Soja está no centro da
guerra dos transgênicos
Especialista
da Fiocruz diz que atentado biológico
interessa aos dois maiores produtores mundiais, EUA
e Argentina
MANUEL
ALVES FILHO
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Leila Oda, presidente da Associação
Nacional de Biossegurança: As discussões
têm sido muito emocionais |
A introdução das sementes
de soja transgênica no Brasil, contrabandeadas
da Argentina, configurou um ato de bioterrorismo contra
o país. A acusação, em tom contundente,
foi feita por Silvio Valle, pesquisador titular da
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que
participou, no último dia 22 de outubro, do
simpósio Biossegurança, Transgênicos
e Ambiente, promovido pelo Instituto de Biologia
(IB) da Unicamp. De acordo com ele, o atentado
biológico vai ao encontro dos interesses
dos dois maiores produtores do mundo da soja geneticamente
modificada, a saber: a própria Argentina (60%
da produção nacional) e os Estados Unidos
(70%). Para essas nações, é
muito conveniente essa introdução pirata
e desordenada. Nós estamos nos transformando
no país da soja ilegal. Eu não me surpreenderia
se, daqui a alguns anos, os Estados Unidos anunciassem
ao mundo que têm condições de
vender a soja não-modificada, afirmou.
Na opinião de Valle, ninguém
sabe ao certo, a esta altura, onde há ou não
soja transgênica no Brasil. Essa confusão,
diz, favorece a consolidação do produto
no País, sob as vistas grossas tanto das autoridades
quanto da comunidade científica. O pesquisador
da Fiocruz afirmou que ainda não há
estudos suficientes no mundo e muito menos
no País -, sobre os impactos que os organismos
geneticamente modificados (OGMs), inclusive
a soja, podem provocar na a saúde e no meio
ambiente. Segundo ele, 98% da soja e 98% do milho
transgênicos produzidos no mundo são
usados na composição da ração
animal. Ora, se eles ainda não estão
sendo consumidos em larga escala pelas pessoas, como
é que alguém pode dizer que não
causam qualquer mal para elas?, questionou.
Para
o especialista, a comunidade científica tem
sido usada como massa de manobra pelos
grupos que são contra ou a favor da adoção
da soja transgênica pelo Brasil. Valle afirmou
que não cabe aos cientistas assumir posições
ideológicas ou mesmo emocionais em relação
ao assunto. Os pesquisadores deveriam se ater
à questão meramente técnica,
de modo a apontar as vantagens e riscos de uma ou
outra decisão. A palavra final, nesse caso,
tem de ser da sociedade, analisou. Indagado
se a população está sendo devidamente
informada sobre o tema, para que possa se definir,
o pesquisador da Fiocruz respondeu que não.
De acordo com ele, as pessoas têm
sido bombardeadas praticamente todos os dias por informações
dirigidas e, não raro, desnecessárias.
A sociedade já deu sinais claros de que
os dados lançados até aqui não
foram suficientes para dissipar as suas dúvidas.
A comunidade científica, por exemplo, tem falado
muito sobre o que ela sabe a respeito de OGMs,
mas pouco sobre o que não sabe. E, nesse campo,
é preciso que deixemos de ser prepotentes.
É necessário dizer para a população
que nós conhecemos 10% sobre o tema e desconhecemos
os outros 90%, revelou. Não dá
simplesmente pra falar: foi testado e, portanto, pode
ser liberado, insistiu.
Antes de propor para os brasileiros
a adoção ou não da soja ou de
outros organismos geneticamente modificados, advertiu
Valle, é preciso promover um estudo de impacto
ambiental que leve em conta as especificidades do
País. Paralelamente, é indispensável
a realização de testes de segurança
alimentar, para a identificação de eventuais
substâncias alergênicas no produto obtido
a partir da planta transgênica. Também
se faz necessário promover um controle pós-alimentação,
para verificar possíveis reações
deletérias. A desinformação
das pessoas é tanta, que elas não sabem
que o óleo feito da soja geneticamente modificada
não é um alimento transgênico.
Ele não tem o DNA e nem as proteínas
transgênicas da planta, pois passa por um processo
de purificação. Mas isso, por si só,
não assegura que esse OGM não ofereça
riscos, explica.
Retornando aos interesses que cercam
a introdução desordenada da soja transgênica
no Brasil, o pesquisador da Fiocruz destacou que a
biossegurança é apenas um aspecto a
ser levado em conta no debate sobre a liberação
ou não do alimento para a comercialização.
Também devem ser consideradas as questões
social e econômica. O argumento de que a soja
transgênica é muito mais vantajosa do
ponto de vista econômico e ambiental do que
a convencional, pois é mais resistente a pragas
e, portanto, exige a aplicação de menores
quantidades de agrotóxicos, não convence
Valle.
E ele explica o motivo do seu ceticismo: No
mercado internacional, a soja transgênica tem
um custo aproximado de US$ 150 a tonelada, e é
usada basicamente para a produção de
ração animal. Já a proteína
da soja convencional, utilizada na fabricação
de embutidos, vale US$ 500 a tonelada. Por fim, a
soja não-modificada destinada para fins fitoterápicos
alcança o preço de US$ 10 mil a tonelada.
É por isso que eu digo que não me surpreenderia
se, no futuro, os Estados Unidos anunciassem que,
entre os maiores produtores mundiais do grão,
apenas ele é capaz de vender a soja convencional.
China A presidente
da Associação Nacional de Biossegurança
(ANBio), Leila Oda, que também participou do
simpósio organizado pelo IB, afirmou que a
entidade enviou um documento chamando a atenção
do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para
a necessidade da formulação de um plano
de prevenção e combate ao bioterrorismo
no Brasil. Atualmente, nós estamos muito
suscetíveis a um ataque desse tipo, afirmou.
Ela concordou com o pesquisador da Fiocruz, no que
diz respeito à desinformação
da população sobre os OGMs. As
discussões têm sido muito emocionais
e poucos esclarecedoras, disse.
Um exemplo da confusão gerada
na sociedade, afirmou, diz respeito à rotulagem
dos alimentos produzidos a partir de plantas transgênicas.
O rótulo, conforme a presidente da ANBio, não
tem a função de alertar o consumidor
sobre os possíveis riscos daquele produto.
Se o alimento estiver liberado para comercialização,
é sinal de que foi aprovado em todos os quesitos
e é tão seguro quanto qualquer outro.
O rótulo serve apenas para dar ciência
ao consumidor de que o alimento teve como base um
organismo geneticamente modificado. A pessoa vai optar
ou não pela compra a partir de princípios
religiosos ou ideológicos, mas não por
causa da segurança, esclareceu.
Em relação à
adoção dos transgênicos para a
produção em escala, Leila tem um posicionamento
diferente da do seu colega da Fiocruz. De acordo com
ela, se os agricultores de diversos países
estão plantando cada vez mais sementes de OGMs,
isso é um sinal de que elas são vantajosas
economicamente. Afinal, eles visam o lucro,
ponderou. Do ponto de vista ambiental, os transgênicos
também estariam se mostrando benéficos,
na opinião da especialista. Para sustentar
seu argumento, ela cita a China, país no qual
a agricultura familiar é muito importante.
Lá, disse, os camponeses
estarão aderindo de forma gradativa aos transgênicos,
sobretudo o algodão. Anteriormente, essas
pessoas tinham sérios problemas de intoxicação,
em razão dos defensivos agrícolas aplicados
nas plantações. Com o advento do algodão
transgênico, que é mais resistente às
pragas, houve uma queda significativa do uso desses
produtos químicos. Resultado: o nível
de intoxicação dos produtores rurais
foi reduzido em até oito vezes, assegurou.
Outras implicações
Nos dois dias subseqüentes
ao simpósio realizado pelo IB, a Alphabio
Consultoria e Projetos em Ciências Biológicas,
empresa júnior do mesmo instituto, promoveu
o I Fórum Internacional de Biotecnologia
e Organismos Geneticamente Modificados.
O evento, aberto pelo vice-reitor da Unicamp,
José Tadeu Jorge, reuniu pesquisadores
e representantes de empresas, movimentos sociais
e do Congresso Nacional. O objetivo da iniciativa,
conforme Simone Tsuneda, diretora-presidente
da Alphabio, foi informar a sociedade a respeito
dos vários aspectos que envolvem os transgênicos.
Nós nos propusemos a ir além
da questão técnica. As implicações
políticas, legislativas e sócio-econômicas
também nortearam os debates, afirmou.
Simone também fez coro
com os pesquisadores da Fiocruz e da ANBio,
no que se refere à necessidade de um
melhor esclarecimento da população
sobre os OGMs. Infelizmente, a comunidade
científica tem grande dificuldade de
repassar os dados de maneira palatável
para as pessoas de modo geral. Não é
um bicho de sete cabeças, disse.
A diretora da Alphabio considerou, porém,
que ainda há muito o que se estudar sobre
os organismos geneticamente modificados. Temos
que analisar tudo com muito cuidado. As pessoas
precisam ter a segurança de que nenhum
produto que faça mal à saúde
será lançado aleatoriamente no
mercado.
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