Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 238 - de 17 a 30 de novembro de 2003
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A segunda geração
da ‘Vaca Mecânica’
Nova versão do equipamento desodoriza leite de soja,
e resíduo antes descartado pode ser usado para produzir carne vegetal

MANUEL ALVES FILHO

O professor Roberto Hermínio Moretti, da FEA, ao lado do equipamento: novas opções

Em 1977, o professor Roberto Hermínio Moretti, da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp, começou a estudar, a pedido da então primeira-dama de Mato Grosso, uma maneira de extrair leite de soja. Até ali, a mulher do governador e algumas amigas utilizavam prosaicos liquidificadores para produzir a bebida, utilizada para incrementar a alimentação de crianças carentes do Estado. Depois de alguns meses de muitos estudos e testes, o pesquisador finalmente concebeu um equipamento capaz de processar até 200 litros de leite por hora. Passados dois anos, a tecnologia foi adotada pelo então prefeito de Campinas, Francisco Amaral, que a chamou de “Vaca Mecânica”. O invento, bem como o seu apelido, ganhou o mundo. Atualmente, está presente em inúmeras cidades brasileiras e em vários países, como Cuba e Angola.

A despeito do sucesso da invenção, que passou a ser produzida comercialmente e cuja operação foi aprimorada ao longo dos últimos anos, restava ainda uma questão a ser resolvida. A aceitação do leite nunca foi total por parte dos consumidores, em virtude do cheiro e do gosto característicos da soja, tidos por muitos como intoleráveis. Incansável, o professor Moretti seguiu buscando uma solução para o problema. Recentemente, ele desenvolveu, com o auxílio de um de seus alunos de doutorado, Roberto Machado de Moraes, um sistema para desodorizar a bebida, que foi incorporado ao equipamento. Criou, por assim dizer, a segunda geração da “Vaca Mecânica”, cuja patente já está sendo registrada. A máquina, em fase final de montagem, entrará em operação no início de dezembro, junto às Centrais de Abastecimento S.A. (Ceasa-Campinas), presidida por Mário Biral.

A nova versão da “Vaca Mecânica” apresenta, ainda, uma outra função importante. O equipamento separa, por meio de centrifugação, o leite do resíduo sólido da soja. Este último, anteriormente descartado, agora pode ser utilizado para produzir carne vegetal, dando origem a hambúrgueres, quibes, almôndegas e recheios para pastel e massas. Segundo o professor Moretti, 25 quilos de soja são suficientes para produzir 200 litros de leite e 60 quilos de carne vegetal por hora. Isso equivale a mil merendas, cada uma composta por um copo de leite de 200 mililitros e um sanduíche com um hambúrguer de 50 gramas. “Essa refeição supre 48% das necessidades diárias de uma criança”, afirma o especialista da FEA.

E o melhor: tudo isso a um custo de aproximadamente R$ 0,15 por merenda, o mesmo valor gasto atualmente para alimentar os alunos das escolas públicas brasileiras, que têm consumido, em média, uma carga nutricional três vezes menor. O desenvolvimento da segunda geração da “Vaca Mecânica” só foi possível, conforme Moretti, graças ao envolvimento do professor do Instituto de Economia (IE) da Unicamp, Walter Belik, que tomou conhecimento do projeto e o apresentou aos gestores do programa Fome Zero. Estes, por sua vez, aprovaram o uso do equipamento na campanha e obtiveram financiamento para a sua construção junto ao Grupo Brasilinvest. Até então, a máquina vinha sendo montada de forma lenta, com boa parte dos recursos saída do bolso do próprio Moretti.

Conforme o docente da FEA, o primeiro exemplar da nova Vaca Mecânica será repassado para a Prefeitura de Campinas a preço de custo, algo em torno de R$ 55 mil. Ele calcula que para montar uma mini-usina para a produção de merendas, que incluiria ainda uma padaria e a unidade para fabricar a carne vegetal, seriam necessários mais R$ 45 mil. Tudo isso num espaço de apenas 50 metros quadrados, área proporcional à de uma quitinete. “Como essa mini-usina pode trabalhar até 20 horas ininterruptas, reservando quatro horas para limpeza e manutenção, uma prefeitura pode ter ao final de cada dia até 20 mil merendas. Se também levarmos em conta que a Vaca Mecânica produz refeições que apresentam um valor nutricional três vezes maior do que o das merendas atuais, isso equivale dizer que estaremos produzindo três vezes mais com o mesmo custo”, compara o professor Moretti.

Duas pessoas são capazes de operar a máquina depois de um curto treinamento

O especialista da Unicamp destaca que ao leite de soja podem ser adicionadas várias frutas, melhorando ainda mais o sabor e o valor nutricional. Uma pesquisa realizada para a tese de doutorado de Rosane da Silva Rodrigues, também coordenada por Moretti, resolveu um problema nesse sentido. Anteriormente, as frutas ácidas não podiam ser misturadas ao leite, pois este coagulava. Rosane, porém, desenvolveu uma nova tecnologia que misturou, com sucesso, a polpa do pêssego à bebida. “A partir dessa tecnologia, outras frutas ácidas poderão ser incorporadas ao leite de soja, como o abacaxi, o morango, a manga, o maracujá, entre outras”, esclarece.
Moretti adianta que o funcionamento da “Vaca Mecânica” é relativamente simples.

Segundo ele, duas pessoas, uma de nível médio e outra de nível básico, são capazes de operá-la, a partir de um curto treinamento. Em relação ao uso da tecnologia pelo programa Fome Zero, o docente da FEA afirma que ela poderá trazer importantes contribuições. Ele lembra que se o leite de soja for misturado ao leite de vaca numa proporção de 40%, este último não perde o seu valor nutritivo. “Isso dá para estender nossa capacidade de fornecer leite de vaca para uma parcela maior da população. Atualmente, o Brasil consome perto de 15 bilhões de litros de leite de vaca por ano, mas utiliza apenas 1% da soja que produz [o país é o maior exportador mundial do grão] para consumo humano”, afirma.

Alto-vácuo – Resultado de muito esforço e da reconhecida capacidade científica do professor Moretti, a “Vaca Mecânica” tem um funcionamento relativamente simples, como já foi dito. Para obter o leite de soja, basta deixar os grãos de molho em água fria, para que fiquem macios. Depois, a soja é fervida por 15 minutos e colocada, seca, na máquina. Inicialmente, ela passa por um dispositivo em forma de rosca, que recebe água a uma temperatura de 97ºC. Em seguida, água e soja são encaminhadas, de forma controlada, até um triturador. Na seqüência, essa mistura passa por uma centrífuga, que separa o leite dos resíduos sólidos, que já podem ser coletados para a produção da carne vegetal.

O leite recebe um tratamento térmico antes de chegar a uma câmara de alto-vácuo, onde o aroma e o sabor característicos da soja são eliminados. Na penúltima etapa do processo, o leite vai para uma outra câmara, para que o vácuo seja quebrado. Finalmente, a bebida é resfriada e depositada em dois recipientes com capacidade de 50 litros cada, nos quais as frutas e outros sabores e aromas podem ser adicionados. De acordo com o professor Moretti, a primeira versão da “Vaca Mecânica”, sem o sistema desodorizador, está espalhada por todo o Brasil.

Exemplares do equipamento podem ser encontrados em Piracicaba, Nova Odessa, Curitiba e até na Santa Casa de São Paulo. Fora do país, a tecnologia é empregada em diversas nações da América Latina, em Cuba e até em Angola. De acordo com Rubens Carandina, proprietário da Osmec Industrial Ltda, que está concluindo a montagem da nova versão da Vaca Mecânica, a empresa tem capacidade para fabricar até 50 máquinas por mês, desde que as encomendas sejam devidamente agendadas. A maior parte das peças, diz, é feita em aço inoxidável.

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Projeto: “Vaca Mecânica”
Coordenador: Professor Roberto Hermínio Moretti,
da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA)
Investimento: R$ 55 mil
Patrocinador: Brasilinvest

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