Tudo sobre alimentos, na Unicamp
LUIZ SUGIMOTO
Enquanto a polêmica emperra o projeto para zerar a fome no Brasil, o bilionário norte-americano Bill Gates, por meio da fundação que leva seu nome, doou US$ 100 milhões para amenizar a tragédia dos famintos na África. O cientista Howarth Bouis, em cujas mãos Gates depositou os recursos, estará na Unicamp para explicar como pretende gerenciar um programa de combate à desnutrição naquele continente. Bouis é um dos pesquisadores de 23 países que confirmaram presença no V Simpósio Latino-Americano de Ciência de Alimentos. O evento acontece de 3 a 6 de novembro no Centro de Convenções e o número de inscrições gerou um corre-corre na organização, prevendo-se um público recorde de 2.000 pessoas nas conferências, simpósios, cursos, módulos temáticos e exposição de 1.800 painéis.
"Vemos um crescimento enorme na área de alimentos e o foco na relação entre alimentação, saúde pública e miséria acentua esse interesse maior", afirma Glaucia Pastore, professora da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) e presidente do simpósio. O tema central deste ano é o desenvolvimento científico tecnológico e a inovação na indústria de alimentos. "A escolha se deve à nossa crença de que o conhecimento científico é a base da inovação. É preciso que se conheça profundamente a composição química dos alimentos, suas características e seu manejo, a fim de fornecer um alimento melhor", justifica a pesquisadora.
Segundo a presidente do simpósio, hoje a indústria busca nichos de inovação e nunca procurou tanto as universidades e centros de pesquisa. "Até por pressão da concorrência para conseguir novos mercados, nota-se um movimento das empresas de se voltar para o conhecimento científico", observa. A programação estabelecida pelo comitê organizador contempla os principais assuntos em destaque no momento, como produtos transgênicos, alimentos funcionais, novos sabores e aromas naturais e segurança alimentar, sempre considerando os efeitos sociais dessas pesquisas, com um espaço reservado para a discussão do projeto governamental Fome Zero.
Polêmica Na mesa, um problema cuja dimensão é refletida nas toneladas de soja transgênica barradas no porto de Paranaguá. Glaucia Pastore assegura, porém, que os palestrantes adotarão uma abordagem crítica e científica, sem o caráter inquisitório do debate instalado no país. "Já ultrapassamos a fase do "sim" ou "não". A tecnologia de alimentos transgênicos já está instalada e a situação fugiu de controle. Muitos de nós já ingerimos esses alimentos, que penetraram no mercado há pelo menos cinco anos. O papel dos cientistas é preparar a sociedade para esta convivência, pesquisando a capacidade alergênica dos alimentos transgênicos, por exemplo, ou avaliando a eficácia da atual legislação brasileira para proteção ao consumidor", opina a professora.
A pesquisadora prevê que o setor de alimentos neste século será marcado pelo tripé novos aditivos e corantes naturais, propriedades funcionais e alimentos mais saudáveis, com pesquisas sustentadas inevitavelmente pela biotecnologia. Os alimentos funcionais serão assunto em pelo menos três sessões do simpósio, com ênfase para os produtos brasileiros, a legislação e a ação de componentes como ácidos graxos polinsaturados, fibras e aminas. "Como é de conhecimento, os alimentos funcionais dificultam a instalação de doenças, principalmente as crônicas degenerativas como câncer e diabetes. São doenças que acompanham o envelhecimento da população. No Brasil e no mundo, acaba sendo estratégico para os governos o incentivo a uma alimentação que diminua essas doenças e, conseqüentemente, os gastos com saúde pública", ressalta a professora da FEA.
A preocupação com a saúde vem orientando também as pesquisas para obtenção de novos aditivos para a indústria de alimentos, como sabores e aromas a partir de produtos naturais. Na questão da segurança alimentar, haverá uma sessão sobre a importância das alterações químicas decorrentes do processo de armazenamento, bem como de estudos recentes visando a um alimento de qualidade e inócuo, livre de contaminação microbiana, química ou de pesticidas.
Fome Zero A sessão sobre o projeto Fome Zero vai reunir representantes de instituições de pesquisa como Embrapa, Ital e a própria FEA, e também da indústria. Glaucia Pastore adianta o mote da discussão: "A mídia ouve impreterivelmente o governo, políticos e entidades assistenciais, mas a participação do cientista nesta campanha parece esvaziada. Além do grave problema econômico e da distribuição da renda, existe outro obstáculo que é a falta de conhecimento e suporte técnico. Nos bolsões de miséria de Fortaleza, muitas pessoas apresentam alta carência de vitamina A, quando as frutas amarelas que a região possui são desprezadas mesmo em fins de feira, apesar do fácil acesso; as crianças esmolam sorvete. Os pesquisadores precisam avaliar como se inserir no Fome Zero".