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A academia dá sua contribuição
ao desenvolvimento sustentável
Encontro da Anppas mostra projetos que conciliam
crescimento econômico, justiça social e proteção
dos recursos naturais
JOSÉ PEDRO MARTINS
A Legislação, dinâmicas demográficas, biodiversidade, recursos hídricos, energia, agricultura, gestão e risco ambiental. Temas de largo espectro foram discutidos por especialistas de várias regiões do Brasil no I Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade (Anppas), realizado em Indaiatuba, na Região Metropolitana de Campinas, entre 6 e 9 de novembro.
Em seu I Encontro Nacional, a Anppas consolidou a sua representatividade e a sua firme disposição em promover um debate multidisciplinar sobre as relações entre meio ambiente e sociedade, na linha da busca do desenvolvimento sustentável, que concilie crescimento econômico, justiça social e proteção dos recursos naturais.
"A Universidade brasileira vem mostrando a sua capacidade em promover estudos e propor soluções para os múltiplos desafios vinculados ao desenvolvimento sustentável", diz Lúcia da Costa Ferreira, pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam) da Unicamp e secretária-executiva da Anppas. O Encontro de Indaiatuba foi aberto, na noite de 6 de novembro, pelo reitor da Unicamp, Carlos Henrique de Brito Cruz, e pelo presidente da Anppas, Pedro Jacobi, entre outros.
No Litoral - Lúcia da Costa Ferreira apresentou, durante o Encontro de Indaiatuba, os resultados de sua pesquisa sobre "Conflitos sociais em áreas protegidas no Brasil: moradores, instituições e ONGs no Vale do Ribeira e Litoral Sul (SP)". A pesquisadora estudou as relações estabelecidas nos últimos anos entre os vários atores presentes nos locais que se tornaram legalmente áreas de interesse ambiental, e portanto protegidas, no Vale do Ribeira e Litoral Sul paulista.
Inicialmente, segundo Lúcia Ferreira, houve uma fase de conflitos provocada por fatores como a desterritorialização das populações tradicionais, que viviam nessas áreas, e a sua "invasão" por técnicos dos órgãos públicos e membros de organizações não-governamentais, que não tinham ligação histórica com esses locais. Esse contato, sublinhou, foi feito basicamente sem um treinamento anterior, sem preparo algum de todos os envolvidos nas novas situações geradas pelas áreas protegidas.
No decorrer do processo, de acordo com a pesquisadora do Nepam, foi sendo desenvolvida uma "situação dialógica de aprendizado", com efeitos positivos e negativos para todos os atores envolvidos. Um fato notável, segundo Lúcia da Costa Ferreira, foi o aparecimento e consolidação no processo de lideranças legítimas das comunidades locais, que se empenham cada vez mais pela busca de alternativas de melhoria da qualidade de vida, em condições de respeito aos recursos naturais.
Energia e ambiente natural
As implicações do modelo energético para a conquista do desenvolvimento sustentado estiveram presentes em várias atividades no Encontro de Indaiatuba. O professor Oswaldo Sevá, da Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp, apresentou três trabalhos relacionados à questão no Grupo Energia e Meio Ambiente.
Em "Tópicos de Energia e Ideologia no início do século XXI: desenvolvimentismo como panacéia? Sustentabilidade como guia de corporações poluidoras?", Sevá propôs uma provocadora discussão a respeito do comportamento empresarial diante dos problemas ambientais e riscos mais relacionados com atividades industriais de grande escala. Ele comentou as posições de alguns porta-vozes da visão corporativa do desenvolvimento sustentável, como o suíço Stephan Schmidheiny, e ao mesmo tempo de alguns críticos da globalização, como o brasileiro Milton Santos.
Já em "Problemas ambientais relacionados com a Energia, as Águas e a Indústria. Uma seleção das regiões atingidas e dos focos relevantes de riscos no Estado do RJ", o professor da Unicamp apresentou os resultados de pesquisas em diversas regiões fluminenses, enfocando os riscos sofridos ou latentes - que fizeram e podem fazer vítimas humanas - e as alterações dos ambientes naturais do Estado do Rio de Janeiro.
O autor mencionou as seis principais aglomerações humanas do Estado do Rio de Janeiro e suas respectivas regiões geo-econômicas, onde os efeitos ambientais da industrialização são relevantes. E fez uma avaliação dos diversos impactos das atividades petrolífera e gasífera intensas no Estado, indicando ainda 33 outras instalações industriais, mais a região canavieira de Campos e mais 5 instalações nucleares. Para Sevá, "ainda falta muito esforço coletivo, técnico, acadêmico, e também da parte das entidades e do poder público, para que se saiba com mais exatidão as vítimas e os prejuízos ambientais no Estado do Rio de Janeiro" decorrentes das atividades industriais/energéticas.
Oswaldo Sevá expôs ainda o trabalho "O processo de eletrificação em áreas rurais. Análise da instalação e da desativação de mini-turbogeradores em fazendas nas serras friburguense, RJ, e da Mantiqueira, fronteira SP - Sul de MG", desenvolvido em co-autoria com Flávio Kopitar.
Para os autores, o processo de eletrificação em áreas rurais no Brasil revela componentes de autonomia possível para os sitiantes e fazendeiros que estão localizados em áreas serranas cujos córregos e rios com quedas e cachoeiras possam ser aproveitadas para instalar mini-usinas. Mas, dependendo da maior ou menor proximidade com as redes regionais de distribuição de eletricidade, e dependendo da maior ou menor proximidade geográfica dos grupos de consumidores, o mesmo processo contém, na opinião de Sevá e Kopitar, elementos de dependência e de subordinação dos proprietários a uma empresa concessionária da distribuição na região.
Nos dois casos analisados, no distrito de Lumiar, Nova Friburgo (RJ) e outra no bairro dos Machados, Bueno Brandão, no sudoeste de MG, uma mini-usina foi instalada na propriedade e anos depois foi "deslocada" pela chegada da rede rural de energia. No caso de Minas, foi feita uma análise econômica preliminar da situação após a desativação, e de uma situação hipotética em que a mini-usina fosse reativada, com uma modificação no projeto, e com um ganho econômico bastante provável no médio prazo.
Essa discussão da eletrificação rural esteve associada ao debate a respeito de como promover o fornecimento adequado e sustentável de energia para 18 milhões de brasileiros ainda excluídos do suprimento "tradicional", aqui incluindo os "gatos" das áreas urbanas densamente povoadas. A relação entre a questão ambiental e o setor de energia no Brasil foi discutida, ainda, por Paulo Procópio Burian, do IFCH-Unicamp.
A importância da participação popular
Uma das exigências do processo de construção do desenvolvimento sustentável é a efetiva participação popular, e esse princípio foi reiterado em vários momentos do I Encontro da Anppas. Dois dos estudos a respeito foram apresentados pelo engenheiro agrícola Nilson Antônio Modesto Arraes, da Feagri-Unicamp, nos Grupos de Trabalho sobre Sustentabilidade e Cidades e sobre Gestão Ambiental, Inclusão Social, Tecnologia e Design.
O tema "A participação nos processos de Agendas 21 Locais brasileiros" foi extraído da tese de doutorado defendida por Arraes na Faculdade de Engenharia Civil da Unicamp, sob orientação de Rozely Ferreira dos Santos. Na tese, discutida no Encontro da Anppas, Arraes analisou os processos de elaboração de Agendas 21 Locais nas cidades de Santos, São Paulo, Bragança Paulista e Betim (MG).
As Agendas 21 Locais são processos envolvendo sociedade civil, poder público, empresas e outros segmentos na discussão dos principais desafios sócio-ambientais de uma comunidade e dos mecanismos que podem ser praticados para enfrentá-los. As Agendas 21 Locais são, então, em tese, excelentes instrumentos estratégicos na trajetória de construção do desenvolvimento sustentável.
Na avaliação de Arraes, entretanto, as Agendas 21 Locais ainda pecam geralmente pela dificuldade em assegurar que os propósitos e metas elencados pela comunidade sejam efetivamente cumpridos e/ou perseguidos pelo poder público. O engenheiro considera que alguns mecanismos que vêm sendo praticados por alguns governos locais, como o Orçamento Participativo, traduzem de alguma forma o desejo de maior participação popular na tomada das decisões, rumo às cidades sustentáveis. Ocorre que os OPs, lembra, normalmente refletem as demandas imediatas das comunidades, não estando ligadas a um planejamento estratégico de mais longo prazo.
Comdema - Outra participação de Nilson Arraes esteve relacionada à sua experiência como representante da Unicamp no Conselho Municipal de Desenvolvimento e Meio Ambiente (Comdema) de Campinas. A discussão girou em torno do tema "Conselho Municipal de Meio Ambiente: das dificuldades gerais dos conselhos aos problemas cotidianos".
Arraes observou que após a posse do governo municipal do PT em Campinas, em 2001, o Comdema passou por reformulações importantes, em atendimento a algumas demandas antigas de vários setores sociais. O presidente do Conselho, que era automaticamente o secretário municipal de Planejamento, passou a ser escolhido diretamente pelos conselheiros. O Comdema também passou a ter caráter deliberativo antes tinha natureza somente consultiva e eventualmente normativa.
Outra modificação importante, nota Arraes, é o aumento da representatividade popular no Conselho - as sete macrozonas em que o Município de Campinas foi dividido passaram a ter representantes eleitos por suas comunidades no Comdema.
Apesar de todas essas mudanças positivas, segundo Nilson Arraes, o Comdema de Campinas vem passando por algumas dificuldades. Ele entende que é necessário fortalecer a ampliação e a representatividade da base social do Conselho, na sua opinião ainda muito tímida.
Além disso, o pesquisador considera que o poder público local não vem demonstrando a mesma preocupação na área ambiental do que aquela demonstrada em áreas sociais mais diretas, como educação e saúde. Por isso, entre outros motivos, é que o Comdema precisa aprimorar ainda mais a sua representatividade. A promoção de uma Conferência Municipal do Meio Ambiente, com discussões nas várias re-giões, pode ser um caminho levar ao fortalecimento do Comdema, acredita Nilson Arraes.
Demografia no centro do debate
Professores da Unicamp participaram em vários outros momentos do I Encontro da Anppas. A maioria dos trabalhos discutidos na mesa-redonda Dinâmicas Demográficas e Meio Ambiente era de especialistas da Universidade. A mesa foi coordenada por Daniel Hogan, pro-reitor de Pós-Graduação da Unicamp.
Humberto Prates F.Alves, do IFCH/Nepo, discutiu as "Metodologias para estudos sócio-demográficos com enfoque em análises espaciais e ambientais". Roberto Luis do Carmo, Daniel Hogan e Gislaine Carvasan, ambos do Nepo, apresentaram o tema "Cidade Industrial e percepção dos problemas ambientais: o caso de Paulínia". E Rosana Baeninger, também do Nepo, abordou o "Crescimento das cidades e das metrópoles brasileiras: resultados do Censo 2000".
A mesa reiterou a importância cada vez maior dos estudos demográficos para as questões sócio-ambientais, conforme indica o Capítulo 5 da Agenda 21 global, que trata da "Dinâmica Demográfica e Sustentabilidade".
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Pesquisa indica desafios
Um estudo apresentado no I Encontro da Anppas mostrou os desafios associados à percepção da opinião pública sobre os temas de ordem sócio-ambiental. A Pesquisa Nacional de Opinião "O que o Brasileiro pensa do Meio Ambiente e do Consumo Sustentável" vem sendo realizada em conjunto pelo Instituto de Estudos da Religião (Iser), Ministério do Meio Ambiente, instituto de pesquisa independente (NGO) e Ibope. Os resultados da pesquisa - na realidade uma comparação entre dados apurados em 1992, 1997 e 2001 - foram depositados no Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop) da Unicamp. Os resultados foram comentados em Indaiatuba por Samyra Crespo, do ISER. Alguns resultados:
- Meio ambiente aparece com 4% no ranking dos principais problemas do Brasil (em 2001).
- A proporção dos que entendem ser "a natureza sagrada e o homem não deve interferir nela" aumentou de 57% dos entrevistados em 1992 para 67% em 2001
- Entre os entrevistados em 2001, somente 30% consideram que "homens e mulheres" fazem parte do meio ambiente; apenas 18% consideram que as "cidades" e 16% que as "favelas" fazem parte do meio ambiente
- A pesquisa mostrou que o brasileiro tem uma visão de meio ambiente basicamente ligada à fauna e flora. Essa concepção naturalista é reforçada por dados como a preferência por participar em associação que tem por finalidade a defesa de florestas e animais ameaçados de extinção (42%), no lugar de organizações voltadas para promover o saneamento em áreas pobres das cidades (28%)
-"Separar o lixo a ser reciclado" foi a opção preferida (68% em 2001) na lista do que o entrevistado estaria disposto a fazer para proteger o meio ambiente, contra 5% de "contribuir para organizações ambientais"; a opção "pagar mais por alimentos sem produtos químicos" foi citada na proporção de 6% em 2001, contra 14% em 1992; já a opção "reduzir o consumo de energia e gás" aumentou consideravelmente, de 38% em 1992 para 72% em 2001, claramente sob o efeito do racionamento de energia.
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