Documento da Unctad destaca
curso implantado pela Unicamp
Discurso de Rubens Ricúpero
em Genebra ressalta importância da Especialização
em Diplomacia Econômica
ANTONIO
ROBERTO FAVA
A
iniciativa do Instituto de Economia da Unicamp em
organizar um Curso de Especialização
em Diplomacia Econômica foi destaque no pronunciamento
oficial feito pelo secretário-geral da Conferência
das Nações Unidas para o Comércio
e o Desenvolvimento (Unctad), embaixador Rubens Ricúpero,
em Genebra, no último dia 15. O curso, iniciado
na semana passada, faz parte de um termo de compromisso
firmado em agosto entre a Unicamp e a Unctad. Pelo
acordo, o Instituto de Economia passa a integrar,
pioneiramente na América Latina, uma rede de
instituições dedicadas à capacitação
de participantes de países em desenvolvimento
nas negociações internacionais e à
pesquisa acadêmica nos temas e questões
que integram as agendas das negociações
no exterior.
Pela
primeira vez no Brasil, uma grande universidade, a
Universidade Estadual de Campinas, organizou um curso
em parceria com a Unctad, disse Ricúpero
em seu pronunciamento na Primeira Sessão do
Comitê Preparatório para a 11º Unctad.
E estamos envolvendo muitas outras universidades
no mesmo sentido, completou. Ricúpero
citou o acordo com a Unicamp como uma ação
concreta dentro do esforço que a Unctad
vem desenvolvendo para ajudar países em desenvolvimento
a estabelecer estratégias de negociação
no comércio exterior a partir de sua própria
realidade. Além da Unicamp, a rede de centros
de pesquisas ligada à Unctad inclui o International
Institute for Trade and Development, em Bancoc, na
Tailândia, e o Tralac (Trade Law Centre for
Southern Africa) na Namíbia, África.
Essa
parceria é oportuna para o Brasil, já
que nesse momento as negociações internacionais
se tornaram um fator importante, disse o professor
Mário Presser, organizador do curso. O economista
lembra que o contexto atual inclui não apenas
as discussões relacionadas à Organização
Mundial do Comércio (OMC), mas também
à Área de Livre Comércio das
Américas (Alca). As informações
que serão geradas estarão baseadas no
rigor da pesquisa acadêmica e não apenas
em opiniões isoladas, destaca. A
Unicamp e a Unctad estarão colocando sua discussão
intelectual a serviço dos debates.
Presser
diz que a parceria com a Unctad permitirá,
através do Curso de Especialização
em Diplomacia Econômica, realizar uma constante
atualização dos temas, questões
e posições dos principais países
que compõem o cerne das negociações
internacionais, transmitindo aos participantes uma
visão contemporânea das discussões
em andamento. Segundo ele, a Unctad possui uma visão
global dos problemas enfrentados em comércio,
finanças, investimentos diretos e transferência
de tecnologia pelos países em desenvolvimento,
tendo elaborado uma Agenda Positiva para
fornecer coerência às iniciativas nesses
campos. Por sua vez, o Instituto de Economia
da Unicamp tem propostas nesses temas para o Brasil,
observa.
De
acordo com o economista, a visão global da
Unctad pode ser enriquecida pelas contribuições
locais e vice-versa. Técnicos da Unctad darão
suporte ao curso por intermédio de videoconferências,
resolução de dúvidas, palestras
e seminários. Os participantes utilizarão
manuais de treinamento desenvolvidos pela Unctad e
terão acesso às publicações
e aos bancos de dados desta instituição
colocados à disposição do Instituto
de Economia.
Isso
possibilitará uma discussão mais fundamentada
das trajetórias de inserção internacional
do Brasil e de outros países em desenvolvimento
na região, explica. O curso, com carga
horária de 372 horas, está sendo ministrado
por uma equipe de 19 professores do Instituto de Economia
da Unicamp. As aulas acontecem na sede da Câmara
Americana do Comércio (Amchan), em São
Paulo. Maiores informações poderão
ser obtidas no site www.eco.unicamp.br/cursos/ECO700.html.
Na última quinta-feira, o embaixador Rubens
Ricúpero falou por telefone, da Suíça,
ao Jornal da Unicamp sobre a iniciativa do Instituto
de Economia. Leia a seguir os principais trechos da
entrevista.
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O embaixador Rubens Ricúpero, secretário-geral
da Unctad: É a primeira vez que se
faz um curso desse em nível mundial |
Jornal da UnicampEm sua
opinião, de que maneira um curso nos moldes
do que a Unicamp está coordenando pode ajudar
na formulação de políticas que
facilitem a inserção do Brasil no comércio
exterior?
RicúperoA ajuda
será grande. É a primeira vez que se
faz um curso desse em nível mundial. Tem havido
iniciativas da Unctad e de outras organizações,
mas são cursos curtos ou seminários
de treinamento. São cursos limitados porque
tratam apenas sobre determinados aspectos das negociações
comerciais. Agora, é a primeira vez que se
faz um curso montado em conjunto, por uma grande universidade
de um lado, com a ajuda de uma organização
da ONU de outro. A universidade entra com os recursos
intelectuais e a Unctad participa com o conhecimento
global, com todos os aspectos relacionados às
negociações internacionais, não
só em comércio, mas também em
finanças e investimentos. É a primeira
vez que se faz algo completo nessa área.
JUQue tipo de desdobramento
o curso pode apresentar?
RicúperoVai ajudar na formação
de negociadores brasileiros muito mais completos.
Até agora nunca tivemos isso. Em termos de
inserção internacional, isso é
um passo muito amplo. Resolverá muitos problemas
porque há queixas no Brasil de que as nossas
negociações nem sempre são precedidas
de uma consulta completa ao setor privado, à
universidade e à sociedade civil. Em um curso
como esse, o Brasil poderá pela primeira vez
cobrir todos estes aspectos.
JUO senhor acredita que
esse tipo de iniciativa poderia contribuir, por exemplo,
para a atuação do Brasil nas negociações
relacionadas à Área de Livre Comércio
das Américas (Alca)?
RicúperoNão só a
Alca, mas também com a Organização
Mundial de Comércio (OMC), e Mercosul. Isso
se estende a todas as negociações. Vai
mais longe, porque inclui também a parte financeira,
portanto Fundo Monetário Internacional (FMI)
e Banco Mundial. A minha impressão é
que isso irá preencher um vácuo, podendo
até criar uma vantagem profissional para aqueles
que fizerem o curso. Com o tempo isso será
um grande trunfo em termos de busca de emprego porque
atualmente os negociadores são improvisados.
Não têm um treinamento sobretudo acadêmico,
com um bom embasamento.
JUEm sua opinião,
quais seriam as causas da vulnerabilidade que o Brasil
está apresentando nas negociações
relativas à Alca?
RicúperoNo caso da Alca, acho
que a resposta é muito simples. No âmbito
da América Latina e do Caribe, o Brasil é
o único país que tem dimensão
suficiente para sustentar a esperança de manter
uma indústria própria. Os outros já
abriram mão disso e estão apenas interessados
em ter acesso ao mercado americano com os poucos produtos
que produzem. Como o Brasil, ao contrário,
tem uma estrutura industrial mais completa e integrada,
procura preservar isso, evitando compromissos que
possam afetá-la. Os outros não têm
essa mesma sensibilidade. Como já perderam
isso, para eles não faz diferença. Estão
dispostos a qualquer coisa. Para alguns, basta ter
uma pequena cota aumentando a possibilidade de exportar
um produto ou outro que o problema está resolvido.
JUEsse não é
o caso do Brasil...
RicúperoNão, o caso do
Brasil é muito mais complicado. Isso não
ocorre no âmbito da OMC, mas, na Alca, o Brasil
é o único país continental. No
caso da OMC, tem a Índia, China, ou África
do Sul, que são países comparados ao
Brasil. Mas, no âmbito das Américas,
estamos sozinhos. Os outros países há
muito tempo já se resignaram com uma posição
subalterna.
JUO senhor acha que, se
esses entendimentos emperrarem, o Brasil corre o risco
de ficar isolado nas negociações hemisféricas?
RicúperoEspero que não
chegue a isso. Em geral, nas negociações
há sempre uma fase em que as declarações
são um pouco exageradas. Mas no fundo terá
de chegar o momento em que terá que se discutir
os secos e molhados. Quais são as ofertas que
vamos fazer aos americanos e quais as que eles farão
a nós. Aí, provavelmente, haverá
uma tendência para se chegar a um nível
mais realista, diminuindo-se as ambições
de ambas as partes. Agora, se se chegar ao pior, com
o Brasil se vendo diante de uma situação
em que não obtenha nenhum acesso melhorado
ao mercado americano e, do lado deles, ocorrer a exigência
de uma contrapartida desequilibrada, acho que aí
é melhor o Brasil ficar sozinho do que ter
um mal acordo.
JUMas se ficar de fora,
o Brasil não correria o risco de perder mercados
já conquistados?
RicúperoNão corre o risco
de ser discriminado porque a lei comercial que vigora
é a da OMC. Nenhum país pode sofrer
discriminação. O que pode haver são
alguns acordos preferenciais entre países que
excluam o Brasil. Mas no âmbito hemisférico,
o país tem melhorado muito as exportações
para outros mercados, como a China, Índia e
Rússia. Acho que não se pode exagerar
muito esse perigo.
JUSe as negociações
não chegarem a um consenso, o senhor acredita
que os Estados Unidos poderão, por exemplo,
adotar uma agenda unilateral?
RicúperoEles estão negociando
com todos. Portanto, não vejo como poderiam
adotar uma postura unilateral. Unilateral significa
sair desse tipo de acordo que inclui muitos países
e fazer um acordo com cada país de forma individual.
Até certo ponto, eles já estão
fazendo isso porque já têm um acordo
de muitos anos com o México, com o Chile, e
estão negociando com países da América
Central. Essa é uma tendência. O Brasil
também celebrou um acordo com o México,
com Mercosul e está negociando com a União
Européia e com a África do Sul. Essa
tendência não quer dizer que se adotou
uma postura unilateral. Em comércio exterior,
unilateral é quando um país resolve
levantar barreiras sem levar em conta as regras da
OMC. Mas isso é muito difícil, porque
se os EUA fizerem isso, ficariam de fora do sistema
comercial.
JUEm sua opinião,
até que ponto a falta de consenso interno no
Brasil entre os setores produtivos pode prejudicar
as negociações em torno da ALCA?
RicúperoIsso debilita a posição
brasileira. Mas, até certo ponto, é
natural que haja alguns setores que tenham mais interesses
nas Alca do que outros. É claro que os setores
que têm expectativa de exportar mais para os
Estados Unidos e que acham que um acordo como esse
abriria o mercado, têm um interesse muito maior
do que aqueles que não são competitivos
e temem o efeito que as importações
americanas vão gerar no mercado brasileiro.
Mas até agora isso é muito teórico
porque ainda nem se chegou a uma lista de produtos
com indicação de reduções.
Ainda se está numa fase em que não há
uma idéia clara sobre os produtos que seriam
incluídos ou excluídos. Portanto, acho
difícil fazer uma avaliação.
O setor de roupas tem uma esperança de melhorar
sua posição, já o setor de máquinas
e equipamentos considera que teria desvantagens. Isso
se fala em termos gerais, mas em termos concretos
ainda não temos uma definição
que permita uma conclusão mais correta.