Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 235 - de 27 outubro a 2 novembro de 2003
Leia nessa edição
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Diário de Lisboa
Trangênicos: o eixo da guerra
HES: entre os melhores
A Cena viva de Renato Cohen
Pesquisa: droga vasldilatadora
Avaliação: José Dias Sobrinho
Deficientes: atividades físicas
Diplomacia Econômica
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Plantas: novos antibióticos
Borracha natural
Música: território livre
 

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Cena viva de Renato Cohen desbravou fronteiras da vanguarda

 

REGINA POLO MÜLLER

Artista multimídia, pesquisador das mediações e dos novos suportes na cena, autor de experimentos radicais. Xamanismo e redes telemáticas, o corpo mediado na rede e as narrativas projetadas na NET. Arte e interatividade, performance e tecnologia. Estas são palavras-chave, às quais poderíamos acrescentar, ainda, linguagens híbridas, “cultura das bordas” e tecnoculturas, que talvez ajudem a definir o perfil do artista, pesquisador e professor Renato Cohen, falecido no último dia 19, aos 47 anos.

Presentes em suas publicações, ementas de disciplinas e de linhas de pesquisa, em apresentações de obras artísticas e em catálogos de artistas contemporâneos brasileiros, elas podem, juntamente com os próprios veículos de sua produtividade, dar uma idéia de sua fértil e ousada carreira de artista vinculado à Universidade, desbravando fronteiras e avançando nos territórios de vanguarda.

Descrever sua trajetória acadêmica pode contribuir mais um pouco, ainda, para deixarmos minimamente marcado o reconhecimento da vitalidade de sua atuação na renovação da pesquisa e no ensino de artes no ensino superior.
Autor de dois livros importantes no campo da pesquisa em artes cênicas contemporâneas, Performance como linguagem (1988/2003) e Work in progress na cena contemporânea (1998), ambos pela editora Perspectiva e, respectivamente, versões publicadas de sua dissertação de mestrado e da tese de doutorado, pela Universidade de São Paulo, Renato Cohen pertence à geração que encontrou no meio acadêmico o lugar da experimentação e da instauração do novo no mundo das Artes. Tal como se espera que se cumpra o destino das universidades, mas um lugar, neste caso, criado pela própria arte contemporânea, com a urgente necessidade, neste seu novo tempo, de se constituir intimamente conectada à ciência e tecnologia.

Cena de Ka (acima), peça baseada na obra homônima de Khlébnikov e dirigida por Cohen (foto): irradiação da energia criativa

Formado, na graduação, em Engenharia de Produção (USP), Cohen se dedicou, na pós-graduação, aos estudos de teatro, fazendo, desde então, a opção por suas operações prediletas como pesquisador e artista: a radicalidade e mistura, a fusão e alquimia que permitem borrar fronteiras, justamente para avançá-las. Seu tema de pesquisa foi a performance, linguagem da cena teatral que surge no século 20, com vinculação com as artes plásticas.

Estes estudos, alocados inicialmente no campo interdisciplinar das teorias da arte, história da arte e direção teatral, se desdobram posteriormente, ao acrescentar o campo da interpretação teatral. Vê-se aqui, novamente, mistura ou “interstício”, emprestando-se mais uma de suas palavras, para nomear essa nova realidade em que criador e intérprete são o mesmo e que, como categorias separadas, já não dariam mais conta de nomear os personagens dos processos da criação cênica contemporânea.

Work in process: linguagens da criação, encenação e recepção na cena contemporânea, a tese de doutorado, é resultado de sua experiência acadêmica e artística. Daí em diante, estas explodiriam em diversas interfaces, como o pós-doutorado na PUC-SP, nas áreas de Semiótica, Teoria da Comunicação e Teoria da Informação. Docente desta Universidade, desde 1998, coordena ainda o Núcleo de Estudos da Performance e em 2003, no Seminário de Estudos Avançados, ensina na área de Tecnologias de Informação, na linha Tecnocultura, a disciplina “Artemídia-Estudo de Objetos Transmidiáticos”.

Já na Unicamp, cujo vínculo se inicia em 1998, com sua atuação como diretor do espetáculo KA, exibido no Museu da Cidade, em Campinas, participa como docente, desde 1999, da reelaboração do curso de mestrado e proposta de doutorado em Artes do IA, na linha de pesquisa interdisciplinar “Arte e Mediação”, orientando trabalhos de criação em artes cênicas. Suas aulas, no mestrado, eram laboratórios de experimentação, chamados por ele de “Seminários artísticos”, perfil que leva também às sessões do GT “Territórios e Fronteiras”, sob sua coordenação, da Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-graduação em Artes Cênicas (Abrace). Sua pesquisa articula as duas principais vertentes de sua obra, tratando da “Performance na Era da Tecnologia”.

Suas pesquisas teóricas e práticas receberam apoio institucional. Foi contemplado com a Bolsa Vitae, por duas vezes, com o projeto “Teatro e Novas Tecnologias”. Dirigindo os alunos do Departamento de Artes Cênicas da Unicamp, na criação e encenação de KA, baseado na obra de Vélimir Khlébnikov e os usuários do serviço de saúde mental em DÉDALUS (2000), com Sergio Penna e música de Wilson Sukorski, Renato Cohen misturava recursos tecnológicos, hipertextos, ambientação e xamanismo.

Essa é a experiência artística que fundamenta seu percurso acadêmico. Sua produção inclui ainda instalações multimídia interativas, eventos de telepresença com acesso pela rede, ao lado de outras atividades como curadoria e seminários de mostras, através das quais exerce seu pensamento e reflexão teórica. Assim, organizou tematicamente a mostra realizada, em 2002, pelo TCT-Teatro do Centro da Terra, São Paulo, na qual se juntaram “pesquisas radicais em dança e teatro, que vão da Antropologia ao universo das hipermídias”.

Nas suas próprias “experiências radicais”, como as performances interativas com uso do espaço computacional, conta com a parceria de Johannes Birringer (Ohio), autor da “sala tecnológica” que “recebe inputs em tempo real – em contraposição à sala instalação, remetida às artes plásticas”. Finalmente, o conceito de environment que Renato Cohen formulou como energia psíquica presente na performance e veículo de troca, poderia nos auxiliar a entender como xamanismo e redes telemáticas aparecem juntos no elenco das palavras-chave de sua obra. Tanto um como outro conectam pessoas, estabelecem redes de contato e convivência. É uma relação que se pode estabelecer na sua teoria, mas que soa, sobretudo, como seu desejo de conectar pessoas, mundos, idéias.

Para os colegas e alunos do Instituto de Artes da Unicamp que participaram de seu convívio, esta foi uma experiência que os conectou aos colegas e alunos de outras instituições de pesquisa e de ensino superior, uma das condições fundamentais para a consolidação da área de Artes na Universidade. Para além da experiência institucional, entretanto, as conexões que a convivência com Renato Cohen estabelecia diziam muito mais respeito ao fenômeno do encontro humano, afinal a matéria de que se constitui a atividade artística e a docência. Sua sensibilidade e afetividade faziam ser o centro de irradiação da energia criativa e educacional.

Regina Pólo Muller é professora do Instituto de Artes da Unicamp (IA)

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