Fungos e bactérias
degradam corantes poluidores
Expectativa
é que biorremediação complemente
e otimize os atuais
sistemas de tratamento de efluentes das empresas
MANUEL
ALVES FILHO
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A professora Lúcia Regina Durrant (centro)
e os pesquisadores Hélio Kamida e Elisângela
Franciscon: buscando soluções na
natureza |
Pesquisadores
da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp
estão buscando na própria natureza a
solução para um dos principais problemas
da atualidade: a poluição ambiental.
Em escala laboratorial, eles empregam fungos e bactérias
para reduzir ou até mesmo eliminar substâncias
potencialmente nocivas para o solo, a água
e o ar. Uma das vertentes dessa linha de pesquisa
está voltada para degradação
de corantes sintéticos utilizados pela indústria
têxtil. A expectativa dos especialistas é
que dentro de alguns anos o processo, conhecido tecnicamente
como biorremediação, possa complementar
e otimizar os atuais sistemas de tratamento de efluentes
das empresas, diminuindo assim a agressão ao
meio ambiente.
De acordo com a professora Lúcia Regina Durrant,
coordenadora dos estudos, os corantes sintéticos
são muito usados pela indústria têxtil.
Atualmente, existem cerca de 10 mil tipos deles, cada
um com uma estrutura molecular diferente. Quando lançadas
num curso dágua, essas substâncias
provocam graves danos ambientais. A presença
de apenas 1 miligrama de corante por litro de água
já é suficiente para colorir pelo menos
parcialmente um manancial. Resultado: a luz solar
deixa de atingir as plantas aquáticas, o que
impede que elas promovam a fotossíntese e se
reproduzam adequadamente. Como conseqüência,
os peixes têm a oferta de alimentos e oxigênio
reduzida.
Os corantes, que contêm elementos
tóxicos, também podem atingir uma estação
de captação e tratamento de água,
situação que comprometeria o abastecimento
da população. Além disso, essas
substâncias tendem a contaminar o solo próximo
ao manancial. Nesse aspecto, surge um outro problema,
esclarece a professora Lucia. Segundo ela, algumas
bactérias presentes no solo ajudam a degradar
o corante, porém podem produzir compostos carcinogênicos.
Estes, ao atingirem a água e o solo, representarão
uma ameaça para as culturas agrícolas,
uma das bases da alimentação de homens
e animais.
Cogumelos Uma das
alternativas para tentar evitar essa seqüência
de problemas, conforme os pesquisadores da FEA, está
no uso de microrganismos para degradar os corantes
sintéticos. Em sua tese de doutorado, co-orientada
pela professora Regina Monteiro, do Centro de Energia
Nuclear para Agricultura (CENA), de Piracicaba, Hélio
Kamida utilizou cogumelos comestíveis para
essa finalidade. O fungo, em seu estágio vegetativo,
produz uma enzima capaz de devorar as
substâncias poluentes. Kamida partiu de uma
coleção de 14 espécies anteriormente
selecionadas por uma colega que também fazia
o doutorado, para trabalhar com apenas duas. De acordo
com ele, a degradação provocada pelas
enzimas, confirmada por testes químicos, pode
ser acompanhada visualmente.
Para realizar seu experimento, o
pesquisador coletou amostras de efluentes de uma indústria
têxtil de Americana. Em seguida, ele usou um
substrato a base de bagaço de cana para aplicar
o fungo. Por último, misturou ambos. O
que nós pudemos verificar foi que, conforme
o fungo cresce, a água vai descolorindo. Não
chega a ficar translúcida, mas o tom azul marinho
cai para um alaranjado, explica. Além
de comprovar a capacidade de degradação
dos fungos, Kamida também tomou o cuidado de
verificar se o processo produziria compostos tóxicos.
Na opinião dele, esse método é
especialmente indicado para ser utilizado junto ao
lodo gerado pelo tratamento dos efluentes industriais.
A empresa que colaborou com os estudos
de Kamida, por exemplo, produz entre 6 e 8 toneladas
desse material ao dia. Os rejeitos normalmente são
recolhidos por empresas especializadas e levados para
um aterro industrial. Essa solução
é complicada, pois além de ajudar a
reduzir a vida útil dos aterros, ainda aumenta
o risco de contaminação do solo e do
lençol freático pelo corante presente
no lodo, através da lixiviação,
afirma. Também preocupada com a destinação
dos rejeitos da indústria têxtil, Elisângela
Franciscon, que está elaborando sua dissertação
de mestrado, tem usado bactérias para degradar
o lodo. Ela partiu de 60 microorganismos, que mais
tarde foram reduzidos para 17.
Atualmente, ela está selecionando
aqueles que se prestam melhor à biorremediação.
Alguns sequer foram identificados ainda. Além
disso, a aluna de pós-graduação
também está pesquisando maneiras de
reduzir o volume do lodo. O material, ensina Elisângela,
nada mais é do que uma massa celular composta
por inúmeros microorganismos. Para combatê-los,
ela investiga que nutrientes podem ser adicionados
ao lodo, de modo a aumentar a produção
das bactérias faxineiras. Estas,
em maior número, devorariam as
inimigas, reduzindo assim o volume total dos rejeitos
industriais.
Em tese defendida recentemente pela
pesquisadora Suelma Feijó, verificou-se que
essas bactérias produzem biosurfactantes, uma
espécie de emulsificante, que também
é empregado pelas indústrias alimentícias
e de cosméticos, na produção
de sorvetes e cremes. Em contato com os poluentes,
a substância torna-os solúveis, facilitando
assim a sua remoção por medida complementar.
De acordo com a professora Lúcia, esses estudos
deverão ser complementados por outros, até
atingirem uma escala piloto, que reproduzirá
as condições encontradas na indústria.
O passo seguinte já compreenderá a transferência
de tecnologia para a iniciativa privada. Mas
isso ainda vai requerer alguns anos, prevê.
Ela destaca, porém, que a biorremediação
já é aplicada em larga escala em países
desenvolvidos, como os Estados Unidos e algumas nações
européias. As pesquisas desenvolvidas pela
equipe da FEA contam com o financiamento da Fapesp,
Capes e CNPq.