Unicamp Hoje - O seu canal da Noticia
navegação

Unicamp Hoje. Você está aquiAssessoria de ImprensaEventosProgramação CulturalComunicadosPublicações na Unicamp

ciliostop.gif
Jornal da Unicamp

Semana da Unicamp

Assine o "Semana"

Divulgue seu assunto

Divulgue seu evento

Divulgue sua Tese

Cadastro de Jornalistas


Mídias

Sinopses dos jornais diários

Envie dúvidas e sugestões

ciliosbott.gif (352 bytes)

1 2 3 45 6/7 8/9 10/11 12/13/14/15 16 17 18 19 20

Jornal da Unicamp - Novembro de 2000

Página 8 e 9

ASSISTÊNCIA

Mãe que abandona o filho:
quem é esta mulher?

Acusada de ‘desnaturada’, ela muitas vezes é a primeira abandonada.
E, depois de doar o bebê, some tristemente de cena

Carlos Lemes Pereira

Antes de falarmos em criança abandonada, temos que nos ater à realidade de que primeiro há uma mulher abandonada. E que, após doar o filho, desaparece tristemente do cenário". É com esse argumento que a supervisora do Serviço de Assistência Social do Caism (Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher), Yolanda Freston, busca demolir a imagem simplista da "mãe desnaturada" e propõe uma abordagem científica e mais conseqüente sobre o drama das mães biológicas que chegam ao extremo de doar seus filhos recém-nascidos imediatamente após o parto. Yolanda foi uma das expositoras do 1º Simpósio sobre Atenção Integral à Criança e à Família.

A mesa redonda integrou a 3ª Jornada Interdisciplinar de Adoção, ocorrida nos últimos dias 20 e 21 de outubro, no Externato São João, em Campinas. Resultado de uma parceria entre o Serviço Social do Caism/Unicamp, o CEICriFA (Centro de Estudos Interdisciplinares e de Atenção à Criança e à Família) e a equipe técnica da Vara de Infância e Juventude de Campinas, o evento destina-se tradicionalmente a profissionais e estudantes de Psicologia, Serviço Social, Direito e áreas afins.

Pós-graduada em Estudos Multidisciplinares por Oxford, Yolanda embasou sua intervenção durante o simpósio numa pesquisa que desenvolveu com um grupo de 65 pacientes do Caism, merecedora de publicação no estudo Abandono e Adoção, da Associação Terra dos Homens, organização não-governamental originada na Suí-ça. Mas, acima de tudo, a pesquisadora faz questão de ressaltar: "O que realmente me confere segurança é a experiência de 14 anos que obtive no acompanhamento de casos específicos de doações de crianças no âmbito de uma maternidade. Ou seja, vivenciei desde o primeiro, quando ainda da inauguração do Caism, em 1986, até os que se verificaram ao longo dos cinco anos seguintes".

Uma rotina que a tornou espectadora de um desfile de situações que, para ela, compõem "o típico histórico de abandono" dessa parcela de gestantes em Campinas e região. "A maioria das mulheres que nos comunica a intenção de doar o filho logo após o nascimento alega falta de condições econômicas para sustentá-lo. Mas três entre quatro delas acabam revelando que esse fator preponderante está vinculado a outros contextos, como o seu próprio abandono pelo parceiro, que é o pai da criança, ou falta de respaldo familiar" (veja quadro). "Sem contar que essas mulheres também são abandonadas no plano institucional, pela falta de respaldo dos órgãos públicos e de programas da iniciativa privada", agrava a assistente social.

A pesquisa de Yolanda traz um dado que deita por terra o mito de que essas mulheres seriam totalmente desprovidas de preocupação com o filho que carregam na barriga: de 53 casos analisados, em somente 9% houve tentativa de aborto. "E, mesmo decididas a doar o filho já desde o início da gravidez , mais da metade das pacientes chega a cumprir quatro consultas pré-natal, o que equivale a 50% do número de acompanhamentos recomendados. Quer dizer: elas se preocupam com o filho, sim", afirma Yolanda.

Nova cultura de adoção O perfil sócio-econômico traçado no levantamento ajuda a configurar o "histórico de abandono". Geralmente, tratam-se de mulheres solteiras, com idade superior a 20 anos, migrantes das regiões mais carentes do país, possuidoras de educação primária incompleta, trabalhando eventual e informalmente como empregadas domésticas, sem contar com outras fontes de sustento.

As circunstâncias da gravidez da maioria das mulheres que doa os filhos logo após o parto também são drásticas: metade ocorre numa relação eventual; 20% na fase do namoro; 7% em casos de estupro; o mesmo percentual dentro de relações conjugais não legalizadas; 6% em episódios de incesto e só 4% em casamentos convencionais (curiosamente empatando com o índice de gravidez registrado em relações extraconjugais).

"O abandono é tão acentuado, que elas costumam chegar aqui sozinhas, muitas vezes escondidas das famílias" – acrescenta Yolanda – "Isso, quando as possuem; pelo fator migração, costumam ir perdendo os vínculos pelo caminho, morando com uma tia num lugar, com um parente mais distante em outro lugar e, finalmente, acabam sem ninguém".

A pesquisadora alerta ainda que a classificação "solteira" usada no trabalho se prende aos aspecto legal do estado civil, não implicando que inexista outro "arranjo conjugal" qualquer. Aspecto que, ressalva ela, não favorece as mulheres, no mais das vezes. "São relacionamentos estruturados segundo a ótica machista. A partir do momento que elas comunicam a gravidez aos parceiros, já colhem reações do tipo ‘esse filho não é meu’, ‘se vira!’. Aí, temos caracterizada a ausência paterna, que embora jogue um peso decisivo na doação da criança, nunca transparece, recaindo tudo nas costas da mulher", explica Yolanda.

E quando usa o termo "tudo", a assistente social não exagera: "É ela que engravida, pare, entrega o filho e, depois, simplesmente some do cenário". Essa trajetória miserável, de "abandonada à anônima", precisa ser eliminada, defende Yolanda: "Não existe amparo social, psicológico, nem jurídico para ajudar essas mulheres a trabalhar a perda. Necessitamos de mais fóruns de debates para discutir o assunto na abrangência do trinômio mãe biológica/bebê/pais adotivos. As mães biológicas precisam ter a garantia de que seus filhos estejam seguros, amados e protegidos. Não é justo excluí-las, pois elas também devem fazer parte do nosso acompanhamento técnico, mesmo depois da entrega do filho. Precisamos desenvolver uma cultura de adoção que envolva efetivamente todos os protagonistas".

O eterno parto da memória

Sobrevivendo como prostituta no Jardim Itatinga, em Campinas, praticamente desde que saiu da adolescência, Luciene (nome fictício), atualmente com 28 anos, é um exemplo dessas mulheres que "se volatizam" a partir do momento que, ainda mal refeitas do parto, entregam o bebê para o sistema judicial de adoção. "Eu até sei mais ou menos que foi um casal de uma cidade vizinha que ‘pegou ele pra criar’. Só que isso já tem quase dez anos e eu é que não tenho coragem de aparecer por lá e ir falando: ‘Olha, menino, eu sou tua mãe de verdade’. Errei em engravidar, acho que errei também em doar e, agora, não quero errar em bagunçar a vida dele. Quero mais é que ele seja feliz, longe da marginalidade", declara.

No entanto, por mais contundente que seja o relato de Luciene e por mais que se enquadre no "achismo" de base puramente moral, a prostituição está longe de ser um fator altamente determinante para que mães biológicas abram mão de seus filhos. Em 56 casos pesquisados por Yolanda, as mulheres prostituídas figuram com apenas 4%. O desemprego – ou a precária sobrevivência no mercado informal – é o grande vilão, respondendo por 30% dos casos.

"A prostituta, na verdade, tende a ficar com os filhos, porque geralmente ela vive num ambiente que consegue substituir o lar tradicional. Há sempre a presença da dona do bordel, das companheiras, que fazem as vezes de "tias"; enfim, um núcleo social que lhe propicia esse direito", explica a pesquisadora.

Quando as dores se misturam

Apesar da profundidade da pesquisa, a supervisora de Serviço Social do Caism insiste em frisar que o que tece seriam "tímidas considerações a respeito". Mas, rendendo-se à realidade de que se sente "porta-voz dessas mulheres", acaba sentenciando: "A situação é tão traumática, que elas têm dificuldades em distinguir a dor física do parto da dor da alma".

Essa percepção leva Yolanda a criticar uma deficiência estrutural das maternidades: "Apesar da rápida desvinculação entre elas e os bebês, enquanto estes vão para os berçários, iniciando sua disponibilidade para a adoção, essas pacientes vão compartilhar enfermarias com mães em situações bem diferenciadas: aquelas que tiveram gravidez de risco, porém desejada. Isso só acentua a carga de culpa de quem doou".

A recente participação no simpósio não parece ter sinalizado para a assistente social o esgotamento do objeto de sua pesquisa. Ela deixa transparecer aquele "comichão científico" indicativo de que poderão vir mais estudos pela frente. "Embora não possa ainda determinar com precisão, sinto que o número de doações regulares via maternidade sofreu uma queda nos últimos tempos. E não creio que isso seja exatamente um bom sintoma; meu feeling me diz que o que pode estar acontecendo é um avanço das doações "por baixo do pano", feitas após a alta da paciente, motivadas pela fuga à burocracia do esquema. Afinal, a situação sócio-econômica do País não mudou tanto assim, não?", questiona Yolanda.


© 1994-2000 Universidade Estadual de Campinas
Cidade Universitária "Zeferino Vaz" Barão Geraldo - Campinas - SP
E-mail:
webmaster@unicamp.br