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Susana Kampff Lages redescobre a Amerika de Kafka
ÁLVARO
KASSAB
As
desventuras erráticas de Karl Rossmann voltam
às livrarias com novas tintas. O anti-herói
que se vê em sucessivos apuros ao desembarcar
em território norte-americano retorna agora
imerso numa atmosfera mais fiel possível àquela
demarcada por seu criador, Franz Kafka (1883-1924),
que alçou Rossmann à condição
de protagonista de seu primeiro romance, O Desaparecido
ou Amerika. O ineditismo, no caso, está na
versão integral traduzida do alemão
por Susana Kampff Lages, professora do Centro de Ensino
de Línguas (CEL) da Unicamp. O primeiro capítulo
do livro, O Foguista, publicado em vida por Kafka,
fora já vertido diretamente do alemão
por Modesto Carone. Outras versões integrais
foram publicadas a partir de traduções
para outras línguas. A mais conhecida delas
foi realizada por Torrieri Guimarães, América
(Livraria Exposição do Livro, 1965),
que teve como fonte o francês.
Susana utilizou o texto da edição
crítica alemã, editado por Jost Schillemeit
(1983), enriquecendo sua tradução com
notas de rodapé e um posfácio (Das (im)possibilidades
de traduzir Kafka), no qual dimensiona o tamanho de
sua empreitada, além de fornecer aos leitores
as devidas pistas do laboratório de criação
do autor tcheco. A inclusão, em notas
de rodapé, de variantes, imprecisões
gráficas e trechos riscados do manuscrito...
corresponde a uma tentativa de resgatar uma dimensão
fundamental para a compreensão que Kafka tinha
da própria literatura, da sua escritura: o
seu caráter de rascunho, de risco e rabisco..,
avisa Susana na nota introdutória que precede
o romance.
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Melancolia, de Albrecht Dürer |
Escrita entre 1912 e 1914, a obra
traduzida por Susana é tida como o romance
de formação de Kafka, que o batizou
de O Desaparecido. Inacabado como os posteriores O
Processo e O Castelo e assumidamente inspirado na
prosa dickenseana (sobretudo em David Copperfield),
o romance tem como figura central o jovem praguense
Karl Rossmann que, expulso de casa pelos pais por
engravidar uma empregada, emigra para os Estados Unidos.
Depois de avistar a Estátua da Liberdade empunhando
uma espada cena que para alguns especialistas
revela um estranhamento até então inexistente
em correntes literárias predecessoras, inclusive
no realismo tão caro a Kafka , Rossmann
começa a se meter em enrascadas. A primeira
delas antes mesmo de o navio atracar no porto de Nova
York, num episódio envolvendo o personagem,
o foguista e o maquinista-chefe da embarcação.
Final feliz A partir daí,
os personagens inescrupulosos e grotescos em
sua maioria irrompem na mesma medida em que
a derrota e a impotência resvalam o destino
de Rossmann. Esse fantasma onipresente, porém,
desaparece no último fragmento do livro, quando
o herói cerra fileiras numa trupe teatral.
Há quem veja nisso um final feliz
é bom relembrar que se trata de uma
obra inconclusa. Independentemente das diferentes
leituras feitas por especialistas, é consensual
a opinião de que Kafka já antecipava,
em O Desaparecido, a linha e temas recorrentes que
adotaria em seus romances subseqüentes, opinião
de resto compartilhada por Susana.
No cenário de fundo marcado
pelo absurdo da existência e seus derivados,
emergia o ritmo frenético da potência
capitalista, com seus turnos sem fim, suas injustiças
e negociatas. Uma América onde Kafka jamais
esteve. Para compor a obra, o escritor tcheco fiou-se
em relatos de viagens, em reportagens produzidas por
Arthur Holitscher e em palestras proferidas por Frantisek
Soukup, um socialista utópico. Era natural,
portanto, que o escritor cometesse alguns erros, sobretudo
de natureza geográfica, na grafia de topônimos
ou em coisas prosaicas, como por exemplo a moeda norte-americana,
que Kafka chamou de libra esterlina.
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O filósofo alemão Walter Benjamin:
tradução deve ser reconfigurada
em sua própria língua |
Susana Lages detalha e localiza
a origem de alguns equívocos e mantém
outros deliberadamente no corpo do texto. Tais
erros por certo não mais poderão prejudicar
a integridade literária de um dos maiores autores
do século 20, como à sua época
temia o amigo Brod, esclarece a tradutora na
introdução do livro. Max Brod, a quem
Kafka pediu como último desejo
que queimasse todos os seus originais, foi o responsável
pela primeira publicação de Amerika
(1927) o primeiro capítulo, O Foguista,
fora publicado em 1913. O melhor amigo do escritor
tcheco havia corrigido alguns dos erros, todos devidamente
creditados e apontados por Susana em notas de rodapé
assinaladas com as iniciais MB. Segundo a tradutora,
procurou-se com isso reconhecer o caráter
de co-autoria do trabalho de Brod, responsável
pela conservação dos manuscritos.
Vai daí também, explica
Susana, a decisão em fundir os dois títulos
em sua tradução O Desaparecido,
escolhido por Kafka, e Amerika, com o qual Brod imortalizou
a obra do amigo depois de livrá-la das chamas.
Um ato de preservação que Walter Benjamin
classificou como fidelidade contra Kafka,
como lembra Susana no posfácio. A professora
pondera que a vontade de dar cabo aos seus originais
foi expressa por Kafka em dois bilhetes diferentes,
o que institui, a priori, a grande aporia sobre
a qual repousa sua escrita. No primeiro texto,
Kafka vai direto ao assunto; o segundo, continua Susana,
é redigido de modo mais prolixo e ambíguo.
Duplo vínculo De acordo com a
professora, tal comportamento não só
coloca em xeque a autoridade dos dois
textos que nas internas se contradizem, como desemboca
no que ela classifica de duplo vínculo
(double bind) que, por sua vez, origina, segundo a
tradutora, outros dois desdobramentos: a estreita
ligação de Kafka com a tradição
judaica e sua relação com a leitura
e a literatura. Susana registra no posfácio:
A tradição judaica se nutre e
sobrevive a partir da tensão entre a extrema
imobilidade da letra, do corpo escrito de sua tradição,
e a infinitude da interpretação, que
permite que, ao lado de regras rígidas de preservação
física do texto, conviva uma liberdade interpretativa
inigualável na tradição ocidental.
Segunda Susana, essa tensão
encontra um paralelo no ofício do tradutor,
que está num paradigmático lugar
de double bind dentro da tradição: reproduzir
o mesmo texto numa outra língua. A professora
recorre a uma imagem de Benjamin para mostrar o quanto
pode ser frágil a identificação
do tradutor com o objeto de seu trabalho. Assim
como os cacos de um vaso, para poderem ser recompostos,
devem seguir-se uns aos outros nos menores detalhes,
mas sem se igualarem, a tradução deve,
em vez de assemelhar-se ao sentido original, reconfigurar
em sua própria língua, amorosamente,
chegando até aos mínimos detalhes, o
modo de designar do original, fazendo assim com que
ambos [original e tradução] sejam reconhecidos
como fragmentos de uma língua maior, como cacos
são fragmentos de um vaso.
Não são aleatórias
as citações de Benjamin no posfácio
de Susana. Além da evidente afinidade com a
obra kafkiana, o filósofo alemão é
objeto de estudo do penúltimo trabalho da professora
da Unicamp, Walter Benjamin Tradução
e Melancolia (Edusp, 257 páginas), livro que
rendeu este ano o Prêmio Jabuti a Susana e no
qual é feito um rastreamento minucioso de uma
série de obras de escritores, teóricos
e filósofos sobre a tradução.
O interesse pela produção ensaística
de Benjamin teve início quando a tradutora
desenvolvia um trabalho sobre a saudade na obra de
Guimarães Rosa, João Guimarães
Rosa e a Saudade, (Ateliê Editorial, 2002).
Já me interessava pela tradução
e pelo universo temático que envolve a saudade
e a melancolia. São universos afins
a distância, a ausência, o exílio.
A obra de Benjamin não só contempla
esses temas como discute os limites, as aporias e
as contradições que se colocam para
o tradutor, revela.
Segundo a tradutora, houve uma coincidência
de interesses, a começar pelo fato de
a obra de Benjamin fornecer subsídios para
o conjunto do seu trabalho, entre eles a análise
que o filósofo faz da melancolia presente no
barroco alemão no caso, a obra do pintor
Albrecht Dürer é emblemática. Nada
mais pertinente. Susana observa que há, na
tradução, os mesmos elementos que reforçam
a polaridade não resolvida entre a depressão
e a euforia, componentes que permeiam a melancolia.
Um quadro no qual o elemento da perda precisa ser
reelaborado. É necessário libertar-se
dessa perda e assumir que se perde. E, a partir da
perda, criar algo novo, uma tradução
menos tolhida, prega.
Nesse âmbito, a tradução
de O Desaparecido ou Amerika, diz Susana, funcionou
como uma espécie de continuação
prática do trabalho anterior. A tradutora levou
em conta os jogos de linguagens, as aliterações,
o humor e a ironia imbricados no texto. Uma volta
ao posfácio é esclarecedora. Essa
versão do texto kafkiano para o português
ensaiou transmitir a imagem de um outro Kafka, menos
metafísico, mais metalingüístico
e metaliterário um Kafka enigmaticamente
crítico, absolutamente moderno. Susana
Kampff Lages o conseguiu plenamente.
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A
Unicamp e a tradição na tradução
SUSANA KAMPFF LAGES
Especial para o Jornal da Unicamp
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A professora e tradutora Susana Kampff Lages:
mergulho nos universos de Kafka e de Benjamin |
A tradução e seu estudo
possuem uma longa e sólida tradição
nos estudos de humanidades em geral, e nos da Unicamp
em particular. Sobretudo dentro dos estudos lingüísticos
e literários, o tema e a atividade da tradução
destaca-se como objeto de estudo privilegiado, seja
do ponto de vista teórico, seja como atividade
prática que dá subsídios à
reflexão de professores e pesquisadores. Da
pesquisa teórica realizada com diversidade
e erudição, por docentes de diferentes
áreas, à publicação de
já tradicional revista de tradução
dos alunos de graduação do IEL (Modelo
19), passando por várias teses e dissertações
defendidas e em andamento, a tradução
serve de mote para grande parte da reflexão
sobre a linguagem feita na Universidade.
Nos estudos lingüísticos
destaca-se o trabalho que vem sendo realizado pelos
docentes de estudos clássicos, uma área
que tem historicamente na tradução uma
de suas molas propulsoras. Gostaria de mencionar,
entre a vasta produção do grupo, a preparação
de uma edição anotada da tradução
da Eneida de Virgílio feita por Odorico Mendes,
foco de um grupo de trabalho coordenado por Paulo
Vasconcellos, além das traduções
do grego realizadas por Trajano Vieira (por muitos
anos interlocutor do poeta e tradutor Haroldo de Campos,
recentemente falecido, em sua tradução
da Ilíada), que traduziu, entre outros, as
Bacantes de Eurípedes, trabalho para o qual
foi agraciado com a prestigiosa bolsa Guggenheim.
Na poesia antiga, contamos ainda com o excelente trabalho
de comentário e tradução de Safo
por parte de Joaquim Brasil Fontes.
Ao longo dos séculos, a tradução
sempre foi uma atividade que despertou o interesse
de intelectuais da mais diversa extração.
Não surpreende, pois, que ela também
encontre ressonância nos trabalhos acadêmicos
de pesquisadores de diferentes áreas, da filosofia
à lingüística, passando pelos estudos
de lingüística aplicada e da literatura.
Na filosofia, mencionem-se os trabalhos de tradução
de Descartes e Kant por Fausto Castilho e o work in
progress por Marcos Müller: a tradução
da Filosofia do Direito de Hegel, e as traduções
de Gilles Deleuze, por Luiz Orlandi, Peter Sloterdjk,
por José O. de Almeida Marques e Nietzsche,
por Osvaldo Giacoia, entre outros.
No âmbito da lingüística
aplicada, graças ao engajamento de Rosemary
Arrojo, entre outros, os estudos de tradução
ganharam força enquanto área academicamente
reconhecida em nível nacional, recebendo o
impulso atualizador do debate internacionalmente travado,
sobretudo no âmbito anglo-saxão, trazendo
para as reflexões sobre a tradução
o calor das discussões em torno da (pós-)modernidade,
do feminismo (gender studies), da desconstrução
e dos assim-chamados estudos pós-coloniais.
Como referência fundamental
para o debate, está, por um lado, a obra do
filósofo franco-argelino Jacques Derrida e,
por outro, os aportes da psicanálise freudiana
e lacaniana, além de questionamentos do filósofo
francês Michel Foucault e outras reflexões
sobre o poder e suas injunções, naturalmente,
com seus desdobramentos sobre a atividade do tradutor.
Dedicado à obra de Derrida, o projeto coordenado
por Paulo Ottoni, chamado Traduzir Derrida,
realizou no mês de agosto um colóquio
que reuniu no IEL um grupo seleto de especialistas
brasileiros, entre eles, Kanavillil Rajagopalan, estudioso
da pragmática e semântica, permanentemente
interessado nas aporias que a tradução
introduz entre pensamento e linguagem, e Márcio
Seligmann-Silva, cujo interesse centra-se em questões
teóricas de tradução e sua relevância
na história e na teoria literária, além
de sua ligação com o universo estético
mais amplo das artes.
De outra parte, a psicanálise
é um instigante filtro através do qual
algumas pesquisas sobre tradução têm
sido feitas, como atestam trabalhos de Nina Leite,
centrados na importância da tradução
no processo analítico, e de Maria Rita Figueiredo,
que, entre outros, participa da equipe que está
realizando uma nova tradução da obra
de Freud diretamente do alemão. No âmbito
alemão, a produção é de
fato variada: há, por exemplo, desde pesquisas
sobre Wittgenstein, interpretação de
conferências e ensino de línguas, levadas
a cabo por Paulo Oliveira, passando por trabalhos
sobre a constituição histórico/ideológica
do tradutor, de Carmen Bolognini, até escritores-tradutores,
como Modesto Carone, que além de tradutor atua
também como escritor e verte há anos
textos de Franz Kafka. O clássico dos estudos
literários de Erich Auerbach, Mímesis,
foi traduzido por Suzy Sperber e, assim como ela,
outros docentes atuam ou atuaram eventualmente como
tradutores, entre eles, Maria Betânia Amoroso,
Maria Augusta Mattos, que traduziram do italiano,
Luiz Dantas, do francês e o memorável
Alexandre Eulálio.
Destaque merecem também as
reflexões sobre a relação entre
tradução, linguagem e ensino de línguas,
efetuadas, a partir de pontos de vista diversos, mas
complementares, por John Schmitz que participou
no debate sobre a purificação
da língua portuguesa, proposta pelo deputado
Aldo Rebelo - e por Maria José Coracini, que
estuda o problema da subjetividade e das relações
de poder no ensino de línguas e na tradução.
A reflexão de Jeanne Marie Gagnebin também
encontra na teoria da tradução de Walter
Benjamin um foco de relevo. Outro tipo de atividade,
desenvolvida num contato mais próximo com os
alunos, são as oficinas de tradução
literária, como as ministradas, entre outros,
por Eric Sabison.
A partir do certamente incompleto
panorama acima descortinado, vê-se que a tradução
e seu estudo configuram um fulcro para o qual converge
o interesse de pesquisadores das mais variadas linhas
e origens um campo extremamente produtivo para
a pesquisa e o ensino na universidade.
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Uma especialista na América
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Uma foto rara: Kafka, sorridente (à
direita), numa praia dinamarquesa em 1914 |
Aposentada
da Unicamp, Rosemary Arrojo é professora
titular em Literatura Comparada da Binghamton
University (Estado de Nova York), onde dirige
o Centro de Pesquisa em Tradução,
único espaço oficialmente
dedicado aos estudos da tradução
em solo norte-americano. Na entrevista que segue,
concedida via Internet à professora Susana
Kampff Lages, Rosemary Arrojo fala de sua passagem
no IEL, diz que os estudos da tradução
têm lutado para abrir espaços próprios
e revela quais são os teóricos
paradigmáticos na sua área de
atuação.
Susana
Kampff Lages - Seu interesse pela tradução
surgiu depois de realizar sua pesquisa de doutorado
nas áreas de teoria literária
e literatura comparada na Universidade de Johns
Hopkins. O que fez com que transferisse o foco
da teoria da literatura para a teoria da tradução?
Rosemary
Antes do doutorado, fiz um mestrado em
literatura na Inglaterra (Universidade de Essex),
e o foco desse mestrado era precisamente a teoria
e a prática da tradução
literária. Aliás, fui aos EUA
para o doutorado com o apoio da PUC-SP, onde,
depois do mestrado, já trabalhava na
área de tradução. Mas meu
interesse primeiro sempre foi a literatura.
Susana Em que
medida a teoria da tradução configura
hoje um campo próprio; em que medida,
ele dialoga com outras disciplinas?
Rosemary Os
estudos da tradução têm
lutado, sobretudo nos últimos dez anos,
para abrir espaços próprios. Creio
que muitos espaços foram abertos (criação
de programas de graduação e pós
na área em diversos países, séries
dedicadas à tradução em
editoras de peso como a Routledge e a John Benjamins,
periódicos especializados, conferências,
criação de associações
de pesquisadores, etc.) Sendo uma espécie
de interdisciplina, a tradução
inevitavelmente tem dialogado com outras áreas,
apesar dos esforços de criar espaços
próprios.
Susana Que disciplinas
participam hoje mais ativamente do diálogo
teórico sobre a tradução?
Rosemary A lingüística
ainda domina os estudos da tradução,
mas têm havido interfaces produtivas com
outras áreas associadas aos estudos culturais,
aos estudos do pós-colonialismo, à
psicanálise, etc.
Susana E dentro
delas, que autores configuram para você
os principais paradigmas para a reflexão?
Rosemary Os
meus autores preferidos não
são exatamente pesquisadores da área
de tradução. Acho fundamental
o trabalho de Jacques Derrida, por exemplo.
Outro autor importante é Vicente Rafael,
autor de um livro sobre a colonização
espanhola das Filipinas chamado Contracting
colonialism - translation and christian conversion
in tagalog society under early spanish rule.
Entre os teóricos de tradução
oficiais, gosto do trabalho de Lawrence
Venuti e de Michael Cronin.
Susana Desde
o início das suas atividades na Unicamp,
como evoluíram os estudos sobre a tradução
na universidade brasileira de modo geral?
Rosemary Não
sei se evoluíram, mas se
tornaram mais visíveis. Meu
ingresso na Unicamp em meados dos anos 1980
coincidiu com o início do chamado boom
dos estudos da tradução em todo
o mundo e me esforcei para incluir nossa universidade
nesse contexto. Uma de minhas metas era precisamente
abrir espaços para esses estudos não
só na Unicamp e em outras universidades,
mas também junto aos órgãos
de fomento à pesquisa, através,
por exemplo, da Anpoll.
Susana Qual
a importância das pesquisas que realizou
ao longo de sua carreira na Unicamp no novo
contexto americano?
Rosemary A Unicamp
me forneceu um álibi para
estudar a tradução e me deu oportunidades
de pesquisa e de divulgação dessa
pesquisa que me tornaram conhecida também
fora do contexto brasileiro. Creio que o fato
de ter auxiliado a implementar um programa de
pós-graduação relacionado
à tradução no IEL contribuiu
para que a Binghamton University me contratasse
para implementar o primeiro PhD em estudos da
tradução dos EUA. Na América
do Norte, há apenas um programa de pós
exclusivamente voltado para os estudos da tradução
em Ottawa, no Canadá.
Susana Como
está hoje a recepção e
a tradução de obras de autores
brasileiros nos EUA em geral?
Rosemary Praticamente
tudo que se publica no Brasil como literatura
é traduzido aqui. O problema é
que esses trabalhos dificilmente saem do gueto
dos brasilianistas.
Susana A pesquisa
na área da brasilianística,
dos estudos sobre o Brasil, a seu ver contempla
devidamente uma reflexão sobre a tradução?
Rosemary Não. Aliás, os
estudos literários e culturais em geral
ainda ignoram a tradução como
questão de reflexão.
Susana Em que
medida a sua condição de pesquisadora
brasileira, isto é, oriunda de um país
em que a maioria das obras publicadas se constituem
em traduções, permite uma visão
singular da atividade do tradutor?
Rosemary Sou
brasileira, mas sempre estive muito ligada a
universidades norte-americanas e a maioria de
meus interlocutores não se encontra no
Brasil. Tenho publicado e participado de eventos
em diversos países europeus, além
dos EUA, e, talvez, o que possa permitir uma
visão singular seja exatamente
essa exposição a várias
tradições e a várias tendências
de pesquisa no Brasil e no exterior.
Susana E em
que medida isso influi sobre seus interesses
de pesquisa atuais? Você poderia falar
sobre a pesquisa que desenvolve atualmente?
Rosemary Há
algum tempo, meu principal interesse de pesquisa
é a representação da tradução
e dos tradutores em textos de ficção.
Tenho escrito sobre Kafka, Poe, Borges, Calvino,
além de Saramago, Marías e Scliar,
entre outros.
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Bibliografia
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