Pesquisadores criam veículo
que conduz droga vasodilatadora
Estudos multidisciplinares desenvolvidos
por especialistas da Unicamp já renderam sete
pedidos de patentes
MANUEL
ALVES FILHO
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O professor Marcelo Ganzarolli de Oliveira, do
IQ: linha de pesquisa diversificada |
Metade
das mortes registradas no mundo decorre de doenças
coronarianas, segundo as autoridades de saúde.
Diante da gravidade do problema, cientistas do mundo
todo dedicam boa parte do seu tempo à formulação
de drogas e métodos mais eficientes para o
combate dessas enfermidades. O esforço conta
com a colaboração de pesquisadores do
Instituto de Química (IQ) da Unicamp, que nos
últimos oito anos têm trabalhado no desenvolvimento
de técnicas e biomateriais voltados ao tratamento
da hipertensão arterial e da aterosclerose
(ou arteriosclerose), baseados na liberação
controlada de óxido nítrico (NO), uma
substância sintetizada pelos mamíferos
e que tem propriedades antiinflamatórias, antiproliferativas
e antitrombóticas. Os estudos conduzidos pelos
especialistas da Universidade, que já geraram
sete pedidos de patentes, estão abrindo perspectivas
para o uso de novas tecnologias pela indústria
farmacêutica, destinadas ao tratamento desses
males.
Embora os biomateriais doadores
de NO estejam sendo preparados por químicos,
a pesquisa é de natureza multidisciplinar,
como destaca o professor Marcelo Ganzarolli de Oliveira,
do Departamento de Físico-Química do
IQ. Segundo ele, os estudos contam com a colaboração
de especialistas de outras áreas da própria
Unicamp, como o Instituto de Biologia (IB) e a Faculdade
de Ciências Médicas (FCM), além
do Instituto do Coração (InCor), hospital
ligado à Universidade de São Paulo (USP).
Ganzarolli conta que os trabalhos tiveram início
em 1995, logo que ele retornou do seu pós-doutorado
na Inglaterra.
Três anos depois, três
cientistas dividiriam o Prêmio Nobel por terem
descoberto, no final da década de 80, que o
NO, mais conhecido até então apenas
como um poluente atmosférico, era a substância
sintetizada endogenamente pelos mamíferos para
o controle da pressão arterial. O episódio
fez com que o interesse pelo assunto aumentasse em
todo o mundo. Ganzarolli valeu-se desse impulso para
iniciar uma linha de pesquisa baseada na síntese
de moléculas doadoras de óxido nítrico,
bem como na caracterização das suas
propriedades químicas e fisiológicas.
O objetivo era buscar uma alternativa aos comprimidos
e adesivos transdérmicos que cumprem essa missão,
mas que utilizam, por exemplo, a nitroglicerina como
fonte exógena da substância. A
grande vantagem das moléculas doadoras que
sintetizamos é que, por serem endógenas
[estão presentes no sangue], elas não
são tóxicas ao homem, explica.
Ganzarolli montou uma linha para
sintetizar essas moléculas e, posteriormente,
a atividade vasodilatadora das drogas foi confirmada
em ensaios com animais, num trabalho em colaboração
com o IB. Em outras palavras, os pesquisadores verificaram
que os doadores de óxido nítrico sintetizados,
reduziam a pressão arterial. O método
de síntese e as formulações,
que se mostraram eficazes, renderam três pedidos
de patente em nome da Unicamp e receberam menções
honrosas do Prêmio Governador do Estado, nas
edições de 2001 e 2002. Além
disso, um artigo publicado foi capa da revista Nitric
Oxide também em 2002. A partir deste
ano, o professor do IQ e sua equipe se impuseram um
outro desafio: trabalhar na formulação
de um veículo que pudesse conduzir,
de forma controlada, o óxido nítrico
até locais específicos no organismo.
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Ensaio promovido na Universidade de Edimburgo,
na Escócia: vasodilatação
local |
Os especialistas da Unicamp desenvolveram,
então, um gel que tem como base um polímero,
no qual o NO está incorporado. Ganzarolli esclarece
que, assim que o material é aplicado, ele passa
a liberar, através da pele, o óxido
nítrico, que irá atingir posteriormente
a corrente sangüínea. Esse estudo contou
com a colaboração do médico escocês
Richard Weller. No ensaio promovido no departamento
de dermatologia da Universidade de Edimburgo, na Escócia,
com homens e mulheres saudáveis, a aluna de
doutorado do IQ Amedea Barozzi Seabra, verificou que
o gel contendo o NO provocava uma vasodilatação
local.
O experimento abriu boas perspectivas
para o uso farmacológico dessa formulação,
pois ela possui um grande potencial de aplicação
para o tratamento de infecções e feridas
na pele, como a psoríase e as lesões
produzidas pela leishmaniose cutânea, doença
endêmica em países tropicais como o Brasil,
afirma Ganzarolli. O trabalho permitiu, ainda, a continuidade
das pesquisas, dessa vez direcionadas para o controle
da aterosclerose, outra doença na qual os doadores
de óxido nítrico podem ter uma ação
terapêutica. A doença pode ser explicada
como um processo imunoinflamatório. Ele se
origina no espaço logo abaixo da primeira camada
de células que reveste o interior de todos
os vasos sangüíneos, o endotélio.
É nesse ponto que as placas de aterosclerose
se desenvolvem. O problema é especialmente
grave quando afeta as artérias coronárias,
que nutrem com sangue o músculo cardíaco.
A maior parte dos infartos ocorre
quando a placa ateromatosa se rompe subitamente, disparando
a formação de um coágulo que
bloqueia o fluxo sangüíneo. Quando isso
acontece, uma parte do coração deixa
de ser irrigada. As conseqüências normalmente
são graves, podendo levar à morte. Segundo
Ganzarolli, entre as várias formas de tratamento
desta doença, uma delas é uma técnica
conhecida como angioplastia. O método consiste
na introdução, através da artéria
femoral, de um cateter contendo um balão em
sua extremidade. Através do vaso, o médico
chega ao coração do paciente e, conseqüentemente,
à artéria coronária comprometida.
Ao atingir o ponto exato da estenose, o balão
é inflado, ampliando assim o calibre do canal
e restabelecendo o fluxo sangüíneo. Acontece,
porém, que logo após o procedimento,
entre 5% e 10% das pessoas sofrem o que os especialistas
chamam de reoclusão aguda. Simplificando, as
artérias voltam a se fechar rapidamente.
Além disso, de 30% a 50%
dos pacientes submetidos à angioplastia passam
pela mesma situação depois de um período
um pouco maior, num processo chamado de reestenose
tardia. Para reduzir esses índices, a medicina
aprimorou o procedimento. A alternativa foi colocar
uma malha metálica (stent) em torno do balão
preso ao cateter. Após inflar o balão,
a malha se expande e é fixada no interior da
artéria, dando sustentação às
suas paredes. Apesar de mais eficiente que o método
anterior, este também não tem 100% de
sucesso. Mesmo com o uso do stent, entre 20%
a 30% dos pacientes ainda têm reestenose,
diz o professor do IQ.
Só
para se ter uma idéia do número de pessoas
acometidas pelas doenças coronarianas os especialistas
estimam que perto de 2 milhões de stents são
implantados anualmente no mundo. Há cinco anos,
um novo avanço foi registrado nessa área.
O stent passou a ser revestido por substâncias
inibidoras da reoclusão. Uma dessas drogas,
a rapamicina, já é usada comercialmente
no recobrimento de stents. Basicamente, ela tem uma
ação antiproliferativa. O que os pesquisadores
do IQ fizeram, com o auxílio de especialistas
do InCor, foi aproveitar a idéia para desenvolver
um polímero contendo o óxido nítrico,
para ser usado no revestimento do stent. O objetivo
era obter um efeito melhor do que o das drogas convencionais,
dado que o NO tem uma ação ainda mais
abrangente.
Nós já fizemos
esse revestimento e constatamos a propriedade do polímero
liberar o NO de forma controlada. O próximo
passo será testar o método in vivo,
em modelos animais, adianta Ganzarolli. Esses
ensaios, de acordo com ele, ficarão a cargo
dos médicos do InCor. A expectativa é
que os testes preliminares estejam sendo realizados
por volta do segundo semestre do ano que vem. O docente
da Unicamp diz que as matrizes poliméricas
já estão sendo patenteadas. Ele destaca
que, além de colocar o Brasil no seleto clube
de países detentores desse tipo de tecnologia,
os estudos têm contribuído para a formação
de pessoal qualificado e para a difusão do
conhecimento.
Os trabalhos já geraram duas
dissertações de mestrado e uma tese
de doutorado. Atualmente, o trabalho envolve duas
teses de doutorado, uma de mestrado e alunos de iniciação
científica. Neste ano nós publicamos
dois artigos sobre os materiais doadores de óxido
nítrico na revista Biomaterials
que possui o maior índice de impacto nesta
área, afirma Ganzarolli, que ressalta
ainda a importância do apoio financeiro da Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo (Fapesp) aos projetos coordenados por ele.