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Novas propostas
para mudar
o velho Nordeste


Aspectos importantes do subdesenvolvimento do Nordeste estão contemplados em duas pesquisas de pós-graduação da Unicamp. Dissertação de mestrado de Anderson Pellegrino resgata parte do pensamento do economista Celso Furtado para refletir sobre o atraso da região, em particular, e do país, no geral. Em seu trabalho de pós-doutorado, José Vieira Camelo Filho faz uma análise profunda das políticas públicas executadas com o objetivo de "revitalizar" o semi-árido, mas que não proporcionaram o avanço desejado. Mais do que pensar a questão nordestina, os estudos trazem propostas para o enfrentamento dos problemas diagnosticados.


Nas sombras do subdesenvolvimento

MANUEL ALVES FILHO

Para Celso Furtado, o Nordeste é "uma região que representa o subdesenvolvimento dentro do subdesenvolvimento"A continuidade do processo de construção do Brasil como nação tem como condição indispensável a elaboração e execução de um projeto nacional que cumpra o papel de articulador das políticas de desenvolvimento nos âmbitos municipal, estadual, regional e nacional. A conclusão faz parte da dissertação de mestrado de Anderson César G. T. Pellegrino, defendida no início de outubro junto ao Instituto de Economia (IE) da Unicamp. O trabalho, intitulado "O Nordeste de Celso Furtado: sombras do subdesenvolvimento brasileiro", resgatou parte do pensamento de um dos mais respeitados economistas brasileiros para fazer uma crítica contundente às recentes teorias de desenvolvimento econômico de visão localista, que segundo o autor estariam sendo assimiladas de forma indiscriminada tanto por uma parcela da academia quanto dos gestores públicos.

De acordo com Pellegrino, o desenvolvimento regional no país vive uma crise, agravada pelo atual quadro de transnacionalização do capitalismo, fenômeno mais conhecido como globalização. O pesquisador, que reserva um enfoque especial para o Nordeste em sua dissertação, considera que atualmente existe uma ameaça à continuidade do processo de formação do mercado interno e constituição do sistema econômico nacional, na medida em que as partes são pensadas de modo isolado e em possível detrimento do todo (nação). No seu entender, ao exacerbar rivalidades regionais, como a guerra fiscal entre estados e municípios, esse movimento cria o risco de rompimento de vínculos inter-regionais históricos nos segmentos financeiro, comercial e produtivo. "No limite, esse processo pode inviabilizar o processo de construção do Brasil como nação", adverte.

O pesquisador Anderson Pellegrino: enfoque especial para o NordestePellegrino dividiu a sua pesquisa, orientada pelo professor Plínio de Arruda Sampaio Júnior e financiada pela Fapesp, em três blocos. No primeiro, ele promoveu o que chama de constatação da crise do desenvolvimento econômico regional. Depois, ele identificou alguns dos principais pensadores contemporâneos que têm oferecido arcabouço teórico para interpretação dessa realidade, constatando uma crise da teoria do desenvolvimento regional. O pesquisador considerou cerca de uma dezena de autores, a maioria estrangeira, adepta da visão localista do processo de desenvolvimento econômico. "Esses teóricos rejeitam o estado nacional e a escala nacional como elementos, ator e campo, respectivamente, da ação política e econômica. Eles dão pouca atenção à necessária articulação produtiva, comercial e financeira entre as regiões de um mesmo país. Isso é especialmente grave para uma nação como o Brasil, que tem um território de dimensões continentais e que apresenta profundas desigualdades econômicas e sociais", afirma.

Na terceira parte da dissertação, Pellegrino resgatou as teorias defendidas por Celso Furtado, de modo a oferecer propostas para enfrentar o problema do subdesenvolvimento brasileiro, no geral, e nordestino, em particular. Conforme o pesquisador, Furtado, que foi o fundador da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e seu primeiro comandante, sempre considerou o papel da escala nacional e do estado nacional no processo de desenvolvimento econômico brasileiro. Nesse ponto, Pellegrino faz um alerta. "Minha dissertação não teve a intenção de exaltar um nacional-desenvolvimentismo extemporâneo e acrítico. Tampouco tive a intenção de condenar arbitrariamente as políticas de desenvolvimento direcionadas exclusivamente ao âmbito local. Meu intuito foi chamar a atenção para o fato de que há espaço para políticas de desenvolvimento em todas as escalas geográficas (nacional, regional, estadual e municipal), desde que a orientação dessas políticas responda a um projeto maior, uma agenda nacional, capaz de determinar em que bases materiais e institucionais deve se assentar o processo de desenvolvimento da nação e suas partes", sustenta.

Para Furtado, esclarece Pellegrino, o esforço de construção nacional passa necessariamente pelo desenvolvimento equilibrado das várias regiões brasileiras. Trata-se, em outros termos, de um projeto de homogeneização regional, com foco na evolução social e produtiva do país. "A redução das disparidades regionais é fundamental. Ainda temos um quadro de grande concentração da riqueza em alguns poucos estados, enquanto em outros ainda observamos grande pobreza. Essas diferenças bloqueiam a superação do subdesenvolvimento", diz Pellegrino. As propostas de Furtado para a reversão dessa situação no Brasil são claras, segundo ele.

Antes de tudo, Furtado afirma ser necessário refundar o pacto federativo e recuperar o planejamento nacional e regional. Ou seja, o Brasil precisa saber até onde quer ir e que caminho seguirá para atingir esse objetivo. Também é preciso, conforme o fundador da Sudene e atual membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), definir a inserção do país na economia mundial como um elemento ajustável aos objetivos do desenvolvimento regional e nacional. Traduzindo, o Brasil não deve se fechar para o mundo, mas tem que assegurar, por exemplo, que o ingresso no movimento de globalização dos mercados não comprometa a sua própria construção. Por fim, sustenta o pensador, é indispensável a participação do estado nacional como articulador do processo de homogeneização estrutural (social, produtiva e regional) do país.

Atraso - De acordo com Pellegrino, os modelos localistas de desenvolvimento econômico podem se mostrar especialmente danosos para o Nordeste, definido por Furtado como "uma região que representa o subdesenvolvimento dentro do subdesenvolvimento". Na opinião do autor da dissertação, o atraso nordestino responde a uma natureza atávica. Sua origem está na estrutura socioeconômica excludente e rígida estabelecida ainda no século XVI pelos senhores de engenho. "Graças a essa estrutura, uma mesma classe dominante permaneceu no poder, mesmo em face de eventuais crises, como a do açúcar", explica. O atraso do NE ficou evidente com a prosperidade experimentada pelo Sudeste, em razão do café. E tornou-se ainda mais marcante a partir do século XX, quando este último passou a viver o processo de industrialização. "A partir daí, criou-se o que Furtado chamou de uma relação centro-periferia interna à nação, com o Nordeste cumprindo o papel da periferia. A região passou, então, a ser um mero fornecedor de matéria-prima e mão-de-obra para o Sudeste".

Mesmo com a industrialização do NE a partir da segunda metade do século XX, sob o incentivo da Sudene, o quadro local de subdesenvolvimento não sofreu grandes alterações, ainda que a região tenha apresentado saltos de crescimento econômico. Um dos motivos é o profundo atraso da região, acumulado durante séculos. Uma outra razão é que essa "modernização" ocorreu como um simples reflexo do que houve no Sudeste. "Na verdade, foi um processo de mimetismo, no qual reforçou-se, mais uma vez, a dependência cultural, tecnológica e financeira do Nordeste frente ao Sudeste. A industrialização do Nordeste teve como intuito atender a uma demanda restrita, ou seja, o conjunto da população não se beneficiou significativamente desse processo em termos de aumento do consumo local, da geração de emprego e da distribuição da renda, por exemplo", analisa o autor da dissertação.

As propostas de Furtado para o desenvolvimento econômico do Nordeste, sustenta Pellegrino, guardam profunda sintonia com a promoção do desenvolvimento nacional e preconizam, entre outras iniciativas, a revitalização da Sudene, que ficaria responsável pela elaboração e execução de uma política que seguisse a linha do que classificou de "federalismo regionalizado". Ainda segundo Furtado, é fundamental a utilização do potencial criativo da população nordestina para a resolução dos problemas locais. A democratização da terra e da educação, no entender do pensador, são condições essenciais para integrar a sociedade ao processo de desenvolvimento da região. Se nada disso for feito, destaca o economista, a tendência é que a região - e por associação o próprio país - tenha o seu quadro de subdesenvolvimento agravado frente à nova ordem mundial.

Nas margens do rio São Francisco

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