Livro radiografa C&T no Brasil
Publicação
reúne artigos de 23 autores e vai ser lançada
dia 17 em seminário na Unicamp
CLAYTON
LEVY
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Erney Camargo, presidente do CNPq, vai apresentar
os programas do órgão durante o
seminário |
Quanto governo
e iniciativa privada investem em ciência e tecnologia
no Brasil? Quantos profissionais trabalham atualmente
em pesquisa e desenvolvimento? Qual a evolução
da produção científica brasileira
nos últimos anos? Quais as áreas que
mais avançam? Em que medida esta evolução
tem resultado efetivamente em desenvolvimento tecnológico?
Qual o ritmo da inovação tecnológica
nas empresas?
As respostas
para estas e outras perguntas estão reunidas
no livro Indicadores de Ciência, Tecnologia
e Inovação no Brasil, que a editora
da Unicamp lança no dia 17 de novembro, no
auditório da Biblioteca Central do campus.
Apresentando dados inéditos, a obra faz uma
radiografia do sistema de C&T no país,
confirmando um cenário que expressa profundas
distorções. Embora a participação
do Brasil na produção científica
mundial tenha aumentado de modo significativo nos
últimos 20 anos, o país ainda não
conseguiu transformar o conhecimento acumulado em
tecnologia capaz de gerar riqueza e desenvolvimento.
Com cerca
de 600 páginas, recheadas de gráficos
e tabelas, a publicação reúne
artigos de 23 autores. Entre eles, cinco são
da Unicamp: o reitor Carlos Henrique de Brito Cruz
e os professores Eliane Franco, Fernando Sarti, Rodrigo
Sabbatini e Ruy Quadros. A organização
ficou por conta do economista Eduardo Baumgratz Viotti,
professor da Universidade Federal de Brasília
(UnB) e consultor legislativo do Senado Federal para
as áreas de políticas de Ciência,
Tecnologia e Meio Ambiente (leia entrevista nesta
página). O economista, professor da Unicamp
e secretário executivo do ministério
da Ciência e Tecnologia no governo FHC, Carlos
Américo Pacheco, assina a apresentação
da obra. A iniciativa partiu do MCT, com apoio da
Confederação Nacional da Indústria
(CNI) e Instituto Brasileiro de Qualidade e Produtividade
(IBQP).
Para marcar
o lançamento do livro, a Pró-Reitoria
de Pesquisa da Unicamp organizou o seminário
Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação
no Brasil. O evento terá a participação
do presidente do Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento
(CNPq), Erney Camargo, que apresentará os programas
do órgão e responderá a perguntas
da platéia.
Também
participarão seis dos 23 autores que assinam
os trabalhos publicados. São eles: o reitor
da Unicamp, o organizador da obra, e os professores
Jacqueline Leta e Sandoval Carneiro Júnior,
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
que falarão sobre produção científica
e pós-graduação, e os professores
Eduardo da Mota e Albuquerque, da Universidade Federal
de Minas Gerais (UFMG), Ruy Quadros e Rodrigo Sabbatini
(Unicamp), que enfocarão a questão de
patentes, inovação e conteúdo
tecnológico das exportações e
importações.
Nosso crescimento
tem fôlego curto
Favorecer a criação
de uma cultura em indicadores de ciência e tecnologia
(C&T) e pesquisa e desenvolvimento (P&D) no
Brasil. Com esse objetivo, os economistas Eduardo
Baumgratz Viotti (UnB) e Mariano de Matos Macedo (UFPR)
passaram os últimos dois anos organizando artigos
e dados levantados por alguns dos maiores especialistas
brasileiros em produção científica
e desenvolvimento tecnológico. O resultado,
reunido no livro Indicadores de Ciência, Tecnologia
e Inovação no Brasil, agrega dados que
podem auxiliar na definição de políticas
para C&T e P&D no país. Em entrevista
ao Jornal da Unicamp, Viotti falou sobre o trabalho
e das expectativas para o setor.
JUQual o objetivo desse
trabalho?
Viotti Com esse trabalho, pretendemos
fazer um balanço sobre o esforço para
a constituição de um sistema de indicadores
sobre C&T e P&D no Brasil. Além de
sistematizar as informações disponíveis,
apresentamos propostas para aperfeiçoar esse
sistema.
JUOs trabalhos são
inéditos?
Viotti Esse trabalho traz informações
inéditas, mas esse ineditismo varia em função
dos capítulos. Alguns deles tratam de indicadores
já conhecidos, como por exemplo os números
sobre investimentos em C&T. Mas há capítulos
que tratam de indicadores novos, como o referente
a recursos humanos na área de C&T e P&D.
JU O senhor acredita que
esse tipo de publicação pode funcionar
como uma ferramenta para nortear a definição
de políticas para C&T?
Viotti Entendo que sim. Uma das preocupações
que tivemos desde o início foi tentar tornar
um pouco mais sólidas as bases empíricas
do debate sobre C&T no Brasil.
JU O trabalho revela que
houve crescimento na produção científica
nacional, principalmente através de artigos
publicados, mas esse aumento não se transformou
em desenvolvimento tecnológico, já que
o número de patentes brasileiras ainda é
baixo. Como enfrentar essa situação?
Viotti Diria que reverter essa situação
constitui o grande desafio de nossa política
científica e tecnológica para os próximos
anos. Temos de descobrir como mobilizar a capacidade
das empresas brasileiras para gerar desenvolvimento
tecnológico.
JU O desafio de transformar
conhecimento em tecnologia?
Viotti Isso mesmo. Há um descasamento
entre essas duas coisas. A esperança é
que o crescimento dessa produção científica,
que está associado ao aumento na formação
de doutores nas últimas duas décadas,
possa resultar de alguma forma num maior desenvolvimento
tecnológico da indústria brasileira
e na geração de patentes. Mas no meu
entendimento, isso não acontecerá de
forma natural.
JU Dependerá do
que para acontecer?
Viotti De políticas para o setor.
É necessário que o país tenha
uma política ativa de ciência, tecnologia
e inovação, capaz de fazer essa capacidade
crescente frutificar em termos de desenvolvimento
tecnológico.
JU O livro, aliás,
também aborda indicadores sobre o conteúdo
tecnológico da pauta de exportações
brasileiras.
Viotti O estudo mostra em diversos aspectos
que, com exceção da Embraer, o crescimento
nas exportações brasileiras se deu principalmente
em produtos de baixo conteúdo tecnológico
e baixo valor agregado, como carnes, açúcar
e óleo de soja. Isso é bom, mas por
outro é problemático porque são
produtos que crescem no mercado internacional a uma
taxa muito pequena. Na última década,
a taxa de crescimento desses produtos no mercado internacional
foi de apenas 0,5% ao ano. Isso significa que o nosso
crescimento nessas áreas tem fôlego curto,
enquanto produtos de maior complexidade tecnológica
crescem a taxas que chegam a 20% ao ano. Precisamos
desenvolver um esforço, e esse é um
esforço da empresa brasileira e do governo,
para aumentar o conteúdo tecnológico
dos produtos da nossa pauta de exportações.
JU Mas isso depende da
conjuntura econômica.
Viotti Claro. Não é algo
simples de se fazer. No passado, havia a esperança
de que a simples liberalização do comércio
traria resultados significativos. E, hoje, uma das
grandes preocupações dos analistas decorre
do fato de que o resultado não foi o esperado.
Para que o país continue aumentar as exportações
temos de aumentar o valor agregado de nossos produtos,
participar de mercados para produtos de maior conteúdo
tecnológico, que crescem a taxas maiores. Isso
tem de resultar de um esforço articulado entre
o governo e o setor empresarial.
Os números de um desafio
Os números revelados
pelo livro também impõem um desafio
para o Brasil: estabelecer políticas
adequadas para que a crescente produção
científica resulte em desenvolvimento
tecnológico. De 1981 a 2000, o número
de artigos científicos publicados por
autores nacionais subiu 400%, passando de 1.889
para 9.511. Com isso, em apenas 20 anos, a participação
do Brasil na produção científica
mundial passou de 0,44% para 1,44%.
Apesar da evolução
numérica da produção científica
nacional, em 2000 foram registradas apenas 98
patentes brasileiras nos Estados Unidos, enquanto
a Coréia do Sul, que tem uma produção
científica equivalente à brasileira,
registrou 3,3 mil no mesmo ano. Ou seja, o Brasil
já sabe fazer ciência, mas ainda
não aprendeu a transformá-la em
crescimento econômico.
O livro também apresenta
o resultado de um cuidadoso esforço de
revisão das séries históricas
referentes aos investimentos públicos
em P&D, além do primeiro levantamento
sobre dispêndios da iniciativa privada
no setor. Os números mostram que os recursos
destinados pelo governo federal caíram
de R$ 2,49 bilhões em 1996 para R$ 2,36
bilhões em 2001, o que equivale a uma
taxa média de variação
negativa de 1,04% ao ano.
De acordo com o levantamento,
tal decréscimo ocorreu basicamente entre
1996 e 2000, já que em 2001 ocorreu uma
forte recuperação (+ 8,69%), em
razão da entrada em operação
dos Fundos Setoriais do MCT. Já os dispêndios
com pós-graduação foram
estimados em R$ 1,74 bilhão em 1999 e
R$ 1,87 bilhão para o ano 2000. No campo
da iniciativa privada, levantamento inédito
feito pela Pesquisa Industrial de Inovação
Tecnológica (Pintec) revelou que o valor
dos dispêndios do setor em P&D no
ano 2000 foi da ordem de R$ 4,5 bilhões.
Embora os investimentos em
P&D ainda estejam muito longe do ideal,
o livro revela alguns indicadores animadores.
Um deles é a publicação,
pela primeira vez no país, de uma estimativa
sobre recursos humanos em C&T, realizada
de acordo com o Manual de Camberra, que é
a metodologia internacionalmente utilizada para
este tipo de levantamento.
Esse número foi estimado
em 12,5 milhões de pessoas em 1999, o
que, segundo o estudo, é um montante
expressivo. É, por exemplo, superior
ao dos 15 países da União Européia,
tomados individualmente, com exceção
da Alemanha, que possuía 18 milhões
até aquele ano, diz o livro.
Em termos relativos, porém,
os recursos humanos brasileiros representavam
em 1999 apenas 15,7% do total da população
economicamente ativa, o que representa uma proporção
inferior a todos os países da União
Européia.
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