Do combate à fome à fome dos radicais
Cientista político acha que Lula terá de domesticar esquerda
do partido para implementar projetos
CLAYTON LEVY
Combater a fome no Brasil é uma tarefa ambiciosa, mas não impossível, segundo o professor Leôncio Martins Rodrigues, titular do Departamento de Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp. Para atingir essa meta,
Jornal da Unicamp - O que esperar do PT na presidência?
Leôncio - Na realidade, trata-se mais de Lula do que do PT na presidência, porque fatalmente o novo governo será multipartidário. Só esse fato impõe limitações às propostas originais do PT que, aliás, mudaram no decorrer da campanha. Com essas ressalvas, penso que o novo governo Lula tentará ter uma preocupação forte com a questão social, e conseguir garantir, ao final de seu governo, como disse Lula, três refeições por dia para a população pobre. Trata-se de uma meta ambiciosa, mas não impossível, dependendo da qualidade da comida que estará no prato.
JU - O que fez o PT ser o primeiro partido de esquerda a ganhar uma eleição presidencial no Brasil?
Leôncio - O PT é um partido de esquerda de tipo novo, diferente, tanto dos antigos partidos comunistas que tinham uma fundação teórica no marxismo-leninista, e diferente também dos partidos nacional-populistas. O PT agregou lideranças sindicais sem passado político-partidário, setores progressistas da Igreja Católica, além de muitos pequenos grupos marxistas que saíram da clandestinidade, alguns que tinham participado da luta armada. Além dessas forças, das quais a Igreja foi a mais importante para a viabilização inicial e crescimento posterior do Partido, o sucesso do PT deve-se muito à figura carismática do Lula. Mas é claro que somente esses aspectos não garantiram a conquista da Presidência, como indicam as derrotas anteriores. Muitos fatores são sempre responsáveis por uma vitória eleitoral. Não haveria aqui espaço para enumerar todos, mas vale mencionar o marketing da campanha, os apoio de outros setores da classe política ao Lula, as dificuldades e erros da campanha do Serra e as mudanças na orientação política do partido no sentido de ganhar o apoio de setores das classes médias e altas.
JU - Quais as principais diferenças entre o PT que disputou as eleições presidenciais anteriores (e perdeu) e este que agora chega ao poder?
Leôncio - Os dirigentes petistas t
JU - Um partido com as características do PT, composto por diversas correntes internas, ajuda ou atrapalha o presidente?
Leôncio - Atrapalha, é claro, mas cumpre ver qual a força real dessas facções e sua capacidade de mobilizar "aliados externos" (sindicatos, especialmente) a favor de seus projetos e contra as alas moderadas do partido. É cedo ainda para uma previsão porque muitos dos integrantes das alas radicais poderão ocupar postos no governo e moderar seu comportamento e também porque a capacidade de pressão dessas alas dependerá do que fizer o governo Lula.
JU - Em sua opinião, alas como o MST e a corrente O Trabalho, consideradas de extrema esquerda, representam algum risco à governabilidade?
Leôncio - O MST sempre poderá atrapalhar mesmo porque não tem uma ligação orgânica com o PT. Mas acredito que o MST não será o principal obstáculo porque assentamentos e distribuição de terras durante o governo de FHC já vêm debilitar o movimento. Um governo Lula poderá acelerar esse processo e, desse modo, enfraquecer a capacidade de mobilização do MST. Contudo, os sindicatos, especialmente os do setor público (das áreas da Educação e da Saúde, notadamente) podem criar mais problemas para o próximo governo porque têm mais apoio em segmentos importantes da sociedade brasileira e mais poder de pressão.
JU - O fato de o PT ter eleito governadores em apenas três estados (Acre, Piauí e Mato Grosso do Sul) representaria uma dificuldade para Lula governar?
Leôncio - De modo geral, sim. Seguramente seria melhor para Lula que o PT tivesse vencido em mais Estados. É interessante notar que o PT perdeu em todos os Estados mais fortes, especialmente no Sudeste e no Sul. É difícil imaginar quanto esse fato prejudicará o governo Lula. O aspecto principal, aqui, é a acentuação da fragmentação partidária que, por sua vez, reforçará a necessidade da busca do consenso. E a busca do consenso implicará o abandono de posições radicais e extremas em todos os assuntos de governo. No cômputo final, os resultados negativos do PT nas disputas estaduais deverão fazer com que o governo Lula seja ainda mais moderado do que imaginaram alguns observadores. Do ponto de vista analítico, os êxitos do PSDB e do PMDB no Sudeste e Sul são indicativos de que o eleitorado do Lula é bem maior do que o eleitorado do PT, fato que fortalece a posição do futuro presidente ante o partido, especialmente ante as facções mais radicais.
JU - O que representa a vitória de Lula no atual contexto da América Latina?
Leôncio - Bem, é óbvio que significará um estímulo para outros partidos e movimentos de esquerda. A dúvida aqui é saber em que medida a chegada ao poder (ou ao governo, mais precisamente) por via eleitoral e em aliança com outros setores de centro ou de direita reforçará as tendências moderadas da esquerda latino-americana e contribuirá para enfraquecer a esquerda que defende a luta armada. A impressão é de que estimulará os partidos que tendem para a "via pacífica".
JU - Alguns analistas internacionais, como o britânico Anthony Giddens, acham que a chamada Terceira Via é o único caminho para o novo governo dar certo. Segundo ele, Lula terá de aliar a busca da justiça social com o estímulo ao empreendimento privado. Em sua opinião, isso é possível?
Leôncio - Em princípio, sim. Os países que têm uma melhor distribuição da renda são países capitalistas. Muitos deles foram governados por partidos de esquerda, basicamente partidos social-democratas, socialistas ou trabalhistas. Os Países Escandinavos são o grande exemplo. Certamente, o Brasil não é exatamente uma Suécia, mas cito esses exemplos para indicar que, em princípio, essa aliança não é impossível. Na realidade, não há alternativa porque um desenvolvimento fundado basicamente nos investimentos estatais não é mais viável e o modelo de planejamento estatal de tipo soviético fracassou em toda parte.
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