Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 237 - de 10 a 16 de novembro de 2003
Leia nessa edição
Capa
Diário de Lisboa
Alimentos funcionais
Remédios e alimentos
Documentos eletrônicos
Dez anos: mais de cem artigos
A Amerika de Kafka
Redes neurais
Refrigeração automatizada
Memória no palco
Unicamp na Imprensa
Painel da semana
Oportunidades
Teses da semana
Pesquisa: sabedoria popular
O lodo que fertiliza
Quebra-cabeça virtual
 

12

Quebra-cabeça virtual
reconstitui peças arqueológicas
Software desenvolvido no IC recompõe relíquias a partir de fotografias digitalizadas

MANUEL ALVES FILHO


Em meio a inúmeras atividades ligadas ao ensino e à pesquisa, o professor Jorge Stolfi, do Instituto de Computação (IC) da Unicamp, ainda encontra tempo para se dedicar aos quebra-cabeças. Não se trata, todavia, dos jogos que podem ser encontrados em qualquer loja de brinquedos, embora guardem alguma similaridade com estes. O “passatempo” do docente, norteado por extremo rigor científico, representa uma nova etapa em relação a um estudo desenvolvido para a tese de doutorado de uma de suas alunas, Helena Cristina da Gama Leitão, defendida em 1999. Com a ajuda de um software e a partir de fotos digitalizadas de fragmentos de peças arqueológicas, Stolfi procura recompor virtualmente relíquias que, a despeito do eventual valor material, ajudam a contar uma parte da história do Brasil. Sem a ferramenta computacional, que foi testada com sucesso em superfícies planas e agora começa a ser empregada para montar imagens em três dimensões (3D), a tendência seria de que muitos desses objetos jamais tivessem a chance de ter a forma recuperada.

Fragmentos de relíquias históricas pertencentes ao Instituto Arqueológico Brasileiro (IAB): pedaços estão sendo fotografados de 12 posições e ângulos diferentes, para que software desenvolvido pelo Instituto de Computação (IC) da Unicamp possa achar os pares correspondentes
e o objeto tenha chance de ser reconstituído virtualmente

Stolfi conta que a idéia de desenvolver o programa de computador nasceu de um problema prático, enfrentado com freqüência pelos arqueólogos. Boa parte do material encontrado num sítio arqueológico é composta por fragmentos de cerâmica. Não raro, esses cacos são deixados no próprio local, pois ficaria muito caro removê-los, ou são recolhidos e armazenados em caixas ou sacos, que vão parar nos porões dos museus, em razão da dificuldade de serem encaixados e formarem novamente uma peça completa. “Muitas vezes, um único vaso apresenta-se fragmentado em milhares de pedaços, vários deles parecidos. Para recompor esse objeto, levaria muito tempo e exigiria pessoal devidamente treinado”, explica. Pensando nisso, o professor propôs à sua aluna de pós-graduação que desenvolvesse um software, cuja função seria justamente identificar, numa coleção de fragmentos, quais deles casavam entre si.

Para isso, Stolfi e sua aluna realizaram uma experiência controlada. Ou seja, eles produziram fragmentos artificiais, a partir de uma cerâmica comum usada na construção civil. Por serem planos, os pedaços foram colocados diretamente sobre o scanner, gerando assim imagens digitalizadas. Em seguida, os cacos tiveram os contornos delineados, para que estes fossem confrontados uns com os outros. “Como nosso interesse era resolver um problema de computação, tivemos que desenvolver um método que tivesse duas características importantes. Primeiro, que fosse capaz de analisar milhares de fragmentos. Segundo, que pudesse encontrar o casamento real entre dois pedaços, ainda que esse casamento não fosse perfeito, em virtude dos danos que eles normalmente apresentam”, esclarece.

O desafio finalmente foi vencido e o software se mostrou eficiente para encontrar os pares reais e recompor, assim, a peça virtualmente. A partir da imagem na tela do computador, afirma o docente do IC, também é possível reconstruir a peça no plano material, procedendo a numeração de cada fragmento. “Ou seja, o quebra-cabeça fica fácil de ser montado, pois o pedaço de número um se encaixa com o de número dois e assim sucessivamente”, ensina Stolfi. A ferramenta, portanto, reduz o tempo que seria gasto caso o trabalho fosse feito manualmente, na base da tentativa e erro. Destaque-se que, na medida em que o número de fragmentos é multiplicado por dez, o tempo necessário para encontrar os pares reais de forma manual é 100 vezes maior.

-----------------------------------------------------------

Terceira dimensão

O professor Jorge Stolfi: modelo permite análise de milhares de fragmentos

A tese de doutorado que gerou o software também deu origem a um artigo que foi publicado no início deste ano. O texto, conforme o professor Stolfi, teve boa repercussão junto à comunidade científica internacional. Agora, o docente do IC está diante de um novo desfio, que é usar a ferramenta para tentar recompor peças arqueológicas em terceira dimensão. O trabalho conta com a colaboração da agora professora Helena Cristina, que leciona na Universidade Federal Fluminense (UFF). Ela está fotografando com uma câmera digital a coleção de cerâmicas do Instituto Arqueológico Brasileiro (IAB). Cada pedaço está sendo fotografado pelo menos 12 vezes, de vários ângulos diferentes, de maneira a registrar a sua forma tridimensional.

Assim que esse trabalho estiver concluído, o software também fará a identificação dos pares que se encaixam. A expectativa é que algumas peças comecem a ter o formato tridimensional recomposto virtualmente dentro de um ano. Eventualmente, alguns objetos também poderão ser reconstruídos no plano material. “Isso é importante, pois um vaso, uma estátua ou um afresco é capaz de revelar, por exemplo, aspectos da cultura e do nível de desenvolvimento de um determinado povo, numa dada época”, analisa Stolfi. Atualmente, segundo o professor do IC, a arqueologia tem usado a tecnologia de banco de dados para tentar remontar relíquias históricas. Nessa abordagem, o arqueólogo codifica manualmente os fragmentos pelas cores, figuras ou outros atributos, e a ferramenta aponta os encaixes correspondentes. “Mas isso não tem sido útil para objetos de cerâmica, pois as cores variam muito na mesma peça”.

No Egito, por exemplo, arqueólogos encontraram recentemente um túmulo, em que os afrescos do teto desabaram. Por causa disso, eles desistiram de entrar no local, para preservá-lo. “Como esses fragmentos não foram danificados, é bem possível que o nosso método funcionasse nesse caso e ajudasse a reconstruir esses afrescos”, prevê Stolfi. De acordo com ele, a técnica colocada a serviço da arqueologia também poderia ser empregada pela bioinformática, para encontrar pares de fragmentos em uma seqüência de proteínas. A pesquisa conduzida pelo docente do IC e pela sua colega da UFF contou, nos últimos anos, com o apoio financeiro da Faperj, Capes e CNPq.


 


SALA DE IMPRENSA - © 1994-2003 Universidade Estadual de Campinas / Assessoria de Imprensa
E-mail: imprensa@unicamp.br - Cidade Universitária "Zeferino Vaz" Barão Geraldo - Campinas - SP