Estudo indica fármacos sem
efeitos colaterais contra gotas
LUIZ
SUGIMOTO
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O químico Saulo Luís da Silva: modelagem
molecular teve resultados animadores |
Quem
sofre de gota deve achar irônico
este nome que sugere coisa minúscula, mas que
batiza doença tão dolorida. O processo
natural de destruição de células
do corpo, para que novas células se instalem,
resulta em substâncias que precisam ser expelidas.
O ácido úrico é uma dessas substâncias
e sai pela urina. O acúmulo de ácido
úrico no sangue, por causa da produção
excessiva ou porque sua eliminação é
deficiente, ataca principalmente as articulações,
começando em geral pelo pé, com dor
súbita e aguda, inchaço e vermelhidão.
Pode subir ao joelho, dedos da mão, punho e
cotovelo. No estágio crônico, prejudica
órgãos como rins e fígado, havendo
risco de deformidades irreversíveis nas articulações.
O químico Saulo Luís
da Silva informa que a droga mais usada contra a gota,
que acomete perto de 2% da população
mundial, é o allopurinol. Ocorre que o medicamento
pode causar severas reações alérgicas,
dentro de um conjunto de aspectos fisiológicos
que se denominou Síndrome da Intolerância
ao Allopurinol (SAI). Entre outros efeitos, a SAI
se caracteriza por febres, comprometimento renal e
hepático, lesões eritematosas (a vermelhidão
na pele), e estuda-se ainda sua influência o
processo da catarata. É importante descobrir
novas drogas ou derivados para evitar tantos efeitos
maléficos em pacientes que dependem do allopurinol,
sem no entanto diminuir a eficiência no tratamento
da doença, afirma o pesquisador.
Saulo da Silva procura fazer sua
parte. Ele realizou a modelagem molecular de derivados
de fenilpirazóides e flavonóides, que
nos testes mostraram resultados animadores quanto
à eficácia destes compostos na inibição
da enzima xantina oxidase (XO), uma das principais
responsáveis pelo desenvolvimento da gota.
Ambas as classes de compostos, aparentemente, atuam
sem produzir aqueles danos severos o que precisa
ser comprovado em testes complementares. A tese de
doutorado, defendida no Instituto de Biologia (IB)
da Unicamp, foi orientada pelo professor Sérgio
Marangoni. A xantina oxidase é a enzima
que produz ácido úrico, a partir de
um substrato chamado hipoxantina. A ação
do allopurinol está em ocupar o lugar da hipoxantina
no sítio ativo da enzima, interrompendo a produção
de uratos (forma fisiológica do ácido
úrico) e também, indiretamente, de radicais
livres, simplifica.
Encontrar mecanismos moleculares
semelhantes em fenilpirazóides e flavonóides
foi o objetivo de Saulo da Silva. Para que compreendamos
melhor seu trabalho, o pesquisador explica que, quando
os alvos são enzimas que causam doenças
ou mal-estar como a xantina oxidase, procura-se localizar
um ponto de ação para alguma substância
que iniba esta atividade, evitando o acesso do substrato
ou ainda alterando a estrutura da enzima e impedindo
a ligação do mesmo. A técnica
de modelagem molecular é usada para o desenho
racional de drogas. Estudamos aspectos estruturais
e energéticos da molécula: ângulos
e distâncias entre átomos, eletronegatividade,
calores de hidratação e formação,
volume e área, dentre vários outros.
A modelagem, em resumo, mostra as propriedades de
uma molécula que devem ser salientadas ou suprimidas
para aumentar sua ação como fármaco,
ilustra.
Sem a modelagem molecular, observa
o químico, o processo de produção
de um medicamento torna-se mais lento e dispendioso,
além de depender da sensibilidade do pesquisador,
quando não da sorte para se encontrar uma modificação
estrutural interessante. A utilização
desta técnica associada com métodos
estatísticos, os chamados métodos quimiométricos,
permite ao químico sintético indicar
as moléculas com maior probabilidade de apresentar
bons resultados e descartar aquelas que provavelmente
não teriam efeitos importantes. A indústria
farmacêutica mantém grandes grupos de
pesquisas que utilizam o desenho racional de drogas,
com intuito de otimizar o processo de descoberta de
novas moléculas farmacologicamente ativas,
reduzindo assim os custos das pesquisas, acrescenta.
Estratégia
Os derivados fenilpirazólicos avaliados por
Saulo da Silva são sintéticos, ao passo
que os flavonóides encontram-se em quantidades
apreciáveis nas plantas, alimentícias
ou não. Como os flavonóides fazem
parte da nossa dieta diária, muitos pesquisadores
se dedicam a entender melhor suas ações
biológicas e seus possíveis efeitos
farmacológicos. Além da capacidade de
inibir a xantina oxidase, também foram relatados
importantes efeitos antioxidativos, antitumorais e
antiulcerogênicos, lembra o químico.
Para a análise, Saulo da
Silva utilizou dois métodos. No primeiro, mais
tradicional, as moléculas foram desenhadas
e otimizadas no vácuo. No segundo, uma nova
forma de abordagem estrutural de inibidores enzimáticos
não-protéicos, as moléculas foram
otimizadas estruturalmente dentro do campo de força
criado pelo cristal da enzima. As diferenças
entre os métodos, principalmente as energéticas,
não foram significativas. Mas o segundo método
resultou em uma análise estrutural mais interessante,
pois aproxima o inibidor de sua melhor conformação
de interação com a enzima, explica.
De acordo com o pesquisador, a mesma
estratégia utilizada para desenhar o allopurinol
pode servir para evitar possíveis efeitos colaterais
de outros fármacos quiomioterápicos
derivados das bases purinas, a exemplo dos utilizados
no aciclovir.