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Perdas na cadeia produtiva
alimentariam 1/3 dos famintos

Para o vice-reitor da Unicamp, combate à fome
passa pela redução do desperdício

CLAYTON LEVY


O professor José Tadeu Jorge, vice-reitor da Unicamp: desperdício começa antes mesmo da colheita
Qualquer que seja o plano contra a fome no Brasil, terá de incluir ações de combate um inimigo cada vez presente: o desperdício. Na avaliação do engenheiro de alimentos e vice-reitor da Unicamp, José Tadeu Jorge, a quantidade de alimento que se perde todos os anos na cadeia produtiva agrícola seria suficiente para garantir o sustento de pelo menos um terço dos famintos do País.

Das 83 milhões de toneladas de grãos produzidas anualmente, algo entre 10% a 30% se perdem no caminho entre a lavoura e o consumidor final. Entre a produção de frutas (30 milhões de toneladas por ano), o desperdício varia entre 20% e 35%, enquanto no segmento de hortaliças (27 milhões de toneladas por ano) as perdas oscilam entre 20% e 50%.

Os números foram apresentados por Tadeu em palestra realizada no último dia 11, na universidade. O desperdício, segundo ele, freqüentemente ocorre antes mesmo da colheita, quando os produtores destroem as próprias lavouras por não obterem preço compensador no mercado.

Em outros casos, as perdas são causadas no processo de embalagem e transporte das mercadorias, que são mal acondicionadas. Mas o que chama mais atenção é o desperdício causado pelos próprios consumidores, que danificam os produtos nos supermercados e nas feiras livres."É comum as pessoas apertarem os produtos a pretexto de examinarem sua qualidade, o que acaba danificando a mercadoria", explica o vice-reitor.

"Muitos legumes e frutas vão direto para o lixo por essa razão", completa. Uma pesquisa realizada em 1998 pela Associação Brasileira de Supermercados, envolvendo 300 estabelecimentos do País, revelou que as perdas causadas pelo comportamento inadequado dos consumidores chegam a R$ 1,2 bilhão. Estima-se que o valor total do desperdício atinja R$ 4,5 bilhões. "Esse valor corresponde à despesa anual que o futuro governo terá para financiar o projeto Fome Zero", observa.

Para Tadeu Jorge, reverter essa situação exige um processo de reeducação da sociedade. "O problema é cultural", afirma. Por outro lado, ele diz que essa mudança também depende dos produtores. "O consumidor precisa ter certeza de que o produto que está levando para casa tem qualidade", explica.

Geração de empregos é fundamental
Foto: Humberto de Castro/AAN
Na avaliação do vice-reitor, além de evitar o desperdício, um programa de combate à fome também deveria incluir ações estruturais, como investimento em tecnologia, para adicionar valor agregado aos produtos da agroindústria, e incentivo ao agronegócio. Segundo ele, não existe solução única para o problema. "Será necessário pontuar um conjunto de soluções adequadas a cada região. Junto com isso, tem de haver políticas de inserção das pessoas na atividade produtiva", diz.

Para o vice-reitor, gerar empregos é fundamental para o equacionamento definitivo da questão. Segundo ele, facilitar o acesso das famílias pobres aos alimentos é uma medida emergencial importante, mas não a solução definitiva. "O ideal é que as pessoas tenham condições de garantir o próprio sustento", completa. Num país com as características do Brasil, essa meta, segundo ele, passa necessariamente pela expansão da agropecuária.

Tadeu enfatiza a importância do agronegócio ao apresentar dados sobre a balança comercial brasileira. Desde 1980 o setor agropecuário é o único a manter as exportações em ritmo ascendente, enquanto os demais setores apresentaram queda nas vendas ao exterior. O setor já responde por 30% do PIB. "É o agronegócio que garante o superávit da balança comercial", disse. "Investir nessa área asseguraria a geração de mais empregos e, conseqüentemente, a população teria renda para consumir alimentos".

Dados do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), divulgados em 1999 mostram que a agropecuária é a atividade que mais gera empregos no Brasil. Para cada R$ 1 milhão investidos no setor, são gerados 200 novos postos de trabalho. Em termos de geração de emprego, a atividade agrícola está à frente de outros importantes setores, como o de máquinas e equipamentos, telecomunicações e montadoras de automóveis.

Apesar do retorno que proporciona, o Brasil ainda não explora tudo o que poderia de seu potencial agrícola. Atualmente, o País mantém uma área plantada da ordem de 50 milhões de hectares. Segundo Tadeu Jorge, porém, há pelo menos outros 100 milhões em condições de serem cultivados.

Na cultura da soja, por exemplo, um dos principais itens de exportação, a produção em 2001 alcançou a marca 37,2 milhões de toneladas, mas há potencial para chegar a 80,5 milhões de toneladas/ano. O milho poderia passar de 41,5 milhões de toneladas para 165,9 milhões de toneladas/ano, enquanto a produção de arroz poderia saltar de 10,4 milhões para 26,4 milhões de toneladas/ano.

O investimento em tecnologia também poderia ajudar na solução do problema. Segundo o vice-reitor, é preciso agregar valor aos produtos da agropecuária. "O Brasil é o maior exportador de café em grão do mundo, mas a tecnologia do café solúvel pertence aos Estados Unidos, enquanto a do café expresso vem da Itália", compara. "É preciso adotar medidas levando em conta todos estes aspectos", conclui.