Comunicação para todos
MANUEL ALVES FILHO
A Unicamp está liderando um esforço inédito para desenvolver e ampliar o uso da Comunicação Aumentativa e Alternativa (AAC, em inglês) no Brasil. A primeira ação concreta nesse sentido foi a organização da 11ª Conferência da International Society for Augmentative and Alternative Communication (ISAAC), ocorrida entre os dias 4 e 12 de outubro, em Natal (RN). Foi a primeira vez que o evento, que reúne os maiores especialistas do mundo na área, aconteceu fora do eixo Europa-Estados Unidos. Como conseqüência do encontro, já está sendo elaborado um portal brasileiro que funcionará como o primeiro passo para a criação de um capítulo da ISAAC no país. O objetivo do site, que estará abrigado na Universidade, é estabelecer uma rede de trabalho que reúna pesquisadores de diversos segmentos, de modo a gerar novos conhecimentos e tecnologias. “O foco central desse esforço será a promoção da inclusão social das pessoas com necessidades especiais”, afirma José Raimundo de Oliveira, professor da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Unicamp.
Oliveira e seu colega Antonio Augusto Fasolo Quevedo, também docente da FEEC, foram os organizadores da Conferência da ISAAC em Natal e estão à frente da criação do portal. De acordo com eles, ao ser promovido no Brasil, o evento cumpriu duas missões importantes. Primeiro, aproximou especialistas de diversas áreas que ainda trabalham de forma dispersa no país. Segundo, chamou a atenção da sociedade para um segmento que precisa de recursos específicos para levar uma vida digna e, não raro, produtiva. Os docentes esperam que o site transforme-se num instrumento de estimulo à busca de novos métodos e tecnologias voltados à inclusão social dos portadores de necessidade especiais.
A idéia é gerar uma rede de trabalho, por meio da qual engenheiros, médicos, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, psicólogos, lingüistas, etc possam trocar conhecimentos e experiências. “Trata-se de um esforço que requer uma abordagem multidisciplinar. Não adianta os engenheiros produzirem um software sofisticado que comande um sintetizador de voz, se ele não agregar os conhecimentos da nossa semântica, por exemplo”, explica Oliveira. Esse tipo de tecnologia, destaca Quevedo, já está difundida na Europa e Estados Unidos. A Conferência da ISAAC em Natal contou com a participação de estrangeiros que são usuários desses recursos.
Ocorre, porém, que os dispositivos são muito caros. Para se ter uma idéia de ordem de grandeza, uma cadeira de rodas dotada de uma série de funcionalidades pode custar até US$ 25 mil (R$ 75 mil). Um equipamento que auxilia o usuário a compor frases inteiras apenas com o movimento da cabeça ou o piscar de olhos [composto por um painel eletrônico contendo símbolos, um software e um sintetizador de voz] tem preço similar. “Isso acontece não apenas porque esses produtos valem-se de alta tecnologia, mas porque não alcançam produção em escala. Como a maioria das pessoas tem necessidades específicas, as soluções são praticamente individualizadas. É o contrário do que ocorre, por exemplo, com os telefones celulares. Eles também são dotados de alta tecnologia, mas a produção em alta escala faz com que tenham um preço final baixo”, compara Oliveira.
Para dar uma dimensão do impacto que as pesquisas em AAC podem produzir na vida das pessoas que apresentam sérias dificuldades de comunicação, Quevedo relata que alguns dos usuários dessas tecnologias ministraram palestras inteiras na Conferência da ISAAC. “Graças a esses recursos, essas pessoas têm um alto grau de independência e são muito produtivas. Sem essas soluções, porém, elas estariam condenadas a uma vida praticamente vegetativa”, diz. Para deixar ainda mais claro, Oliveira compara esses portadores de necessidades especiais a um computador. Assim, essas pessoas estariam representadas pela “inteligência” do equipamento, enquanto as soluções em AAC seriam o teclado e o monitor. “Em outras palavras, apesar desses indivíduos não conseguirem se comunicar autonomamente, a inteligência está lá. Para que ocorra a comunicação, só precisam de algo que estabeleça a interface entre eles e o mundo”, afirma, acrescentando que o paralelo não expressa obviamente a amplitude do problema.
Na Unicamp, assim como em outras instituições brasileiras de pesquisa e atendimento a portadores de necessidades especiais, há pessoas dedicadas ao estudo e desenvolvimento de métodos e tecnologias em AAC e em segmentos correlatos. Oliveira e Quevedo, por exemplo, têm conduzido até aqui pesquisas na área de mobilidade, que muitas vezes têm relação com a questão da comunicação. A Faculdade de Educação (FE), lembram os docentes da FEEC, também conta com pesquisadores envolvidos com o tema, mas com foco na inclusão dos indivíduos no universo escolar. Além disso, existe uma forte contribuição de especialistas da área médica. É o caso do Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação (Cepre), vinculado à Faculdade de Ciências Médicas (FCM).
O Cepre tem por finalidade a pesquisa, o ensino e a assistência nas áreas das deficiências sensoriais. O órgão atua em três grandes linhas de pesquisa: Avaliação e Prevenção de Deficiências, Desenvolvimento Humano Surdez e Deficiência Visual e Família, Comunidade e Diferença. Atualmente, cerca de 30 estudos estão sendo desenvolvidos a partir desses temas. Há, ainda, o importante trabalho desenvolvido pelo bioengenheiro Alberto Cliquet Junior, cuja carreira é dedicada ao desenvolvimento de equipamentos e próteses para paraplégicos e tetraplégicos, além de outros dispositivos para pesquisas de ponta na área médica.
Professor titular do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da FCM e coordenador de um programa de reabilitação financiado pela Fapesp, o especialista tem ajudado alguns pacientes a recobrar, paulatinamente, os movimentos voluntários, a partir de um tratamento que utiliza impulsos elétricos. O método ainda está longe de representar a cura para as pessoas que sofreram lesão na medula, por exemplo, mas representa uma esperança nesse sentido.