Os demógrafos caminham
sobre o fio da navalha
ÁLVARO
KASSAB
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Longe de ser um universo à parte, o mundo
rural é
hoje cruzado pelos embates da sociedade brasileira
contemporânea |
JU
O envelhecimento da população
brasileira impõe novos desafios. Quais seriam
os mais relevantes?
Elza Berquó
Em primeiro lugar, o envelhecimento é mais
feminino. Porque são as mulheres que vivem
mais e, em geral, não estão na companhia
de um marido ou companheiro nessa fase mais adiantada
da vida. Acredito que é preciso levar em conta
que o envelhecimento não tem conotações
e conseqüências iguais para homens e mulheres.
As mulheres devem ser levadas em conta inclusive em
políticas públicas, porque elas vão
viver durante muitos e muitos anos. A diferença
da expectativa de vida hoje em dia é de sete
anos.
Os homens, como reciclam as suas
mulheres, estão na maioria das vezes na companhia
de mulheres, quando chegam à velhice; e essas
companheiras são mais jovens do que eles. Os
homens, portanto, terão, na velhice mais avançada,
quem cuide deles, ao contrário das mulheres.
Acho que esse é um elemento importante na visão
do envelhecimento. Quando falo em políticas
públicas, não estou me referindo apenas
à saúde. Falo também na questão
da habitação, do aumento da renda, enfim,
políticas sociais que levem em conta que há
uma vulnerabilidade própria da mulher ao envelhecer.
José Marcos Pinto da Cunha
São vários desafios, mas
antes gostaria de dar uma relativizada quando o demógrafo
fala em processo de envelhecimento. Isso não
quer dizer que o Brasil está ficando velho,
mas sim que o país está deixando de
ser uma população de muitos jovens.
Nossa pirâmide está numa tendência
de reduzir sua base, formada por crianças e
jovens até 14 anos, que está perdendo
peso. Com isso, o grupo mais velho ganha peso relativo.
Na verdade, a população está
deixando de ser menos jovem. Mas, hoje, a maioria
da população brasileira está
na faixa de adultos jovens.
De qualquer forma, a população
idosa no Brasil é a que mais cresce. Sua taxa
de crescimento está em cerca de 6% a 7% ao
ano, enquanto a população total cresce
a 1,6%. Acho que a questão do envelhecimento
por si só deveria ser colocada sempre. A atenção
ao idoso não deveria ser uma preocupação
apenas porque a população agora está
envelhecendo.
Por outro lado, o aumento da longevidade
e a redução da população
mais jovem acabam gerando um conjunto de desafios.
Nós estamos com aquilo que os demógrafos
chamam de janela de oportunidades. Uma delas é
que se pode começar a pensar com mais força
na questão do idoso. Os desafios serão,
sobretudo, em termos de médio e longo prazos.
No longo prazo, a questão é reduzir
muito a relação entre a população
ativa e inativa, que é o que acontece hoje
nos países europeus. Eles estão enfrentando
um problema sério. A Espanha e a Itália,
por exemplo, estão com a pirâmide praticamente
invertida. Isso tem implicações seriíssimas
no mercado de trabalho. A relação de
dependência econômica está tomando
números complicados, o que já implica
a crise da previdência, como se discute, por
exemplo, na França.
O país envelhecendo no longo
prazo significa que vamos ter problemas graves, como
a Previdência, a questão do mercado de
trabalho e uma terceira questão, que considero
a mais importante, que é a atenção
à saúde do idoso, que é muito
mais complexa e muito mais cara. É muito mais
difícil você trabalhar com a saúde
do idoso do que você controlar uma doença
infecciosa. Isso vai exigir um grau de investimento
muito mais forte, e não sei se o Brasil está
preparado.
Sem contar os desafios sociais. Não sei se
o Brasil está preparado para acolher o idoso
da maneira que precisa ser acolhida. Não só
em termos da aposentadoria, mas também no que
diz respeito a espaços possíveis para
que ele continue se integrando, inclusive no mercado
de trabalho.
Há, sim, desafios, mas não
mais importantes daqueles que tínhamos no passado.
Os focos é que são diferentes. Nossas
preocupações de hoje não serão
a do futuro. Espera-se, por exemplo, que, em 2025,
a população idosa vá responder
por 15% da população brasileira, que
deverá ser de 250 milhões. Trata-se
de um número importante.
Devemos ficar atentos para as experiências
dos países europeus, que estão entrando
em crise. Hoje, eles precisam fazer o que Elza Berquó
chama de transfusão demográfica,
por conta do déficit de mão-de-obra.
Eles estão desesperados, já que as mulheres
não querem mais ter filhos. Isso significa
que a base da pirâmide deixa de ser preenchida.
JU Nos anos 70, o êxodo
rural ganhou destaque e, hoje, o tema está
na berlinda com novos contornos.A dicotomia urbano/rural
passou a ser objeto de estudo em diversas áreas.
Dá para dimensionar a importância do
tema, dizer quais são as novas características
das relações entre o urbano e o rural
e no que elas colaboram para o desenvolvimento do
país?
Elza Berquó
Sinceramente, acredito que houve uma melhoria das
condições de vida da população
idosa que vive na área rural. Hoje em dia eles
têm um salário, que serve de elemento
inclusive para nuclear a família em torno dessa
pessoa idosa que tem esse salário todo mês.
Este é um elemento que faz com que você
mantenha na área rural uma população
também envelhecida.
Agora, quando a gente pensa na questão da fecundidade,
temos uma fecundidade bastante diferencial na área
rural. Está diminuindo, mas ainda é
elevada. Essa também é uma questão
que não se pode deixar de levar em conta. Não
há dúvida de que esse movimento campo-cidade
foi se acentuando com a falta de opções.
Entretanto, acredito que, com a produção
familiar, com o agronegócio, o rural continuará
tendo o seu papel e merece realmente a atenção
do governo.
Por outro lado, o rural que se tem hoje não
é a mesma coisa do rural de antigamente. São
muitas as atividades que acontecem no rural, mas que
não são rurais. Até para efeitos
comparativos, é preciso interpretar o significado
desse corte, que vem mudando.
José Eli da Veiga
A primeira coisa que a gente precisa discutir
é a própria expressão êxodo
rural. Na verdade, o que houve nos anos 70 foi um
êxodo agrícola. Muita gente saiu da agricultura
e, portanto, migrou. Mas é discutível
a maneira como se entende a migração
rural urbana, porque no Brasil existe uma maneira
de classificar o que é rural e urbano que é
a única no mundo e é absurda.
Por exemplo: a migração para regiões
metropolitanas ou até para aglomerações
não-metropolitanas, ou para centros urbanos
(como é o caso de Piracicaba, que é
uma cidade que se urbanizou sozinha e está
cercada de rural), pode ser vista como êxodo
rural. Agora, se contabilizou muito também
quem, por exemplo, saiu do sítio e foi morar
na sede de um município com 10 mil habitantes.
Isso foi contado como êxodo rural. Isso simplesmente
é um despautério. Essa é a questão
central. Portanto, não se trata tanto de se
discutir as relações urbano-rural de
outra forma.
Significa, sobretudo, esclarecer a população
brasileira, particularmente o pessoal mais informado,
de que há uma deformação na maneira
como se contabiliza o urbano e o rural no Brasil.
Não vejo como você pode planificar o
desenvolvimento tendo uma idéia falsa sobre
o país.
A maneira de se calcular o grau
de urbanização originou-se numa norma
legal de um decreto lei de Getúlio Vargas,
de 1938. Ele já era obsoleto quando foi criado.
Só que o equívoco, na época,
era compreensível. Por quê? No Brasil,
até a república, tinha uma regra muito
clara do que era a cidade, do era a vila, etc. Era
uma regra semelhante à de Portugal, por causa
do império. Com a república, houve uma
espécie de liberdade. Cada estado começou
a ter uma regra, começou a ficar meio confuso.
Nada melhor para pôr essas
coisas em ordem do que uma boa ditadura... Não
tem discussão, o sujeito baixa um decreto-lei,
define, pronto e acabou. Na ocasião, era necessária
uma regra geral para o país todo, até
porque, inclusive, havia sido na época criado
o IBGE. O censo demográfico de 1940 estava
para ser feito; ou se tinha uma coisa bem clara ou
ia dar confusão. Dá até para
entender.
Por que a regra foi tão simplista? Eles imaginaram
que, em todos os municípios que existiam na
época, as sedes seriam cidades. É um
equívoco natural. Agora, depois disso, em 1950,
em 1960, esse negócio começou a ficar
absurdo. E, mais recentemente, ficou mais ainda com
a criação de um número imenso
de municípios o Brasil tem 5.562. Se
você considerar que a sede de todos esses municípios
são cidades, e que as sedes dos distritos desses
municípios são vilas, é uma negócio
completamente maluco.
Acho então que essa é
uma questão central. Não vejo como nós
podemos planejar o desenvolvimento e, sobretudo, formular
boas políticas públicas, em geral, com
uma visão tão deformada do Brasil. O
que mais se repete, quase todo o dia ouço alguém
falar ou escrever isso, é que o Brasil seria
82% urbano. Esse cálculo é maluco.
José Marcos Pinto da Cunha
Há quase um consenso de que a dicotomia
urbano/rural tenha se esgotado. Ela não dá
mais conta de você captar todas as especificidades
em termos de assentamentos humanos. No caso do Brasil,
é muito difícil você falar num
único urbano e num único rural. Se for
pensar do ponto de vista de forma de reprodução
social, a gente sabe que são diferentes nesses
contextos, seja lá como chamemos de
urbano, rural, semi-urbano, suburbano, rural de extensão,
etc.
Sabemos que há significativas
diferenças e nesse sentido é importante
que a gente discuta os assentamentos humanos até
para pensar em políticas de desenvolvimento
e em ações de políticas públicas,
sem desprezar as vocações regionais.
Pensar e discutir isso vai muito além do que
uma simples discussão acadêmica. Dentro
desse contínuo entre o rural e o urbano, existem
várias situações.
Mesmo para categorias parecidas, encontraremos uma
diversidade enorme. O urbano rural paulista certamente
é muito diferente do rural do Mato Grosso ou
da Amazônia. O importante é entender
um pouco melhor o que a dicotomia não ajuda
a perceber, sobretudo porque vemos esses dois espaços
se inter-relacionando e, digamos, entrando um no outro.
Há trabalhos, por exemplo,
que mostram que atividades não-agrícolas
estão sendo desenvolvidas no rural, porque
novas preferências vão surgindo. Os urbanitas
começam a buscar as zonas rurais para morar.
Observamos o mesmo fenômeno do ponto de vista
do rural. As condições para a agricultura
familiar do pequeno proprietário não
são nada satisfatórias para poder dar
condições para a pessoa permanecer lá.
Acabamos encontrando então
um movimento pendular, de pessoas que têm a
terra, mas que precisam ficar na cidade uma parte
do tempo para poder conseguir algum tipo de subsistência.
Essas duas realidades estão cada vez mais interligadas.
Acho que isso abre espaço para muitas discussões.
Esse foi inclusive um dos objetivos do seminário
[Transdisciplinar Espaço e População].
Há uma nova configuração
espacial no Brasil. O rural hoje está sendo
invadido por urbanitas. Entretanto, há uma
discussão que é de caráter mais
estatístico-administrativo que é o fato
de todo município, toda unidade administrativa
precisar ter uma população urbana, por
menor que seja. Alguns defendem que as configurações
precisam ser redefinidas, até porque acreditam
que há uma sobreaglomeração do
urbano no Brasil.
Concordo em certo sentido com essa
visão, mas também há que se pensar
que, para definir o urbano/rural, não basta
pensar apenas em critérios estatísticos,
de volumes ou de densidade. Há que se pensar
também em funções. Acho que num
lugar longínquo da Amazônia pode haver
centros urbanos pequenos, mas que de fato exercem
funções urbanas.
No Brasil, a classificação
estatística do urbano/rural é administrativa.
É o prefeito que determina qual o perímetro
urbano. Você tem cidades que não mudam
seu perímetro urbano durante anos. Isso pode
gerar falácias estatísticas. Você
pode achar que está crescendo o rural, mas
é simplesmente uma expansão urbana.
Isso acontece muito claramente no estado de São
Paulo, nas regiões metropolitanas de Campinas
e São Paulo, por exemplo. O rural cresce nessas
regiões, mas é um rural falso. Trata-se
de uma expansão urbana e, por algum
motivo, essa área não foi reclassificada.
Essa informação pode
ser falaciosa e pode levar a conclusões errôneas.
Da mesma forma, pode levar a equívocos o fato
de se pensar soluções únicas
para um rural que é essencialmente heterogêneo.
Estou convencido que a agricultura familiar é
uma saída importante para milhões de
brasileiros. É a forma como eles podem se manter.
A gente vê que a agricultura familiar está
cada dia mais se esvaindo, diminuindo. O Mato Grosso,
que é uma área que foi colonizada nesses
termos, hoje é uma das regiões que menos
têm agricultura familiar no Brasil. As implicações
são claras em virtude do volume migratório,
que chamo de sustentabilidade demográfica.
No MT, o poder de incorporação das pessoas
que vêm do rural é muita pequena. A atividade
agrária exige cada vez mais espaço.
A concentração da
terra no Brasil também é algo impressionante.
Acho que são elementos que, quando enfocada
a questão do rural e do urbano, mostram o quanto
é importante pensar em estratégias de
desenvolvimento e de inclusão. É preciso
que seja mais bem definido do ponto de vista demográfico
o tamanho do problema. A compreensão precisa
ser clara e fidedigna. Acho que o IBGE avançou
nos últimos censos ao desagregar um pouco melhor
a questão do rural. Há uma categoria,
por exemplo, que se chama rural de expansão
urbana. É claramente uma ocupação
de tipo urbana. Trata-se de uma discussão ampla
e que permite várias leituras. Está
em pauta não só no Brasil, como também
na comunidade acadêmica internacional.
Nazareth Wanderley O ponto de partida
parece evidente: a referência ao mundo rural
é pertinente para a apreensão das dimensões
significativas da sociedade brasileira na medida em
que ele é percebido em suas particularidades
e através de diversos laços de integração
com a sociedade desenvolvida.
Questões centrais em debate
hoje na sociedade brasileira, tais como a pobreza,
a cidadania, os direitos, a segurança alimentar,
a propriedade, as novas faces do trabalho, perpassam
de alguma forma o mundo rural. Longe de ser um universo
à parte, o mundo rural é hoje cruzado
pelos embates da sociedade brasileira contemporânea
e constantemente atualizado a partir da presença
de redes, de movimentos e organizações
sociais, locais, nacionais e internacionais, que estimulam
a circulação em mão dupla dos
temas globais ao plano local.
Defendo, e não estou sozinha
nessa posição, que o mundo rural é
uma qualidade para a sociedade. Desenvolver o rural
é a preservação dessa qualidade.
Esse debate não está apenas no Brasil,
é fortíssimo no mundo todo. No Brasil,
aliás, é uma discussão bem diluída.
Justamente porque há uma visão do meio
rural como um espaço da grande máquina,
dos 100 milhões de toneladas. Em grandes extensões,
você só vê o dono das máquinas
é o veterinário. Não tem gente
naquele lugar, então não tem problema
ambiental, não tem problema social, não
tem problema da terra. É uma falsa imagem.
JU Ao contrário
do verificado no Brasil, a demografia ocupa um papel
central nos países desenvolvidos. Por que isso
não ocorre no país e em que áreas
os estudos demográficos poderiam servir
ou servem de ferramenta no que diz respeito
às políticas públicas?
Elza Berquó
Depois da Conferência do Cairo, que aconteceu
em 1994, o governo FHC criou a Comissão Nacional
de População e Desenvolvimento, que
hoje em dia é um órgão colegiado
do Ministério do Planejamento. É formada
por dez integrantes de ministérios e por oito
membros da sociedade civil. Qual é a finalidade
dessa comissão, que presido há nove
anos? É exatamente ser um elemento para trazer
ou levar, para os ministérios, através
do debate e do levantamento de questões e metas,
a importância que representa o binômio
população e desenvolvimento na formulação,
no monitoramento e na avaliação de políticas
públicas.
Isso existe no Brasil. Essa comissão
é também um órgão importante
na relação do Itamaraty com os outros
países. Quando chega uma solicitação
das Nações Unidas, essa comissão
é ouvida, esses 18 membros opinam, e o Itamaraty
dá o encaminhamento de acordo com essas opiniões.
Por outro lado, o desenvolvimento da demografia no
Brasil é muito mais recente do que a registrada
em outros países.
Nos Estados Unidos, por exemplo, a demografia no século
20 se desenvolveu muito, mas atrelada aos recursos
que foram colocados nas melhores universidades americanas,
que por sua vez, promoveram estudos nos países
em desenvolvimento. O objetivo era o controle da natalidade.
Esse papel foi muito criticado na América Latina,
inclusive temos trabalhos sobre isso. Essas coisas
macularam um pouco a imagem da demografia.
O demógrafo caminha sobre
o fio da navalha, já que todos os conhecimentos,
decisões e atividades são políticos.
Tudo tem conseqüências políticas.
Além disso, a demografia tem uma herança
perversa. Por quê? Sua herança é
puritana, controlista e eugênica. Levou muito
tempo para que se pudesse dar a volta por cima. Demorou,
como costumo dizer, para que deixasse cair os véus
e para que realmente a parte importante da demografia
viesse à tona e pudesse ser utilizada da melhor
maneira possível.
Os programas de pós-graduação
são recentes. Tivemos no Brasil um período
de silêncio de informação demográfica,
que foi de 1960 a 1980. Quando o governo militar assumiu,
esse censo de 1960 só foi divulgado em 1978
e, assim mesmo, incompleto, como o é até
hoje. Ficamos quase 20 anos sem informações
sobre a situação do Brasil. Isso fez
com quem trabalhava nessa área ficasse sem
matéria-prima para fazer estudos e análises.
O caso da população
negra no Brasil é emblemático. O censo
de 1970 foi realizado, mas também só
foi publicado lá para frente. O governo militar
eliminou a informação sobre cor, sob
a alegação de que isso era preconceituoso.
Nós ficamos 20 anos sem informação
sobre a população negra no Brasil. Fomos
dar conta, em 1980, que 45% da população
do Brasil era autodeclarada negra. Portanto, ela tem
um poder de luta política que nem ela sabia
que tinha. Isso veio de análise demográfica.
O reconhecimento foi tardio porque a disciplina só
se desenvolveu no Brasil muito mais tarde. Tudo foi
desmantelado na ditadura militar. O surgimento do
Nepo, que tenho a honra de ter criado, ocorreu em
1982. A Unicamp abrigou-o depois de a USP ter perdido
a oportunidade de ter um curso de pós-graduação
em demografia. E continua até hoje sem ter
o curso.
Os centros de demografia foram criados
nesses períodos. O Cedeplar (Centro de Desenvolvimento
e Planejamento Regional/UFMG) surgiu um pouco antes.
Um outro fato que acho diferente é que cada
grupo que se forma tem a marca do grupo que o criou.
No Cedeplar, o foco sempre foi a economia. O nosso
grupo do Nepo tem um peso grande na área de
matemática, estatística e sociologia.
E a Ence (Escola Nacional de Ciências Estatísticas/RJ),
que é uma pós-graduação
ligada ao IBGE, e é de um certa forma uma escola
de governo, nasceu com essa vocação.
Acho superinteressante que nós tenhamos essa
diversidade. Acho que há mercado para demógrafos,
tanto que a procura é grande para a pós-graduação.
José Eli da Veiga
A pergunta está totalmente certa. Quando a
gente vê o grau de detalhes que os estudos demográficos
têm por exemplo na França, na Inglaterra
e nos Estados Unidos, é de impressionar como
se despreza o assunto aqui. Nós temos bons
demógrafos e bons bancos de dados. No caso
do Estado de São Paulo, por exemplo, é
impressionante o que se tem de dados bons, precisos
e completos.
A demografia poderia servir de ferramenta, sim. Vou
dar um exemplo bem claro. Hoje existe uma grande discussão
no país sobre se faz sentido que esses municípios
pequenos tenham câmaras municipais, que ficam
hoje com 6% do orçamento do município.
De tudo que o governo federal transfere para os municípios
6% vai para a câmara. Tem gente que diz
que esse é um dos principais mecanismos de
concentração de renda no Brasil. Tem
um monte de gente que vive nesses municípios,
que fica escandalizada com os salários dos
vereadores, e assim por diante.
No fundo, trata-se da grande questão
da relação dos três níveis
da Federação. Como a Constituição
não foi regulamentada e o Brasil é sui
generis nesse sentido, de ter uma federação
tripartite, há todo um leque de discussões
sobre como é que se dá a relação
entre municípios, estado e governo federal.
Trata-se de uma questão muito complicada. Os
municípios vivem normalmente de transferências
através dos fundos de participação,
do Fundef, e de outros mecanismos.
Muitos desses municípios,
e aí não importa se eles foram criados
recentemente ou não, estão perdendo
população. É discutível
que eles devam continuar existindo. Deveria ter alguma
fórmula que permitisse a fusão de municípios,
por exemplo. Toda a discussão sobre federalismo
implica um bom conhecimento das migrações,
etc, até para que se possa formular alguma
regra em relação a isso.
Estive recentemente no México,
por exemplo, e a maneira como eles lidam com essas
estatísticas demográficas é muito
diferente. Especialistas fizeram um cálculo
que, por exemplo, não existe no Brasil. Calcularam
todas as transferências de recursos destinados
ao rural. Depois, fizeram um cálculo inteligente
da população rural, baseado em critérios
modernos. A partir daí, foi feita uma comparação
para ver se era equivalente o conjunto que as políticas
governamentais transferiam para o México rural
e qual era o peso demográfico do México
rural. No Brasil, não dá para fazer
isso. Nem sequer sabemos o que é rural ou não.
José Marcos Pinto da Cunha
De fato, é essa a leitura. A demografia
em outros países tem um papel importante, até
porque muita gente sabe o que significa o ser demógrafo.
Nos Estados Unidos, a quantidade de universidades
que têm curso de demografia é impressionante.
No Brasil, temos apenas três grupos de programas
de demografia, que sempre foi um recorte de pós-graduação,
já que não é uma disciplina de
graduação em nenhum lugar do mundo.
Nos últimos cinco anos, entretanto,
a demografia tem ganhado um peso importante. Sinto
que tem sido reconhecida como uma disciplina importante,
tanto que projetos de EIA-Rima têm explicitadas
as participações dos demógrafos.
Esse crescimento é uma coisa de retroalimentação.
A comunidade demógrafa foi crescendo, e a possibilidade
e a capacidade de trabalho também.
Como o demógrafo trabalha
com um objeto que é nitidamente social, sua
capacidade de agregar várias disciplinas é
grande. Então são médicos-demógrafos,
economistas-demógrafos, sociólogos-demógrafos,
e assim por diante. Existe uma preocupação
de entender os fenômenos e de devolver à
academia e ao poder público suas interpretações.
Estamos crescendo muito nesse sentido.
Sinto que os planejadores, em particular
a administração pública, vêem
que o demógrafo trabalha de uma forma que eles
precisam. Quando se fala em população,
em crescimento demográfico, estamos falando
de demandas. Sou otimista com relação
ao futuro da demografia. Por outro lado, o demógrafo
ainda está acomodado na coisa pública.
São poucos os casos de profissionais atuando
na área privada. Isso preocupa um pouco porque
diminui o campo de atuação.
A função do demógrafo
vai muito mais além do que falar qual é
a população brasileira. Isso precisa
ser entendido. A demografia avançou muito em
várias áreas, dialoga com a antropologia,
a medicina, a economia, etc. Sua abrangência
está crescendo.
Nazareth Wanderley
Não me parece evidente que os estudos demográficos
no Brasil sejam tão relegados. Tenho impressão
que há um crescente interesse pelos estudos
populacionais.
Elza Berquó
A demógrafa
Elza Berquó é fundadora
do Núcleo de Estudos da População
(Nepo) da Unicamp, onde coordena o Programa
de Saúde Reprodutiva e Sexualidade.
Coordena a Área de População
e Sociedade do Cebrap e é presidente
da Comissão Nacional de População
e Desenvolvimento (CNPD).
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José E. da Veiga
José
Eli da Veiga é professor titular
da Faculdade de Economia e Administração
da Universidade de São Paulo (FEA/USP).
É autor dos livros Cidades Imaginárias
( Editora Autores Associados, 2002) e
A Face Rural do Desenvolvimento (Editora
da Universidade, 2002)
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José M. P. da Cunha
José
Marcos Pinto da Cunha é coordenador
e pesquisador do Núcleo de Estudos
da População (Nepo) da Unicamp.
É docente dos cursos de graduação
e pós-graduação
do Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas (IFCH)
da Unicamp. Desenvolve pesquisas sobre
migração
e redistribuição espacial
da população.
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Nazareth Wanderley
Nazareth
Wanderley é doutora em sociologia
pela Universidade de Paris X. Foi professora
de sociologia rural durante 20 anos no
Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas (IFCH) da Unicamp. É professora
colaboradora do programa de pós-graduação
em sociologia da Universidade Federal
de Pernambuco (UFPE). Desenvolve pesquisas
sobre o mundo rural e agricultura familiar.
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