198 - ANO XVII - 11 a 17 de novembro de 2002
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Luz para os esquecidos

Um balanço do programa que visa levar energia elétrica
a um milhão de domicílios rurais

LUIZ SUGIMOTO

O "Luz do Campo" pretende levar energia para 1 milhão de domicílios rurais: 85% dessas pessoas ganham menos de dois salários mínimos, estando abaixo da linha de pobrezaCenso 2000 do IBGE indicava 2.165.058 domicílios sem acesso a energia elétrica na área rural, estimando-se esse número, hoje, em 3 milhões de propriedades com 5 milhões de famílias. Parte dessa população pode obter energia (elétrica ou mecânica) gerada por óleo diesel, mas 68% das famílias têm renda inferior a dois salários mínimos, estando abaixo da linha de pobreza. Como levar luz a pessoas esquecidas no meio do mato, considerando a perspectiva inicial de que elas significam apenas despesas e nenhum lucro para as concessionárias, foi a questão que dominou as palestras do Agrener 2002 - 4º Encontro de Energia no Meio Rural, sediado pela Unicamp de 29 a 31 de outubro.

Dentre os projetos governamentais visando a zerar tal déficit destaca-se o Programa Nacional de Eletrificação Rural "Luz no Campo", lançado em dezembro de 1999 sob responsabilidade da Eletrobrás, com a meta de ligar um milhão de domicílios em três anos. O "Luz no Campo" destina R$ 1,77 bilhão, oriundos da RGR (Reserva Global de Reversão), para financiamentos a agentes executores, concessionárias de energia elétrica e cooperativas de eletrificação rural, cabendo uma complementação de R$ 930 milhões (totalizando R$ 2,7 bilhões) por parte dos agentes executores e dos governos federal, estadual e municipal.

Fernando Pertusier, da Eletrobrás: decisão política de atender ao carenteFernando Pertusier, chefe do Departamento de Distribuição Urbana e Rural da Eletrobrás, trouxe para a Unicamp os dados de setembro último, mês em que 683 mil domicílios deveriam estar com energia elétrica, segundo a meta contratual estabelecida com as concessionárias. "Temos cerca de 480 mil domicílios ligados. Não conseguimos atingir o objetivo devido a uma série de motivos, inclusive o racionamento que fez as concessionárias perderem receitas. A média de 17 mil ligações mensais não é o ritmo desejado, mas existem obras prontas ou em andamento para atender mais 125 mil consumidores em vários estados", afirma o dirigente da estatal.

Como as concessionárias já foram comercializando ligações no processo de cadastramento, em tese há um estoque para se chegar a um número bem mais elevado. "Vamos alcançar um milhão, mas não no prazo antes estabelecido. A extensão de rede prevista equivale a quatro vezes a circunferência da Terra", ilustra Pertusier.

Paulo Strazzi, da Ceresp: "Essas pessoas não crêem na chegada da luz"Decisão política - O mais importante, na visão de Fernando Pertusier, é a decisão política de servir a população carente, visto que de 1995 a 1999 era clara a tendência de atuar somente na parte nobre do setor, da produção e transmissão de energia. O representante da estatal enumera algumas causas do desinteresse em ampliar a eletrificação na área rural.
"Uma restrição que a concessionária logo impõe são os elevados investimentos iniciais. Na zona urbana, faz-se uma rede para atender vários prédios; no campo, necessita-se às vezes de dois quilômetros de rede para atender um único consumidor. O custo por quilômetro é de R$ 10 mil, o que implica investimento de R$ 20 mil para um ou dois domicílios", exemplifica.

Um segundo aspecto é o baixo consumo inicial. Enquanto o consumidor urbano liga à rede uma geladeira, microondas, ar-condicionado e vários outros eletrodomésticos, o homem do campo vai dispor colocar apenas duas ou três lâmpadas, um pequeno televisor ou um rádio.

Pertusier atenta, porém, para a contrapartida dos benefícios que a energia elétrica leva ao campo. "A agricultura e a pecuária terão um insumo importante para aumentar a produção. É um benefício social, ao permitir mais renda e melhor qualidade de vida ao proprietário rural. Beneficiam-se a indústria, comércio e serviços. Ganha o governo com os impostos sobre comercialização de equipamentos, prestação de serviços e aumento da produção. Além disso, estudos do BNDES consideram o setor agrícola o segundo maior gerador de empregos de toda a cadeia produtiva brasileira", justifica.

Exemplo paulista - Por determinação do então governador Mário Covas, criou-se a Comissão de Eletrificação Rural do Estado de São Paulo, envolvendo quatro secretarias - Energia, Ciência e Tecnologia, Planejamento e Agricultura - visando à universalização do atendimento. "Já prevendo a privatização das empresas elétricas e as dificuldades de prestação do serviço para um mercado que não é atrativo, procuramos estabelecer procedimentos para que essa população carente não ficasse desamparada", relembra Paulo Ernesto Strazzi, coordenador da Comissão.

Luís Cortez, coordenador do Agrener 2002: "Novo governo precisa manter incentivos"Uma das dificuldades encontradas até hoje, de acordo com Strazzi, é saber exatamente quantas são e onde estão as pessoas sem luz. Ele explica que esse público é desconfiado e não crê na possibilidade de contar com energia elétrica, depois de tanto tempo vivendo às escuras na mesma terra. "Muitos não têm documento de identidade, CIC e jamais pensaram em assinar contrato com um banco. Fazemos 100 fichas numa cidade e, no ano seguinte, pedem mais 100. Eles só decidem se cadastrar depois de ver as primeiras obras", ilustra.

A Ceresp, com seu programa "Luz na Terra", assinou contrato com o "Luz no Campo" em maio de 2000, o que possibilitou complementar recursos e facilitar o acesso de pessoas impedidas de obter créditos. Foram efetivadas perto de 40 mil ligações no estado, a um custo de R$ 80 milhões. "Há a estimativa de que zeraríamos o déficit paulista com mais 50 mil ligações, mas não dá para jurar, pois o próprio fornecimento acaba gerando novas demandas", finaliza Strazzi.