A segunda geração
da Vaca Mecânica
Nova
versão do equipamento desodoriza leite de soja,
e resíduo antes descartado pode ser usado para
produzir carne vegetal
MANUEL
ALVES FILHO
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O professor Roberto Hermínio Moretti, da
FEA, ao lado do equipamento: novas opções
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Em
1977, o professor Roberto Hermínio Moretti,
da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp,
começou a estudar, a pedido da então
primeira-dama de Mato Grosso, uma maneira de extrair
leite de soja. Até ali, a mulher do governador
e algumas amigas utilizavam prosaicos liquidificadores
para produzir a bebida, utilizada para incrementar
a alimentação de crianças carentes
do Estado. Depois de alguns meses de muitos estudos
e testes, o pesquisador finalmente concebeu um equipamento
capaz de processar até 200 litros de leite
por hora. Passados dois anos, a tecnologia foi adotada
pelo então prefeito de Campinas, Francisco
Amaral, que a chamou de Vaca Mecânica.
O invento, bem como o seu apelido, ganhou o mundo.
Atualmente, está presente em inúmeras
cidades brasileiras e em vários países,
como Cuba e Angola.
A despeito do sucesso da invenção,
que passou a ser produzida comercialmente e cuja operação
foi aprimorada ao longo dos últimos anos, restava
ainda uma questão a ser resolvida. A aceitação
do leite nunca foi total por parte dos consumidores,
em virtude do cheiro e do gosto característicos
da soja, tidos por muitos como intoleráveis.
Incansável, o professor Moretti seguiu buscando
uma solução para o problema. Recentemente,
ele desenvolveu, com o auxílio de um de seus
alunos de doutorado, Roberto Machado de Moraes, um
sistema para desodorizar a bebida, que foi incorporado
ao equipamento. Criou, por assim dizer, a segunda
geração da Vaca Mecânica,
cuja patente já está sendo registrada.
A máquina, em fase final de montagem, entrará
em operação no início de dezembro,
junto às Centrais de Abastecimento S.A. (Ceasa-Campinas),
presidida por Mário Biral.
A nova versão da Vaca
Mecânica apresenta, ainda, uma outra função
importante. O equipamento separa, por meio de centrifugação,
o leite do resíduo sólido da soja. Este
último, anteriormente descartado, agora pode
ser utilizado para produzir carne vegetal, dando origem
a hambúrgueres, quibes, almôndegas e
recheios para pastel e massas. Segundo o professor
Moretti, 25 quilos de soja são suficientes
para produzir 200 litros de leite e 60 quilos de carne
vegetal por hora. Isso equivale a mil merendas, cada
uma composta por um copo de leite de 200 mililitros
e um sanduíche com um hambúrguer de
50 gramas. Essa refeição supre
48% das necessidades diárias de uma criança,
afirma o especialista da FEA.
E o melhor: tudo isso a um custo
de aproximadamente R$ 0,15 por merenda, o mesmo valor
gasto atualmente para alimentar os alunos das escolas
públicas brasileiras, que têm consumido,
em média, uma carga nutricional três
vezes menor. O desenvolvimento da segunda geração
da Vaca Mecânica só foi possível,
conforme Moretti, graças ao envolvimento do
professor do Instituto de Economia (IE) da Unicamp,
Walter Belik, que tomou conhecimento do projeto e
o apresentou aos gestores do programa Fome Zero. Estes,
por sua vez, aprovaram o uso do equipamento na campanha
e obtiveram financiamento para a sua construção
junto ao Grupo Brasilinvest. Até então,
a máquina vinha sendo montada de forma lenta,
com boa parte dos recursos saída do bolso do
próprio Moretti.
Conforme o docente da FEA, o primeiro
exemplar da nova Vaca Mecânica será repassado
para a Prefeitura de Campinas a preço de custo,
algo em torno de R$ 55 mil. Ele calcula que para montar
uma mini-usina para a produção de merendas,
que incluiria ainda uma padaria e a unidade para fabricar
a carne vegetal, seriam necessários mais R$
45 mil. Tudo isso num espaço de apenas 50 metros
quadrados, área proporcional à de uma
quitinete. Como essa mini-usina pode trabalhar
até 20 horas ininterruptas, reservando quatro
horas para limpeza e manutenção, uma
prefeitura pode ter ao final de cada dia até
20 mil merendas. Se também levarmos em conta
que a Vaca Mecânica produz refeições
que apresentam um valor nutricional três vezes
maior do que o das merendas atuais, isso equivale
dizer que estaremos produzindo três vezes mais
com o mesmo custo, compara o professor Moretti.
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Duas pessoas são capazes de operar a máquina
depois de um curto treinamento |
O especialista da Unicamp destaca
que ao leite de soja podem ser adicionadas várias
frutas, melhorando ainda mais o sabor e o valor nutricional.
Uma pesquisa realizada para a tese de doutorado de
Rosane da Silva Rodrigues, também coordenada
por Moretti, resolveu um problema nesse sentido. Anteriormente,
as frutas ácidas não podiam ser misturadas
ao leite, pois este coagulava. Rosane, porém,
desenvolveu uma nova tecnologia que misturou, com
sucesso, a polpa do pêssego à bebida.
A partir dessa tecnologia, outras frutas ácidas
poderão ser incorporadas ao leite de soja,
como o abacaxi, o morango, a manga, o maracujá,
entre outras, esclarece.
Moretti adianta que o funcionamento da Vaca
Mecânica é relativamente simples.
Segundo ele, duas pessoas, uma de
nível médio e outra de nível
básico, são capazes de operá-la,
a partir de um curto treinamento. Em relação
ao uso da tecnologia pelo programa Fome Zero, o docente
da FEA afirma que ela poderá trazer importantes
contribuições. Ele lembra que se o leite
de soja for misturado ao leite de vaca numa proporção
de 40%, este último não perde o seu
valor nutritivo. Isso dá para estender
nossa capacidade de fornecer leite de vaca para uma
parcela maior da população. Atualmente,
o Brasil consome perto de 15 bilhões de litros
de leite de vaca por ano, mas utiliza apenas 1% da
soja que produz [o país é o maior exportador
mundial do grão] para consumo humano,
afirma.
Alto-vácuo
Resultado de muito esforço e da reconhecida
capacidade científica do professor Moretti,
a Vaca Mecânica tem um funcionamento
relativamente simples, como já foi dito. Para
obter o leite de soja, basta deixar os grãos
de molho em água fria, para que fiquem macios.
Depois, a soja é fervida por 15 minutos e colocada,
seca, na máquina. Inicialmente, ela passa por
um dispositivo em forma de rosca, que recebe água
a uma temperatura de 97ºC. Em seguida, água
e soja são encaminhadas, de forma controlada,
até um triturador. Na seqüência,
essa mistura passa por uma centrífuga, que
separa o leite dos resíduos sólidos,
que já podem ser coletados para a produção
da carne vegetal.
O leite recebe um tratamento térmico
antes de chegar a uma câmara de alto-vácuo,
onde o aroma e o sabor característicos da soja
são eliminados. Na penúltima etapa do
processo, o leite vai para uma outra câmara,
para que o vácuo seja quebrado. Finalmente,
a bebida é resfriada e depositada em dois recipientes
com capacidade de 50 litros cada, nos quais as frutas
e outros sabores e aromas podem ser adicionados. De
acordo com o professor Moretti, a primeira versão
da Vaca Mecânica, sem o sistema
desodorizador, está espalhada por todo o Brasil.
Exemplares do equipamento podem
ser encontrados em Piracicaba, Nova Odessa, Curitiba
e até na Santa Casa de São Paulo. Fora
do país, a tecnologia é empregada em
diversas nações da América Latina,
em Cuba e até em Angola. De acordo com Rubens
Carandina, proprietário da Osmec Industrial
Ltda, que está concluindo a montagem da nova
versão da Vaca Mecânica, a empresa tem
capacidade para fabricar até 50 máquinas
por mês, desde que as encomendas sejam devidamente
agendadas. A maior parte das peças, diz, é
feita em aço inoxidável.
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Projeto: Vaca Mecânica
Coordenador: Professor Roberto Hermínio
Moretti,
da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA)
Investimento: R$ 55 mil
Patrocinador: Brasilinvest