar os pontos de apoio dos pacientes com uma certa periodicidade, o que é inviável principalmente com obesos.
Foi essa constatação que levou outro professor do Senai de São Caetano do Sul, o engenheiro Dagoberto Gregório, a desenvolver dissertação de mestrado também orientada pelo professor Helder Aníbal Hermíni, que deu origem ao projeto de uma maca que permite controle automático dos movimentos. “É uma maca robotizada, diferente das existentes inclusive no mercado internacional”, afirma. Controlada por um programa, ela executa movimentos periódicos que alteram a posição do paciente e mudam os centros de pressão sobre as regiões de proeminência óssea.
De acordo com Gregório, as escaras afetam mais de 60% dos pacientes internados que ficam imobilizados. “O problema se agravou porque hoje a incidência da obesidade superou a de subnutrição, atingindo todas as classes sociais. À obesidade impulsionada pelo tipo de alimentação e vida sedentária, associam-se ainda os casos de problemas circulatórios, cardíacos, hipertensão, diabetes e certos tipos de câncer. A automação da maca facilita inclusive a higiene e tratamento das pessoas muito obesas”, observa o pesquisador.
O engenheiro explica que na maca está acoplada uma câmara, que permite controlar os movimentos do paciente. Quando um membro é colocado involuntariamente para fora do perímetro da câmara, os movimentos da maca são abortados automaticamente, evitando-se acidentes. Um software realiza o controle das fases do movimento da maca, que pode ser programada e adaptada às necessidades de cada paciente. Os programas que atendem às necessidades específicas deverão ser os mais corriqueiros, permitindo que o próprio enfermeiro altere os comandos, via rede, da própria enfermaria. Além disso, estão previstos controles na própria maca, que poderão ser acionados pelo paciente para atender a suas necessidadesimediatas.
Segundo Dagoberto Gregório, embora não seja do âmbito da dissertação, o projeto encontra-se realizado em cerca de 80% e aguarda uma empresa interessada em implementá-lo. Unicamp e Senai estão em vias de patenteá-lo. O engenheiro lembra que sua pesquisa inspirou outro projeto, um dispositivo mecânico simples que permite transferir o paciente de uma maca para outra por arraste do lençol, também de extrema utilidade no cuidado com o obeso, que normalmente requer a assistência de várias pessoas. “As tecnologias de automação devem se voltar para as melhorias sociais, atender às necessidades de baixo custo e alta eficiência, contribuindo para a qualidade de vida tanto das pessoas sadias como daquelas que necessitam de maior atenção”, conclui Gregório.
Sinais mioelétricos movem prótese de mão
Outro desafio enfrentado pelos alunos de pós-graduação do professor Helder Aníbal Hermini é o desenvolvimento de uma prótese mioelétrica que substitui a mão amputada. A prótese é composta por sensores colocados nas superfícies interna e externa do braço, junto aos músculos responsáveis pela transmissão dos sinais emitidos pelo cérebro e que controlam o fechamento e abertura da mão. Sinais mioelétricos são enviados para um circuito elétrico, que os amplifica, filtra e os transfere a um micro-controlador. Assim se reproduzem os movimentos de abertura e fechamento da mão humana.
Este trabalho originou a dissertação de mestrado do engenheiro elétrico Marcos José Sanvidotti, professor do Senai de São Caetano do Sul, e se encontra em fase de construção de protótipo. O pesquisador explica que sensores de pressão permitirão controlar a pressão exercida pelos dedos da mão, possibilitando desde o delicado manuseio de um ovo até o vigor exigido na troca de um pneu. Sensores térmicos também garantem tanto a proteção do usuário como a integridade da prótese no contato com objetos aquecidos.
“Todos esses recursos podem ser implementados no mesmo micro-controlador, levando a uma redução de circuitos e de custos”, assegura Marcos Sanvidotti. Segundo ele, uma prótese mioelétrica importada não custaria menos de R$ 20 mil. Já o produto desenvolvido na Unicamp poderia ser comercializado por 20% a 30% deste valor, redução profundamente significativa e que tornaria esse tipo de prótese muito mais acessível ao universo de usuários.