A memória sobe ao palco
Grupo teatral formado por ex-alunos
da Unicamp se destaca em festival
e conquista prêmio nacional
ANTONIO
ROBERTO FAVA
Quando
um grupo de ex-alunos do Instituto de Artes procurou
apoio do Centro de Memória (CMU) da Unicamp,
certamente não poderia imaginar que algum tempo
depois se destacaria num dos mais importantes eventos
do País: o FIT (Festival Internacional de Teatro
de Belo Horizonte), e que um de seus trabalhos conquistaria
o Prêmio EnCena Brasil, patrocinado pelo Ministério
da Cultura, que financiaria dois espetáculos
do grupo. O Centro de Memória acabou aceitando
a proposta desde que o grupo, então batizado
de Grupo do Santo, desenvolvesse projetos que envolvessem
também pesquisas com embasamento científico.
E assim foi feito. O primeiro espetáculo
inteiramente montado pelo grupo foi Retrato na Janela,
imediatamente sucedido pelo O Boi falô? e Museu
De Ver Cidade, que acaba de estrear na cidade, todos
desenvolvidos
coletivamente desde
a concepção da idéia, texto,
figurinos, músicas e cenários. Há
um ano e meio, o Centro de Memória passou a
prestar orientação teórica ao
grupo, que tem apoio da Pró-reitoria de Extensão
e Assuntos Comunitários.
O grupo é composto por Ana Caldas Lewinsohn,
Carlos Gomes, Cecílio Fraguas, Eduardo Brasil,
Lidiane Lobo, Lilian Marques e Tânia Grinberg,
todos formados pela Unicamp. A base do trabalho do
Grupo do Santo é a relação direta
com o espectador. Foi nas apresentações
de rua praças e espaços abertos
da periferia que a pesquisa se iniciou.
Os espetáculos não
são apenas fruto de imaginação.
Ou de inspiração. A concepção
do espetáculo, como explica a professora Olga
von Simson, coordenadora científica do projeto,
se dá com a experiência adquirida
em diferentes espaços, no encontro e na troca
de vivências, entrevistando moradores do lugar,
observando o mundo em que vivemos e as relações
que se estabelecem mutuamente, diz Olga.
|
A professora Olga von Simson (a esquerda) e os
integrantes do Grupo do Santo: trabalho de pesquisa |
Essa experiência do Grupo
do Santo começou em Diamantina, Minas Gerais.
Após breve, porém intensa, pesquisa
sobre o modo de vida, costumes e a cultura do povo
da cidade, surgiu o espetáculo de rua Retrato
na Janela, que conta a história de pessoas
que, ao encontrarem o carteiro, expressam sua vontade
de receber alguma notícia, dividindo com ele
a saudade, vivências e desejos.
É um espetáculo
que continua sendo apresentado nos mais diferentes
espaços em Campinas e também em outras
cidades, diz Ana Lewinsohn. Foi então
que, com o apoio do Centro de Memória, o Grupo
do Santo montou um outro espetáculo: O Boi
Falô?, a pedido da Secretaria Municipal da Cultura
Esportes e Turismo da Prefeitura de Campinas, com
o propósito de ser apresentada em estabelecimentos
de ensino do distrito de Barão Geraldo. Inspirado
em uma lenda de Barão Geraldo, o espetáculo
fala de uma sexta-feira, no tempo do Barão,
quando um boi falou com um escravo. A história
é contada por um viajante que chega à
cidade no dia da festa do Boi Falô, comemorada
com uma enorme macarronada servida na rua.
------------------------------------------------
Dinheiro, solidão
e diversidade
|
Ana Caldas Lewinsohn contracena com Carlos Gomes:
relação direta com o público |
Mais recentemente, no último
semestre, o grupo elaborou o terceiro espetáculo.
Trata-se de Museu De Ver Cidade, com direção
de Tiche Vianna, ex-professora do Instituto de Artes
(IA) da Unicamp, sendo agora apresentado em espaços
fechados como no Barracão Teatro. A proposta
inicial era que o grupo trabalhasse com a memória
do distrito de Barão Geraldo, por meio de entrevistas
com antigos moradores, como se fez em Diamantina.
Para isso, realizou um extenso trabalho de pesquisa
nos acervos do Centro de Memória em busca de
informações sobre o início da
história do distrito, como se formou, tipo
de população, a chegada da Unicamp,
o impacto que isso trouxe para a comunidade e as transformações
que o sofreu com a chegada de empresas de alta tecnologia,
diz a professora Olga.
O que provocou a pesquisa no distrito
foi o desejo de falar sobre o mundo e não especificamente
sobre Barão Geraldo. O que se detectava ali,
naquele microcosmo, foi a diferença social,
a diversidade educacional e uma série de conflitos
que se verificam em qualquer parte do mundo. Como
miséria, medo, violência, solidão
e a questão do dinheiro.
E a partir daí, a gente
começou a investigar e a indagar o que, de
fato, queríamos falar, observa Lílian
Marques. Com esse material em mãos é
que partiram para a criação de cenas
individuais, onde se destacam as vivências sociais,
urbanas e de conflitos, de desentendimentos e até
de encontros e desencontros.
O texto de Museu De Ver Cidade
acaba sendo uma parte da dramaturgia, mesmo porque
o espetáculo é muito imagético,
uma vez que procuramos trabalhar mais com esse tipo
de material do que com a palavra como elemento digamos
primordial na narrativa, revela Eduardo Brasil.
Ele diz ainda que o que é apresentado não
é uma história que vai se desenvolvendo
por meio de palavras, mas imagens que vão se
sucedendo umas depois das outras, formando uma história
que o público talvez possa construir na sua
imaginação e refletir sobre o que está
vendo. Há uma série de situações
que a gente traz de uma maneira às vezes até
cômica, outras nem tanto. A nossa principal
preocupação é provocar o público
a refletir sobre a sua própria história,
conclui Tânia.
------------------------------------------------