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Rio + 10 ou Rio - 30?
Seminário expõe divergências da
comunidade científica sobre Johanesburgo
JOSÉ PEDRO MARTINS
A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, realizada em Johanesburgo e também conhecida como Rio+10, ainda provoca divergências na comunidade científica e diplomática brasileira. Isto ficou claro no Seminário "Desenvolvimento Sustentável: Um Balanço de Johanesburgo", que o auditório do Instituto de Economia (IE) da Unicamp sediou a 5 de novembro. O evento foi promovido pelo IE, Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam) da Unicamp e Sociedade Brasileira de Economia Ecológica (ECO-ECO).
O tom mais crítico em relação aos resultados da Rio+10 esteve presente na exposição de Roberto Guimarães, da divisão de Meio Ambiente da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), na mesa-redonda específica sobre Johanesburgo, coordenada por Leila da Costa Ferreira. Guimarães iniciou sua provocação sustentando que a Rio+10 pode passar para a história como a Rio-30.
Os primeiros dias da Conferência da África do Sul, justificou, foram dedicados a salvar os princípios consagrados no direito ambiental internacional desde a Conferência do Ambiente Humano, de Estocolmo, em 1972. Guimarães lembrou que naquela Conferência, pioneira em termos do ambientalismo contemporâneo, diplomatas brasileiros, como Miguel Osório de Almeida e João Augusto de Araújo Castro, contribuíram para a afirmação de princípios como o da precaução e o das responsabilidades comuns e diferenciadas.
O princípio da precaução foi, segundo o pesquisador do Cepal, substituído no documento de trabalho original da Conferência de Johanesburgo por um "enfoque ecossistêmico com precaução quando seja possível".
Do mesmo modo o documento original da Conferência na África do Sul colocava em xeque o princípio das responsabilidades comuns e diferenciadas, no entender de Roberto Guimarães. Este princípio indica que as responsabilidades sobre a construção de um modelo de desenvolvimento sustentável devem ser compartilhadas pelo conjunto dos países. Alguns deles, entretanto, devem assumir responsabilidades diferenciadas, considerando o seu poder econômico e o potencial de impacto ambiental de seus processos produtivos nos recursos naturais do planeta.
Para Guimarães, grande parte dos debates da Conferência de Johanesburgo foi dedicada, assim, a manter princípios consolidados no direito ambiental internacional. Nesse sentido, na sua opinião, se os resultados da Rio + 10 não significam necessariamente um retrocesso, pelo menos eles não representam avanços em relação ao já existente.
Para Roberto Guimarães - que ressalvou falar em nome pessoal, em não da Cepal - o Ministério das Relações Exteriores "já foi mais ousado", quando se analisa a participação dos diplomatas brasileiros na Rio+10. Entretanto, ele reconhece como avanço o apoio do Itamaraty à Iniciativa Latino-Americana e Caribenha pelo Desenvolvimento Sustentável, na sua opinião uma das ações responsáveis por "salvar" o encontro de Johanesburgo do fracasso. A proposta do Brasil, de que a matriz energética mundial fosse em pelo menos 10% de fontes consideradas limpas, foi salientada como outro ponto positivo da participação do corpo diplomático brasileiro na África do Sul.
Visões otimistas - Outros olhares dos demais componentes da mesa-redonda no IE-Unicamp foram mais otimistas em relação aos resultados da Rio+10. Conselheiro do Ministério das Relações Exteriores, André Aranha Correa do Lago entende que, desde Estocolmo-72, os temas ambientais ganharam um espaço cada vez mais relevante da agenda internacional.
Outro avanço sensível, na sua opinião, tem sido da participação da sociedade civil, o que foi novamente verificado em Johanesburgo. Cerca de 70% dos membros da delegação brasileira, lembrou, eram de representantes de organizações não-governamentais.
Correa do Lago considera, ainda, que a participação diplomática brasileira foi expressiva na África do Sul. A derrota da posição brasileira, no caso da meta de 10% de energias limpas, deve-se a um boicote no interior do Grupo dos 77, do qual o Brasil faz parte, lembrou. O Grupo dos 77 representa o conjunto dos países em desenvolvimento, inclusive os árabes produtores de petróleo, que representaram a maior barreira à proposta brasileira.
O assessor da Presidência da República para o Meio Ambiente, Fábio Feldmann, também discordou de algumas posições de Roberto Guimarães. Ele é da opinião de que a posição brasileira em Estocolmo-72 foi claramente contrária ao espírito da reunião. "O governo militar defendia a tese de que a pior poluição era a miséria, e estimulou muitas empresas poluentes a se instalarem no Brasil", sublinhou. .
Mas Feldmann concordou com Guimarães nos casos da importância da proposta brasileira de 10% de fontes renováveis e do apoio do Itamaraty à Iniciativa Latino-americana e Caribenha. "Os países da África estavam empenhados em que a Conferência discutisse a pobreza, o que é legítimo, mas a reunião era sobre desenvolvimento sustentável, e por isso a iniciativa foi importante para que o foco central da reunião fosse retomado", disse.
O professor do Instituto de Biologia Carlos Joly, salientou os avanços que, na sua opinião, foram verificados em Johanesburgo. Ele lembrou que os 15 países com maior biodi-versidade do planeta formaram um bloco na África do Sul. Essa atuação em bloco dos países de megabiodiversidade, destacou, foi fundamental para a inclusão de princípios avançados no documento final do encontro. "Um dos poucos pontos do documento que indica uma data como referência é a que sugere 2010 como prazo para reduzir a destruição da biodiversidade", disse Joly.
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